Noventa e sete dias depois da tragédia da boate Kiss, que matou 241 pessoas em Santa Maria, um incêndio em uma das mais conhecidas casas noturnas de Porto Alegre voltou a assombrar os gaúchos. Desta vez, sem vítimas.
Mas as chamas que consumiram dois terços do casarão onde funcionava o Cabaret, sábado à noite, propagaram dúvidas sobre a eficácia da fiscalização de segurança dos estabelecimentos, feita pelo poder público.
O caso do Cabaret é emblemático porque a casa, na Avenida Independência, foi a primeira a ser interditada na Capital, em 30 de janeiro - três dias após a tragédia da Kiss. Vinte dias depois, foi liberada pela força-tarefa criada pela prefeitura para inspecionar os estabelecimentos, com aval do Corpo de Bombeiros, após reformas para adequações.
Mas, se estava tudo em dia, por que a casa pegou fogo? As causas ainda são investigadas pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), que deve chegar a uma conclusão em até 30 dias. Por enquanto, o pouco que se sabe é que as chamas começaram entre o telhado e o forro, por volta das 20h30min, quando a casa ainda estava vazia. Segundo um dos peritos do caso, Rodrigo Ebert, é a região onde normalmente fica a instalação elétrica, mas qualquer conclusão é precipitada. Até porque, de acordo com um dos donos, Carlos Beust de Oliveira, a partir das reformas não haveria nenhuma fiação passando pelo teto. A polícia também investiga a hipótese de incêndio criminoso.
- Todas as licenças estavam em dia, não tem explicação para esta situação - diz o advogado e contador do Cabaret, Ciro Pacheco, estimando um prejuízo de R$ 500 mil.
Apesar de confirmarem que toda a parte de prevenção a incêndios estava regularizada, autoridades tiveram dificuldade de dar detalhes no domingo sobre a liberação do alvará de funcionamento. Mesmo sendo coordenador da força-tarefa criada pela prefeitura para inspecionar as casas noturnas, o secretário de Produção, Indústria e Comércio, Humberto Goulart, disse que a responsabilidade era dos bombeiros e que haveria pendências administrativas com a Secretaria de Urbanismo - mas não soube informar quais.
O comandante dos bombeiros de Porto Alegre, tenente-coronel Adriano Krukoski Ferreira, garantiu que o Cabaret cumpre todas as exigências legais e que o alvará serve apenas como uma garantia de que, se houvesse alguém dentro do prédio, as pessoas teriam condições de sair em segurança. E se a casa estivesse lotada?
- Não temos bola de cristal para saber como seria se tivesse gente no momento - respondeu Krukoski.
Um dos centros da cultura alternativa em Porto Alegre, o Cabaret sediaria no sábado uma festa de música eletrônica. Frequentadora do local, a estudante de Medicina Tatiana Klaus, 23 anos, lembra que os cuidados com segurança haviam sido redobrados após a interdição, com saídas sinalizadas e menor lotação, o que havia multiplicado as filas de entrada.
Mesmo com dúvidas quanto à origem do incêndio, o responsável pela força-tarefa da prefeitura, Humberto Goulart, não pretende mudar os procedimentos de fiscalização.
"É uma pocilguinha mesmo"
Secretário da Produção, Indústria e Comércio (Smic) e coordenador da força-tarefa que inspeciona casas noturnas na Capital, Humberto Goulart atribui aos bombeiros a liberação do Cabaret.
Zero Hora - Como foi a liberação do alvará de funcionamento do Cabaret?
Humberto Goulart - O alvará foi dado no final dos anos 90 e todos os anos eles fazem a revalidação, por meio de taxa. Agora, quem interditou foram os bombeiros, e quem desinterditou também foram os bombeiros. Nós só cumprimos a determinação deles.
ZH - O senhor falou que faltava ao Cabaret um protocolo junto à Secretaria do Urbanismo.
Goulart - Eu não sei o que era, mas eu sei que não era uma ação que fosse implicar perigo de incêndio. Era uma coisa de obra. Parece que eles não levaram um papel.
ZH - Mas não há um trabalho integrado entre as secretarias para evitar esse descompasso?
Goulart - Nós trabalhamos de forma integrada nos resultados, não na análise. Só vem para gente para o resultado final.
ZH - Não se corre o risco de acabar tendo furos?
Goulart -Não, cada um tem uma coisa diferente para analisar. E depois juntamos as análises.
ZH - Dá para confiar nessa fiscalização?
Goulart - Dizem que o fato de ter revisão não vai dar incêndio. Não é verdade, vai dar incêndio, sim. O que nós queremos é que, se acontecer, que se tenha condições de se safar.
ZH - O senhor chegou a chamar o Cabaret de pocilga.
Goulart - É uma pocilguinha, mesmo.
ZH - Por que foi liberado, então?
Goulart - Porque os bombeiros olharam e disseram que estava apta para funcionar. Os bombeiros atestaram que tinha marcações de luz, saídas, tudo certinho.
ZH - O senhor acha que pode ter ficado algum problema?
Goulart - Acho que não. O incêndio não tem nada a ver com condições de segurança para as pessoas.
ZH - O senhor falou que o trabalho de fiscalização vai continuar no mesmo ritmo.
Goulart - Sim, até o dia 15 devemos apresentar um boletim para o prefeito. Já fizemos visitas em 150 casas noturnas e 84% delas foram interditadas. Muitas estão reabrindo em situações melhores.
Sócio do Cabaret e secretário da Smic trocam xingamentos
Durante perícia realizada na boate Cabaret nesta manhã em busca de pistas sobre o incêndio, Carlos Beust Oliveira, um dos sócios da casa noturna, protagonizou uma discussão com o secretário da Produção, Indústria e Comércio (Smic), Humberto Goulart.
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