
Durante três anos, ela recebeu ligações de estranhos procurando por sexo fácil. O ex-namorado havia cadastrado fotos íntimas da jovem em sites de pornografia e de garotas de programa, com seus dados pessoais e telefone celular. Ela perdeu o emprego, o sossego e a autoestima. Sete anos depois, a jornalista Rose Leonel fala hoje abertamente sobre o trauma e ajuda mulheres que passaram por situação semelhante, por meio da ONG Marias da Internet. Mas pouco ainda se discute sobre o que fazer quando a violência doméstica ultrapassa as barreiras físicas do lar e expõe a vida íntima de um casal pelas redes sociais.
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Para tentar coibir a disseminação dessa prática, apelidada de "vingança pornô", e evitar que histórias como a de Rose se repitam, dois projetos de lei estão em tramitação no Congresso. Um deles, apresentado na quarta-feira pelo deputado federal Romário (PSB-RJ), sugere alteração no Código Penal para enquadrar esses atos como crime contra a dignidade sexual, sujeitando o autor à detenção de um a três anos, além de multa.
A outra proposta, do deputado João Arruda (PMDB-PR), estabelece que a divulgação de fotos e vídeos íntimos sem o consentimento dos parceiros seja enquadrada na Lei Maria da Penha. Se o projeto for aprovado, as vítimas deverão receber assistência judiciária e atendimento nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde. Também haverá maior participação do Ministério Público e o processo deve ser mais ágil.
- A grande discussão sobre internet é o desafio de formar uma legislação que consiga ao mesmo tempo garantir a liberdade de expressão e preservar a privacidade das pessoas. Vimos a necessidade de fazer uma lei que correspondesse àquilo que foi debatido durante a aprovação da Lei Carolina Dieckmann, que trata da proteção de dados por ataques de hackers. Mas não tem nada a ver com uma lei que proteja os direitos da mulher e que sirva como medida preventiva para crimes de violência que são até piores do que a violência física, porque o assédio moral, a exposição na internet, isso fica marcado pra vida inteira - afirma Arruda.
De acordo com o advogado José Carlos de Araújo Almeida Filho, professor da Universidade Federal Fluminense e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, a proposta é um avanço, mas poderia ser mais ousada, com uma norma reguladora independente de gênero, pois ainda há juízes que não aplicam a Lei Maria da Penha quando se trata de um casal homoafetivo ou se o ofendido for um homem. Para ele, os legisladores estão perdendo a oportunidade também de regulamentar a produção de provas em casos como esse.
- A reforma do Código de Processo Civil tem uma falha gravíssima, porque não prevê prova eletrônica. Temos um código com cara de papel enquanto vivemos uma era informatizada. Outro problema grave é a votação do Marco Civil da Internet que, de acordo com a redação, não admite a quebra de sigilos telemáticos para obtenção de prova em demandas cíveis. Há uma confusão probatória, os códigos processuais são omissos e estamos atrasados em mais de duas décadas.
Nos Estados Unidos, Califórnia e New Jersey legislaram recentemente sobre o assunto e outros nove Estados planejam fazer o mesmo, mas se discute se esse tipo de crime deveria ser tratado em âmbito cível ou criminal, o que implicaria diferentes penas, variação no peso das provas e maior participação do Estado na resolução do conflito.
Para o delegado José Mariano de Araújo Filho, especialista da Polícia Civil de São Paulo em investigações de crimes praticados por meios eletrônicos, a dificuldade operacional e a ausência de regulamentação legislativa para coleta das provas são os principais entraves à resolução desses casos.
- Não é qualquer policial hoje que encontra o preparo técnico-científico para esse tipo de investigação. É preciso tempo, preparo e investimento. E se alguém armazena informações num site hospedado fora do país, a polícia leva meses porque depende de cooperação internacional, passando até mesmo pela esfera diplomática. É um contrassenso, pois a principal característica desse tipo de crime é que a prova é extremamente volátil.
ENTENDA OS PROJETOS
Projeto de Lei 5555/2013
Apresentado em maio pelo deputado João Arruda (PMDB-PR), aguarda parecer da Comissão de Seguridade Social e Família
- Amplia a quantidade de delitos abrangidos pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). A violação da intimidade, pela internet ou qualquer outro meio, sem consentimento, passa a ser considerada violência doméstica e familiar contra a mulher.
- Caso entenda necessário, o juiz ordenará ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site ou de blog e de telefonia móvel que remova, no prazo de 24 horas, o conteúdo que viola a intimidade da mulher, como imagens, dados pessoais, vídeos, áudios obtidos no âmbito de relações domésticas ou de hospitalidade.
Projeto de Lei 6630/2013
Apresentado no dia 23 pelo deputado Romário (PSB-RJ), aguarda despacho do presidente da Câmara para início à tramitação
- Acrescenta um artigo ao Código Penal, considerando crime a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima.
- Será prevista detenção de um a três anos, além de multa. A pena será aumentada em um terço se o crime for cometido com o fim de vingança ou humilhação, ou se a autoria for atribuída a quem era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou manteve relacionamento amoroso com a vítima.
- O autor também terá de indenizar a vítima por despesas decorrentes de mudança de domicílio, de instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos e perda de emprego. O pagamento não exclui o direito da vítima de buscar indenização por danos morais.
SAIBA COMO SE PROTEGER
Nas relações pessoais
- Evite se expor logo no início do relacionamento, mas, caso queira tirar fotos e fazer vídeos, não mostre o rosto ou traços facilmente identificáveis, como tatuagens.
- Não use o celular para fazer imagens, porque o parceiro pode facilmente reencaminhá-las sem você perceber. Prefira as câmeras digitais.
- Caso queira compartilhar suas fotos com alguém, não envie do seu e-mail pessoal.
Na assistência técnica
Fotos e vídeos pessoais podem ser acessados também por terceiros, seja um hacker ou um funcionário de assistência técnica, por exemplo. Foi o que aconteceu quando a atriz Carolina Dieckmann levou o computador para manutenção e foi chantageada por pessoas que tiveram acesso aos arquivos. Algumas dicas podem ajudar a manter seus dados mais seguros:
- Proteja os arquivos por meio de senhas de acesso e com ajuda de softwares de criptografia, como o TrueCrypt ou o BitLocker
- Procure manter os arquivos importantes fora do computador, usando uma pen drive ou HD externo
- Prefira um técnico que realize o serviço na sua casa mas, caso não seja possível, remova os arquivos do disco rígido antes de levá-lo para manutenção. Você pode usar um Live CD do Linux, que inicia o computador sem usar o HD, no caso de o sistema estar completamente inacessível
- Mantenha o antivírus e o sistema operacional atualizados
- Instale um software no seu celular ou tablet que permita o rastreamento e acesso remoto ao aparelho em caso de perda, furto ou roubo. A Apple oferece o aplicativo Buscar Iphone, e o Google, o Android Lost
Fontes: Altieres Rohr, editor do site linhadefensiva.org e Nádia Lapa, blogueira e escritora, autora do livro Cem Homens em um Ano