Os quero-queros são os que mais frequentam a pista de 2,1 mil metros de extensão do Aeródromo Regional de Cargas de Vacaria, o qual deveria receber aviões do porte do Boeing 737 e Embraer 190 para impulsionar a economia da região nordeste do Estado. Sentinelas na imensidão dos campos, as aves se adonaram da faixa de asfalto, abandonada entre as macegas que crescem ao redor.
Idealizado em 1987, o terminal foi esquecido por sucessivos governos. Foi projetado para escoar a produção de frutas de Vacaria, mas a expectativa de crescimento não se confirmou: não há carga e passageiros suficientes para sustentar a pista. É um pouco menor que a do Salgado Filho, com 2.280 metros, porém mais extensa do que a do aeroporto de Congonhas (SP), de 1.640 m.
A gestão Yeda Crusius retomou o projeto, executando a pavimentação da pista. Desde então, nada foi feito. Em dezembro, ao anunciar R$ 310,8 milhões para 13 aeroportos regionais do Estado, a presidente Dilma Rousseff não incluiu o terminal de Vacaria no Programa de Investimentos em Logística.
Solitária no meio do nada, a pista foi aberta ao tráfego pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em outubro de 2012, mas somente para aeronaves particulares. Não pode receber aviões comerciais de passageiros ou de cargas. Quem pousa ali não dispõe de estrutura, sequer de um banheiro.
O diretor do Departamento Aeroportuário do Estado (DAP), Roberto de Carvalho Netto, anuncia que as obras complementares serão feitas, neste ano, mas não nas dimensões projetadas. O novo terminal será misto, incluindo o transporte de passageiros, e deverá encolher de tamanho.
Ociosidade iria durar 10 meses
Netto diz que o DAP manterá a pista, para não perder os R$ 20 milhões já gastos - a quase totalidade do governo federal. Mas serão obras modestas: um acesso de 400 metros até a rodovia Vacaria-Lagoa Vermelha (BR-285) e um terminal para passageiros, principalmente de táxi aéreo. No total, o Estado pretende investir no máximo R$ 700 mil.
Entidades que tentam planejar o desenvolvimento gaúcho estranham a contradição de contemplar Vacaria antes de Caxias do Sul - que se apresenta como prioridade na Serra. O diretor executivo da Agenda 2020, Ronald Krummenauer, questiona por que a pista está ociosa e sem equipamentos:
- Parece aquela coisa de caiu um aeroporto no meu quintal.
Vacaria candidata-se a maior produtor de maçã do país, com 300 mil toneladas por ano. Mas o fruto continuará sendo despachado em caminhão, porque o custo do frete aéreo tornaria o preço final proibitivo. Quem precisa de transporte por avião são os vendedores de pequenas frutas - o mirtilo, a physalis, a amora e a framboesa. Valiosas, mas frágeis, devem chegar ao consumidor o mais rápido possível.
A produção de frutas como o mirtilo chega a 300 toneladas por ano, em Vacaria. Considerando-se que um Boeing 737 cargueiro transporta oito toneladas, a safra seria escoada em 38 voos. Conclusão: o aeródromo ficaria ocioso por mais de 10 meses.
Responsável pela realização da pista no governo Yeda, o ex-secretário de Infraestrutura e Logística Daniel Andrade informa que apenas destravou uma obra já contratada e aprovada pela Anac, com participação federal.
Vacaria quer ter obra concluída
Vacaria pretende decolar em busca de novos mercados para a maçã e as pequenas frutas a partir da conclusão do aeroporto. A expectativa é conquistar especialmente os consumidores da Europa, ávidos pelo raro mirtilo.
A prefeitura do município entende que o aeroporto poderá incluir Vacaria na rota dos voos de passageiros e de cargas. Incentivaria as exportações, abrindo possibilidades de negócios. Também serviria para atrair investimentos ao município, cujo clima frio favorece o cultivo de frutas apreciadas por europeus.
A cidade já dispõe de um aeródromo, mas é o típico campo de aviação. Encravado no perímetro urbano, está sendo engolfado pelo avanço das casas. É mais utilizado por monomotores de passeio ou de aviação agrícola.
Empresários estão esperançosos com a nova pista. Maior produtor de pequenas frutas, a ItalBraz precisou adaptar o sistema de suspensão dos caminhões refrigerados que carregam as caixas de mirtilos, amoras, framboesas, moranguinhos e physalis até São Paulo. A mercadoria não pode ser amassada na buraqueira das estradas.
Caxias espera terminal maior
Os para-brisas de caminhão que Caxias do Sul exporta para o México precisam ser embalados em estojos de madeira, acolchoados por dentro, para que não se espatifem na viagem terrestre até o aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP). Depois, continuam a jornada de avião.
As peças poderiam custar menos e chegar mais rápido ao destino se Caxias do Sul dispusesse de um aeroporto para receber grandes aeronaves de cargas e passageiros. O diretor de infraestrutura da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC), Nelson Sbabo, lembra que o município reivindica um terminal desde 1980.
- Somente Caxias tem um potencial de 3 milhões de toneladas de carga por ano - destaca.
O aeroporto projetado ficaria em Vila Oliva, a 25 quilômetros de Caxias e perto de Gramado e Canela. Poderia servir à região, incluindo cidades exportadoras como Bento Gonçalves e Farroupilha. Enquanto o Vila Oliva não decola, Caxias e as cidades vizinhas usam o aeroporto Hugo Cantergiani, para aeronaves médias e pequenas. As mercadorias, para serem exportadas, precisam ir de caminhão até Porto Alegre ou para São Paulo - no caso de grandes volumes remetidos ao Exterior.
Pesos diferentes
A pista construída está cadastrada na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) com o nome de Aeródromo Regional de Cargas de Vacaria.
Localização: a 11 quilômetros da cidade, às margens da rodovia Vacaria-Lagoa Vermelha (BR-285).
O que existe: pista de 2,1 mil metros de extensão por 30 metros de largura. Está com pintura no asfalto.
O que falta: construir o terminal de passageiros e de cargas, torre de comando, hangar, instalar equipamentos de segurança e asfaltar o acesso à BR-285.
O que pode operar, segundo a Anac: aberto ao tráfego desde 3 de outubro de 2012, mas somente para aeronaves particulares, durante o dia, com o tempo favorável e sem a necessidade de recorrer ao auxílio de instrumentos.
O que não pode operar: não pode receber voos regulares nem cargueiros. Como é um aeródromo privado, não pode receber passageiros ou operações comerciais.