O aumento acelerado da frota de motocicletas no país - e no Estado, que já superou a marca de 1 milhão de unidades - está associado à desistência do transporte coletivo. O crescimento do volume de motos chegou a 107% entre 2004 e 2012, uma alta de 42 pontos percentuais em relação ao aumento do número de veículos no Estado. Os dados vão na contramão da tendência mundial de se reforçar o transporte público em cidades apinhadas de automóveis.
Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo) apontava essa movimentação já no ano passado. Quatro em cada 10 novos motociclistas, segundo o levantamento, decidiram trocar o ônibus pelo transporte individual.
Trata-se de gente como o servidor público Carlos Alexandre Dias Lopes, 31 anos. Funcionário do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), tem moto desde 2008.
- Meu lema é devagar e sempre. Ando certinho dentro da cidade, evito manobras perigosas e a velocidade - enumera.
Antes, era um usuário de ônibus. A troca ocorreu porque resolveu fugir dos atrasos e ter mais conforto. Morador de Guaíba, gastava 45 minutos para ir ao trabalho e 50 para voltar, de coletivo. Hoje, os dois trajetos são completados em meia hora, de moto. O antigo terror da tranqueira na ponte do Guaíba já não assusta, nem o ombro a ombro dentro dos veículos lotados.
O ganho financeiro também seria superior com a moto, não fosse o trajeto intermunicipal, que exige um gasto um pouco maior de combustível. Além disso, Lopes se considera um motociclista preocupado com a manutenção correta do veículo, e investe nisso. No final, os custos com a moto se equivalem aos que teria com a passagem, calcula.
O fenômeno do abandono do ônibus pela motocicleta é estudado pela professora do curso de Transporte Terrestre da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Raquel da Fonseca Holz. O foco da sua tese de doutorado, que ela defenderá em julho, é nos acidentes envolvendo motociclistas, mas o aumento da frota impulsionada por ex-usuários de ônibus também é avaliada pela professora, que incluiu a pesquisa da Abraciclo em seu material. Raquel afirma que, no Norte e Nordeste do país, o crescimento é ainda mais notável, com regiões onde existem mais motos do que carros. No Rio Grande do Sul, os automóveis ainda são maioria nos municípios.
- Uma das partes da minha tese foi identificar o porquê desse aumento da frota de motocicletas. Eu diria que sai mais barato andar de moto do que no transporte público. Sem contar que tem toda a facilidade de estacionamento, rapidez - argumenta.
O uso da moto é incentivado por preços que podem ficar abaixo de R$ 5 mil e por parcelamentos em 48 meses. Entre as maiores vantagens das duas rodas está sua capacidade de fazer até 35 quilômetros por litro de gasolina - cujo preço regula com o da passagem de ônibus de Porto Alegre, hoje em R$ 2,85.
Atualmente, os dois veículos mais vendidos do Brasil, segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), são duas motos, a Honda CG 150 (104.746 unidades até abril) e a Honda Biz (75.350). No entanto, a venda de motos está em crise porque as leis de restrições ao crédito estão mais rígidas. Conforme a Associação das Concessionáris Honda do Estado (Assohonda), a cada 10 pedidos de crédito para motos de até 250cc, seis são negados.
Aumento da frota x acidentes
O vendedor Gabriel Carneiro Rennhack, 37 anos, adquiriu uma moto para economizar e ganhar tempo, e abandonou o transporte coletivo. Após 13 anos andando de moto, porém, ele desistiu. Comprou um carro no final do ano passado, com o qual vai para o trabalho em uma distribuidora em Guaíba. A causa foi o risco do trânsito. Ele sofreu quatro acidentes, todos leves porque garante que sempre dirigiu com cuidado.
- Comprei o carro por segurança, deixei a moto de lado. Nesse meio tempo, até tentei usar ônibus, mas o horário é um problema. Depois que se acostuma a se deslocar de moto ou carro, é difícil voltar - avalia.
Presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindimoto), Valter Ferreira da Silva repudia a tese de que o aumento da frota de motos seja o principal motivo do aumento dos acidentes envolvendo esses veículos. Para ele, falta uma preparação melhor nos cursos para tirar a carteira de habilitação.
- Se trabalha muita teoria, são 40 horas, contra 20 horas de prática. O exame é em uma área fechada, em que o motociclista não tem contato com a rua. Aí, ele não aprende a andar na chuva, a fazer curva, a ultrapassar. Dizer que tem mais acidentes porque tem mais motos é como afirmar que o povo está obeso porque pode comprar mais geladeiras - argumenta.
O diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari, lembrou que a segunda passagem gratuita conseguiu recuperar a média de passageiros transportados em 2012. Dos 26.999.130 de 2011, passou para 27.392.236:
- Não é usuário pagante, mas é um passageiro que voltou para o sistema. Competir com o automóvel é muito difícil, com sua liberdade de decisão e comodidade. E mais ainda com a moto, por causa do custo baixo. O cidadão é inteligente, ele pensa no custo-benefício a toda hora.
Cappellari admite que a queda no uso do transporte público se deve também a deficiências de qualidade. Melhorias deverão vir com o sistema BRT, que promete rapidez no trajeto e pouco tempo de espera nas estações.
Progressão em duas rodas
O aumento no número de motos:
Em oito anos, frota de motos no Estado dobrou...
2004 - 498.654
2012 - 1.033.842
Crescimento: 107%
... e cresceu em proporção acima do total de veículos
2004 - 3.243.893
2012 - 5.376.302
Crescimento: 65%
Expansão nacional é ainda maior
Frota de motos
2004 - 6.079.361
2012 - 16.910.473
Crescimento: 178%
Total de veículos
2004 - 39.240.875
2012 - 76.137.191
Crescimento: 94%
*******
Explicação para o fenômeno
O que aponta uma pesquisa da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo):
Razões de compra
Substituir transporte público 40%
Lazer 19%
Instrumento de trabalho 16%
Outros 15%
Substituir carros 10%
Vantagens das motos
- Rapidez
- Economia
Enquanto isso, nos ônibus
Média mensal de passageiros transportados em Porto Alegre
1998 - 33.593.909
2012 - 27.392.236
Redução de 18%
*********
Consequências
36% dos condutores têm habilitação para conduzir motos
Mortos no trânsito do RS entre 2007 a 2011: 9.722
Motoristas 2.336 (24%)
Motociclistas 2.312 (24%)
Entre 2009 e 2011, o Sistema Único de Saúde (SUS) pagou a internação de 3.534 motociclistas gaúchos feridos em acidentes. A conta foi de R$ 4,8 milhões