Numa sala do velho Olímpico, guardada por um pôster da Arena, Fábio Koff, que assume a presidência do clube terça-feira, recebeu os colunistas de ZH David Coimbra, Diego Olivier e Luiz Zini Pires e, pela primeira vez, falou dos problemas do clube, do déficit, do custo Arena, dos investidores, do sonho da Libertadores e do seu entusiasmo. Leia os principais trechos:
AS FINANÇAS DO CLUBE
"O problema de transição no Grêmio não é só matérial, é de processo. É muito difícil, complicada. É uma nova gestão, novas ideias. Não é uma simples transferência física, Arena pelo Olímpico. A expectativa com relação à Arena para ser correspondida tem que haver uma otimização dos resultados. É muito difícil.
Mas não, não estou pessimista. Estou achando que nós temos que nos dedicar a otimizar os resultados. Ficar na receita assim como está, não dá resultado. Nós estamos desde o dia seguinte das eleições mantendo contato, em busca de reforços, por exemplo. A concorrência é grande.
Hoje tem o São Paulo, o Fluminense, com a Unimed, o Corinthians, time rico, o Atlético-MG, mobilizado, e o Palmeiras. Nós mantivemos contato, alguns prosperaram, mas as dificuldades são muitas.
O problema é comprometer as finanças. A situação financeira do Grêmio é deficitária. Tem déficit acumulado. Não é fácil. O déficit teria sido maior se o clube não tivesse tido o aporte das luvas da TV Globo nestes dois últimos anos.
Nós estamos com um déficit de caixa de R$ 5 milhões mensais. Se tivesse sido de R$ 60 milhões, estaríamos fechados. Não tinha o que fazer."
O PODER DA MARCA
"Nós estamos criando mecanismos para atrair investidores, grandes investidores, fundos de investimentos. Nós criamos uma comissão permanente em busca de talentos. Nós estamos procurando jogadores de até 23 anos que possam atrair investidores, e que possa trazer resultados.
Nós precisamos otimizar os recursos do marketing. Hoje não se paga nada pela marca do Grêmio. O Grêmio foi lá para a Arena e não cobrou um centavo da marca, que é estimada pelas empresas de consultorias em mais de R$ 500 milhões. O uso e a venda da marca são muito fortes. Mas isto vai depender da nossa criatividade.
A busca de jogadores precisa estar dentro dos padrões do Grêmio, embora o clube jogue com os déficits previstos e tenta equalizar a receita e a despesa. Mas eu estou confiante, bem entusiasmado. Já peguei o Grêmio em piores condições. Temos um grupo de apoio muito grande que se autoconvoca, que nós criamos. É um conselho formado por grandes empresários, como Adelino Colombo, Alexandre Grendene, Jorge Gerdau Johannpeter, entre outros. São pessoas assim, não digo que vão tirar dinheiro do bolso, que geraram credibilidade aos projetos. Porque apostar hoje em futebol ninguém aposta."
O PREÇO DO NOVO ESTÁDIO
"O Grêmio precisa procurar alternativas no marketing e na venda da marca. Olha o balanço do Grêmio e vê qual a contribuição da Arena na receita da clube em 2013? Num orçamento de R$ 216 milhões, quanto representa a Arena? Não chega a R$ 10 milhões. Poderá chegar a valores maiores a partir de 2016, 2018. O mínimo é de R$ 7,8 milhões. Ótimo que se construiu. Fui o primeiro a falar que o Grêmio deveria partir para um estádio de multiuso, o Olímpico dava prejuízo e tal. Mas vamos pagar o preço. Ao contrário do Corinthians, que ganhou um estádio praticamente de graça.
O Grêmio, numa escala até maior do que o Internacional, é o único clube do Brasil que constrói um estádio com recursos próprios. Se não tem recursos, está apostando no potencial futuro. É o que está ocorrendo.
O Grêmio tinha uma propriedade no Moinhos de Vento. Era do Grêmio.
Para vir para o Olímpico, na Azenha, teve de comprar uma área. Para se mudar para a Arena, também. Não recebeu terreno nenhum do poder público. Não ganhamos nem a área de entorno da Arena. Eu fui lá na inauguração e já deveria ter obras, terminando este entorno no bairro Humaitá.
