Obra sem salto alto
A arquiteta Diana Oliveira era ainda mais sorridente antes de aportar nas obras de renovação do Beira-Rio. Leve e bem-humorada, a morena de 1m75cm de altura logo se enturmou entre peões, funcionários, técnicos e engenheiros e então, prudentemente, tratou de reduzir o tamanho do sorriso.
_ Fiquei um pouco mais general, as relações seguiram mais focadas e tranquilas _ diz a arquiteta.
Não que fosse desrespeitada, mas algumas determinações não eram exatamente levadas a sério. Como se veladamente questionassem: o que essa guria de pouco mais de 30 anos, olhos castanhos e expressivos, sobrancelhas bem desenhadas e cabelos longos sabe de futebol e de arquibancada de estádio?
_ Não dou bola para o machismo. Sei dar cotovelada de leve em quem mistura as coisas _ conta.
Por isso, na hora de gerenciar a obra, lá está a Diana mandando aqui e ali e se impondo ao natural, querendo saber dos relatórios de trabalho, da cronologia, dos andamentos gerais.
_ Há o momento em que é necessário sujar os pés _ explica.
Sujar os pés significa fiscalizar detalhes em canteiros de obras. De tanto frequentar construções no Beira-Rio e as do escritório particular, detonou dezenas de sandálias. Para quem dançou balé durante oito anos esse é um ponto importante:
_ Costumo usar uma botinha guerreiraça, estilo cowboy. Dá conta do trabalho.
Sua revolta é com relação ao capacete. Segundo sua teoria, cai sempre, não serve para nada, apesar de defender seu uso obrigatório. Há outro detalhe: se tiver de colocar protetor solar, a primeira vítima é a maquiagem.
Não é raro arquiteta tocar obra. O ingrediente novo é a mulher jovem assumir um cargo de comando na construção de um estádio, transformar-se em diretora de patrimônio do clube e, mais recentemente, ser conduzida a segunda vice-presidente do Inter.
Tudo começou assim: em2007, Diana venceu um concurso de contos realizado pelo Blog Vermelho, ficou conhecida entre os torcedores (ela própria nascida em família de colorados de Santa Cruz do Sul), cresceu dentro de um grupo político (o antigo Internet/BV) e foi eleita conselheira em 2008. Passou a participar ativamente nas reuniões do Conselho e chamou a atenção pelas intervenções pertinentes sobre a remodelagem do Beira-Rio.
Esse conhecimento, ela adquiriu em suas viagens pelas maiores arenas da Europa, um período sabático logo após a formatura na UFRGS.
Acabou convidada para a comissão de obras e, hoje, após a reeleição de Giovanni Luigi, foi alçada à segunda vice-presidência do clube.
Na verdade, Diana permanece, em média, somente uma hora e meia por dia no Beira-Rio. O restante do tempo é tomado pelos projetos de seu escritório particular, que mantém com o irmão, Eduardo Oliveira.
No estádio, Diana não tem sala. Transita entre o gabinete da presidência e os redutos dos engenheiros. Chama isso de "comando compartilhado", ou seja, uma sequência de reuniões quase que diárias com um grupo de executivos à frente do projeto Gigante para Sempre. Há também encontros seguidos com diretores da Sociedade de Propósito Específico (SPE), da empreiteira Andrade Gutierrez e construtores diversos. Além disso, procura investidores. Tanta afluência assim, Diana incorporou em 11 anos de profissão.
_ No Inter, eu mais avalio e comando o que os outros tocam. Não chego a tocar obras _ diz ela.
Mesmo assim, quando chega ao Beira-Rio, é cumprimentada pelos peões:
_ E aí, doutora Diana, e o nosso Inter?
_ Vou descontar salário de quem não torcer para o nosso time...
Grama com grife
Luiz Zini Pires
luiz.zini@zerohora.com.br
Pergunte a Maristela Gonzalez Kuhn, uma engenheira agrônoma uruguaianense, 45 anos, sangue alemão e espanhol lutando nas veias, o que ela mais preza num estádio de futebol, do interior gaúcho aos nordeste brasileiro, da Europa rica a bem mais fria:
_ O gramado _ ela diz.
