Você é capaz de fazer de uma pouco recomendável carne de pescoço um prato saboroso o suficiente para convidar seus melhores amigos? Um especialista em cortes e uma chefe de cozinha demonstram na Vitrine da Carne Gaúcha, de Esteio, que esse milagre culinário é possível.
Agulha, paleta, peito, ditas partes dianteiras, podem sim obter o mesmo resultado de um banquete de picanha, alcatre, maminha e costela de churrasco. Basta seguir os segredos, da produção no campo até as panelas da cozinha.
Com destreza de samurai, Marcelo Conceição Bolinha costuma magnetizar o público cortando meia carcaça de um bovino de raça inglesa, com base no lema "se o boi é de primeira não existe carne de segunda". E então Bolinha narra como um locutor esportivo sua desossa implacável, é claro, facilitada pela carne macia de um boi jovem produzida pelos parceiros do programa Juntos para Competir, iniciativa de entidades ligadas ao campo - Senar e Farsul - e à cidade - Sebrae.
- Vejam aqui essa costela janela com uma boa cobertura de gordura, os ossos finos, a pele sai com facilidade - dizia o entusiasmado Marcelo, mostrando o corte da dita, com o marmoreio (gordura entremeada na carne) a olhos vistos.
Ao lado de sua mesa, a chef Fernanda Moreira recolhe os cortes e lhes dá vida nas panelas. Ela ensina: o segredo maior é aquecer o máximo a panela, grelha, frigideira ou chapa e só depois deitar a carne, abafá-la, virá-la de forma a produzir o molho do cozimento. Não à toa o mercado já converte o velho acém em um pomposo corte que leva o nome de ribay ou short ribs. Bem mais caro, é claro.
Mas não é preciso fazer milagre na panela. A produção de boa carne nasce no campo em uma cadeia que começa com os touros e as matrizes de boa genética. São esses animais, os melhores das raças, que são expostos na Expointer. Como no caso do sisudo reprodutor Galhardo, um exemplar da raça angus de três anos que já começa a ceder sêmem para inseminar vacas de campo em condições de repassar boa conformação de corpo ao rebanho geral.
Pois o Galhardo, da Cabanha da Maya, de Bagé, de tão gordo - pesa 1.070 quilos - sofreu nesta quinta-feira um mal estar devido ao calor que se abateu sobre o galpão na Expointer. Como estava indócil e cansado, os cabanheiros recorreram a um grande ventilador para refrescar a vida do touro. Deu resultado, ele se acalmou. No galpão da propriedade também é assim. Quando o calor incomoda, o pessoal providencia o ventilador com água para confortá-lo.
De tão pesado, Galhardo tem um outro problema: com uma tonelada, o touro não pode ter cruza física com uma vaca sob pena de forçar os garrões posteriores e arranjar uma lesão. É uma sina. O cabanheiro Alessandro Rodrigues morre de pena:
- Vida de touro nem sempre é tão boa assim - suspira.
Em compensação, a linhagem de Galhardo forma animais melhores para o espeto mas ele mesmo não corre o risco de virar churrasco. Até porque é muito caro para isso.