Sem chimarrão, sem outros militares brasileiros para bater papo, com saudades de casa, mas com muita vontade de aprender - e de ensinar. Essa é a nova rotina do general Carlos Alberto dos Santos Cruz na República Democrática do Congo (RDC), onde é o novo Comandante da Força Militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização (Monusco).
Na reserva desde novembro, o general de divisão Santos Cruz desfrutava de um breve descanso quando, em abril, foi escolhido pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, para chefiar a mais espinhosa missão de paz da entidade. Ele substituiu em 17 de maio o general de divisão indiano Chander Prakash Wadhwa. Após um breve estágio em Nova York, o militar nascido em Rio Grande desembarcou na África e tem percorrido algumas das áreas de atuação das tropas, a fim de se familiarizar com a situação no terreno. Sempre cercado de seguranças, claro. Desde então, não retornou ao Brasil. Em conversa informal, comenta da saudade que sente do futebol, do frio e do churrasco.
- É como se fosse um outro planeta - resume ele, que não é novato em tarefas espinhosas.
Santos Cruz foi o comandante das forças da ONU no Haiti entre 2006 e 2009, chefiando mais de 12 mil homens - o general brasileiro que mais tempo ficou no posto.
A diferença é que, no Haiti, ele atuou num país quase pacificado. Já o RDC (ex-Zaire), nação de 75 milhões de habitantes, está em guerra civil há mais de 15 anos, tempo de existência da missão. O objetivo das forças da ONU é proteger a população civil, que sofre com a ação de grupos rebeldes e milícias étnicas da região da África Central. A missão do Congo também tem uma particularidade: pode intervir no conflito. Ao contrário das demais, nesta os soldados podem realizar operações para prender rebeldes. É o maior contingente de capacetes azuis no momento: envolve cerca de 20 mil pessoas, incluindo aí 1,4 mil policiais e outros 4,5 mil civis.
Dez anos e mais de 4 milhões de pessoas mortas
Está longe de ser uma moleza, descreve. O Conselho de Segurança da ONU criou uma Brigada de Intervenção dentro da Monusco com o objetivo de combater os grupos armados. Ela atua em Goma, no leste, cidade de clima ameno, pouco mais quente que o do Rio Grande do Sul. Ali fica concentrado 95% do efetivo, com tropas também espalhadas em Burnia e Bukavu. A missão deles é impedir a ação de mais de 50 grupos rebeldes, "que cometem crimes absurdos contra a população", descreve Santos Cruz. No país, nos últimos 10 anos, estima-se que morreram, em consequência de conflitos, de 4 a 5 milhões de pessoas. Isso é mais que as perdas de vidas em todos os outros conflitos do mundo, somados, no mesmo período.
Esse local é o novo lar do general gaúcho, por tempo indeterminado. Mediar as forças em conflito é sua tarefa. São reuniões, dias a fio. Num intervalo de andanças por aquele país, Santos Cruz arranjou tempo de conceder entrevista a Zero Hora, por e-mail. Veja ao lado. ­
Entrevista: General Alberto dos Santos Cruz
Zero Hora - Como é Goma?
General Alberto dos Santos Cruz - É um ponto estratégico e sempre foi palco de todos os conflitos que aconteceram no Congo (RDC), desde sua independência, em 1960. E nos vizinhos. Por exemplo, durante o chamado massacre de Ruanda, em 1994, uma grande massa de pessoas da etnia tutsi procurou fugir da morte cruzando a fronteira para o lado congolês. Mais tarde, quando a etnia tutsi venceu o governo hutu em Ruanda, que foi responsável pelo massacre, grupos hutus também se refugiaram no lado congolês, cruzando o território naquela área. Goma é uma cidade de 1,2 milhão de habitantes, na beira de um lago lindíssimo, junto a vulcões imensos. Faz 10 anos ou pouco mais, houve uma erupção vulcânica e a área foi coberta por cerca de um metro de lava do vulcão. As regiões onde se depositam as cinzas são extremamente férteis, apesar das plantações carecerem de tecnologia. Também existem muitas pessoas em boa situação financeira, com casas maravilhosas, principalmente nos bairros mais à beira do lago Kivu.
ZH - Há outros brasileiros aí?
Santos Cruz - Eu vim comandar a missão da ONU sozinho. Não tinha nenhum brasileiro na parte militar.
ZH - Qual o contingente que o senhor comanda?
Santos Cruz - Aproximadamente 20 mil homens, representando mais de 20 países. É a maior missão da ONU em contingente militar. O país é muito grande. Cabem dentro do Congo, todos juntos, a Alemanha, a Espanha, a França, a Inglaterra, a Polônia, e mais alguns europeus. O Congo é o oitavo país do mundo em extensão. Extremamente rico de recursos naturais. Isso gera disputas, principalmente quando o país ainda não tem estrutura para ter uma forte presença governamental em todos os pontos. Mas o problema é agravado por uma série de problemas regionais e étnicos, que se concentram mais no leste do país, em Ituri (mais ao norte e a leste), Kivu Norte e Kivu Sul. E, em menor intensidade, na província de Katanga.
ZH - Existem outros grupos rebeldes? O M-23 tem controle sobre alguma parte do território?
Santos Cruz - Existem mais de 50 grupos. O M23 é o que está mais em evidência, desde o ano passado. Existem muitos outros grupos com alguma estrutura. E, também, existem outros menos estruturados, gerando uma insegurança, que faz o país ter campo de deslocados internos, os chamados IDP Camps (Internally Displaced People). Esta é uma situação muito triste. Existem cerca de 2,7 milhões de pessoas vivendo nos IDP Camps, praticamente vivendo do que recebem de ajuda humanitária. O M23 tem controle parcial de uma pequena parte do território. Existem negociações entre o governo e o M23 em Kampala (capital de Uganda). No momento, não dá para prever o resultado das negociações.
ZH - Muitos militares da ONU morreram neste conflito?
Santos Cruz - A missão da ONU, desde a sua criação há 14 anos, já perdeu 145 militares e cem civis, aí incluídos policiais. As perdas são em ataques, em combate.
ZH - Amenidades, agora...O senhor se comunica por internet via satélite ou convencional?
Santos Cruz - Aqui, existe comunicação de muito boa qualidade. Telefonia, telefonia celular, internet, etc. A telefonia celular tem uma cobertura imensa, melhor que muitas áreas nossas.
ZH - Gremista, colorado ou São Paulo de Rio Grande?
Santos Cruz - Quando era criança, torcia pelo Rio Grande e pelo Internacional. O Rio Grande (time da cidade do mesmo nome) foi desaparecendo com o tempo, pela pouca projeção. Mas o Colorado é essa maravilha!
ZH - Faz chimarrão?
Santos Cruz - Não. Foi uma correria entre a minha designação e a partida para a missão, que eu não trouxe nada. Aqui, o jeito é "filar" um mate dos uruguaios.