E o que ela mais detesta:
_ O carrinho.
Maristela trabalha com futebol, mas a bola não corre naturalmente na sua televisão nos curtos finais de semana. Ela tem calafrios quando vê um zagueiro com chuteiras de travas altas rasgando metros e metros de grama, da "sua grama", da grama que ela ajudou a tratar como se fosse o tapete verde de um hotel de seis estrelas.
_ Meu filho Martín, de oito anos, se liga nas partidas. Eu passo os olhos rapidamente para ver como estão os meus gramados. Espio e saio logo - conta.
Ela cuida do Olímpico, do Beira-Rio, da Arena e dos campos de jogo do Avaí, Criciúma, Palmeiras, Sport e das outras 11 praças aptas a abraçar a Copa do Mundo de 2014. Como consultora especial da Fifa e com um crachá capaz de fazer tremer o staff do Comitê Organizador Local (COL), a gaúcha ajudou a desenvolver um caderno de encargos para cada um dos estádios do Mundial, cada um com 120 páginas.
_ Eu preciso saber se o solo foi tratado, se a grama foi refrigerada antes de ganhar o solo ou se o corte está mesmo na altura exata de 18 milímetros ou de 16 milímetros. A Fifa é superexigente. O estádio não é a atração principal do jogo. A estrela é a grama, só o gramado permanece 90 minutos grudado na tela da TV, seja na América do Sul ou na Europa, na China ou na África. O gramado é o palco dos craques mundiais.
Maristela acabou com a era do micro trator Tobata nos maiores estádios gaúchos, com o adubo de fundo de quintal e com o corte irregular de navalhas sem fio.
_ Quando ninguém pensava em grama por aqui, eu já estava mergulhada no tema na UFRGS. Estudei na Alemanha, fiz doutorado na PUC, pesquisei nos Estados Unidos, busquei especialistas em Londres. Quando conheci os estudiosos da Fifa no assunto, notei que eram os mesmos que escreveram os livros que eu havia me debruçado nos anos 1990. Na viagem seguinte, levei meus livrinhos, todos gastos, marcados a lápis, e pedi autógrafos aos professores. Fiquei emocionada - relata.
Maristela trata os estádios do Grêmio e do Inter, referências em qualidade de gramado, com o mesmo carinho e dedicação. Não vê cor, nem paixão. Só trabalho:
_ São meus cartões de visita. Corro o país, faço viagens intercontinentais, mas quando quero apresentar o meu trabalho, as casas da Dupla chegam em primeiro lugar.
A engenheira agrônoma não encontrou padrinhos na carreira de duas décadas. Seu dia ativo tem 14 horas e começa com os primeiros raios de sol. Hoje, vive parte da semana no ar, se informa e pesquisa em poltronas dos jatos entre Porto Alegre e Belo Horizonte, São Paulo e Fortaleza, Florianópolis e Recife, agarrada ao seu iPad. Recentemente visitou 95 Centros de Treinamentos de Seleções (CTS), que abrigarão as equipes classificadas para a Copa. Ainda precisa cuidar de campos de golfe e de polo no interior paulista. Sua rotina não a deixa quieta.
_ Me sinto uma pioneira. Hoje o gramado é parte decisiva de um espetáculo de futebol. Cuida: nas transmissões, tevê ou rádio, a primeira frase sempre é dedicada ao gramado - ruim, bom, ótimo. Não era assim até recentemente. Eu fico feliz quando alguém diz que a "minha grama" ajudou o jogador a desfilar todas as suas qualidades num belo domingo - orgulha-se.
O sétimo dia é de futebol e de descanso. Para Maristela, nem tanto, pois é hora de arrumar a mala outra, pegar o último jato e começar a segunda-feira num estádio, rezando para que um carrinho assassino não tenha liquidado o "seu gramado".