Cabe ao Grêmio pagar a Arena. Como o Grêmio vai quitar a dívida é uma tarefa aos que vão administrar o clube. Vamos buscar recursos para pagar. A Arena não é nossa. Vamos levar 20 anos pagando.
Pelas projeções, a partir do quarto, quinto ano, o novo estádio poderá dar resultados melhores. Não temos nenhuma área ocupada comercialmente ainda. Entregamos o Olímpico, fomos para a Arena. Vamos pagar o preço, não tem ninguém que tenha esta dívida entre os clubes do futebol brasileiro. Ninguém fez isto no Brasil. Se fosse tão fácil, os outros fariam. Não fizeram."
O CLUBE PARTE DO ZERO
"O Internacional acabou fazendo um negócio, não conheço os detalhes, mas o clube está ganhando pelo acréscimo sobre o patrimônio dele. Ao contrário de nós, que partimos de zero na Arena. Tudo que for acrescido no Beira-Rio, o Internacional divide o que lá está. Tudo que for acrescido, melhorado, é dele, integral.
Nós estamos comprando espaço na Arena. Pagamos R$ 20 milhões para cumprir compromissos com os associados. Aqueles espaços destinados aos sócios nós pagamos. Este retorno nós não temos. Vamos procurar o retorno como? Aumentando o preço?
O que existe é uma preocupação que a Arena se elitize, que é um processo que ocorreu na Inglaterra em anos recentes. Os espaços que eram destinados aos espectadores que assistiam aos jogos em pé foram ocupados por placas de publicidade, em negócios feitos com a televisão.
O pobre ficou fora do futebol inglês. Nós estamos trazendo um projeto que vamos desenvolver no sentido de criar arenas virtuais. Levar a Arena para o Interior, reunir torcedores em determinados locais para que possam acompanhar jogos do time.
A Arena implicou, por parte do Grêmio, busca de recursos para construí-la. O financiamento tem que ser pago. Ele é resultado de um empresa criada pelo Grêmio, que se associou à OAS para a construção do estádio. O Grêmio fica com 65% da receita líquida, e os outros 35% são da construtora.
Em resumo, é este o negócio. O Grêmio entregou o Olímpico e foi para a Arena. As receitas da Arena são decorrentes da sua ocupação em dias de jogos e da exploração comercial do prédio do estádio. O Grêmio não tem nada a ver com a área externa. O complexo imobiliário não é do Grêmio, nem o do Olímpico será."
CONFIANÇA GREMISTA
"A área correspondente a R$ 20 milhões, que foi comprada pelo Grêmio na Arena, para o quadro social. Era uma receita que estava no Olímpico e passou para a Arena. De onde tirar os novos recursos? Com o tempo, você vai tirar, à medida que a Arena for ocupada, ela vai se tornar mais rentável. Nós precisamos cuidar para que a Arena tenha ocupação do torcedor que frequenta o Olímpico e não perca os torcedores da Arena em razão dos preços. Eu não vejo como atingirmos as metas que foram divulgadas num prazo de seis a oito anos. Não há como. Mas é uma obra que orgulha todos nós, principalmente por ela ter sido feita numa aposta do Grêmio no potencial do seu torcedor.
Como o presidente Hélio Dourado foi buscar recurso no Interior, que acreditou que pudesse construir o Olímpico, a atual aposta também tem seus custos.
A OAS, empresa associada ao Grêmio, está vinculada, como o Grêmio, óbvio, aos resultados de campo. Não adianta ter aquele equipamento todo se não tiver time para encher o estádio e não participar das fases finais das competições.
Este ano, nós teremos os clubes classificados na Libertadores já nas oitavas de final da Copa do Brasil, competição que tem público pela características das partidas. O Brasileirão deste ano se tornou enfadonho porque, a partir de outubro, já tinha o campeão. Depois, se disputou o segundo e terceiro lugares, Libertadores, mas sem o atrativo de uma competição de mata-mata."
CLIMA DE LIBERTADORES
"Nós teremos a Copa Libertadores da América no começo do ano que vem. Evidentemente que nós vamos fazer uma aposta e temos a esperança que podemos chegar o mais longe possível, com o título. Será uma competição extremamente difícil, também em razão do Grêmio não ter se classificado na fase de grupos. Não se deu a devida importância ao resultado do Gre-Nal. Tivemos prejuízos não só financeiros como técnicos. O time poderia ter uma pré-temporada de 35 dias. Vai ter uma bem mais curta, precisará ainda dividir as férias dos jogadores no meio da temporada. Foi um prejuízo que eu levei três dias para absorver.
Há 15 dias, almocei com o Vanderlei Luxemburgo e falamos muito sobre o torneio.
"Disse que é preciso criar um clima de Libertadores, uma sinergia entre direção, atletas e torcida. Se o clima não for criado, não é uma Libertadores real. E para criar o clima, eu, ele e o Rui Costa vamos ao sorteio no Paraguai. É para que o torcedor veja que nós já estamos vivendo a Libertadores, para que ele se engaje desde já. Nós ganhamos duas Libertadores assim. Criamos uma sinergia entre a equipe e a torcida, que às vezes se levantava antes do gol. Parece que ela previa. O Luxemburgo falou que, quando enfrentava o Grêmio pela Libertadores, não dormia um dia antes. Eu disse ao Luxemburgo que nós temos que renovar este clima. Na Libertadores, é preciso prevalecer o aspecto local. Este clima favorável nós queremos criar."
CONTRATAR TITULARES
"A prioridade no futebol é contratar três a quatro jogadores com potencial de titular. O Grêmio tem uma estrutura razoável de time de futebol. E é difícil buscar grandes reforços, seja no Brasil ou no Exterior.
Eu pergunto: onde encontrar uma dupla de atacantes melhor do que Kleber e Marcelo Moreno? É difícil, muito difícil.
Onde encontrar jogadores superiores a Elano, Zé Roberto e Fernando, todos com passagem pela Seleção Brasilera? É difícil.
Nós temos a zaga menos vazada do Brasileirão (ao lado do campeão Fluminense), apesar de todas as críticas que o setor sofreu. Dois jogadores da zaga estão em ascensão, Werley e Naldo. O Luxemburgo gosta muito deles. Estamos adiantado na negociação com o Souza. É uma negociação onerosa. Mas é um investimento que vale, um jogador 23 anos e que deu uma resposta muito positiva na temporada.
Precisamos contratar o Pará junto ao Santos. Voltando ao Naldo. O Grêmio não exerceu o direito de compra do zagueiro no prazo devido e agora estão pedindo mais de três vezes o preço do valor original. E para piorar, apareceram concorrentes europeus, como a Udinese (que acertou com Naldo depois da entrevista) e a Juventus.
Apesar dos problemas, eu estou com o mesmo entusiasmo de outros tempos. E levo comigo uma maneira de viver intensamente as emoções, todas elas, todos os dias. Estou realmente emocionado com o Grêmio, ainda que reconheço uma tarefa difícil, mas, com a ajuda do torcedor, nós vamos chegar lá, sim."
CATEGORIAS DE BASE
"Os jogadores dos clubes brasileiros estão todos fatiados pelos ditos empresários, que põem e levam os atletas em qualquer lugar. Não ajudam no salário, o patrimônio deles cresce, e eles levam embora. São especuladores.
Eles não deixam parcela dos jogadores para investir nas categorias de base do próprio clube. Isto foi matéria de uma conversa informal que eu tive com o presidente Lula, quando ele ainda estava em Brasília, sobre uma emenda da Lei Pelé. Não é meramente semântica a diferença entre investidor e especulador.
Investidor é aquele que acredita no clube e deixa lá parte dos seus investimentos. Especulador é o que coloca o jogador na vitrina, depois pega o atleta pronto e vai embora. Seria preciso rever o conceito do investidor no futebol. O clube teria de reter parcela do lucro obtido para a formação de atletas. Eles não estão interessados nessa contrapartida para a equação dos problemas financeiros dos clubes. Nós estávamos propondo que os clubes de futebol não comprometam mais do que 55% ou 60% da receita total com o departamento de futebol. É o que está ocorrendo na Uefa agora. O fair-play financeiro da Europa vai chegar ao Brasil. Os clubes precisam gastar dentro do seus limites."
Confira o vídeo da entrevista com o Fábio Koff: