Campo Bom, no Vale do Sinos, sedia há quase três décadas um grande clássico do futebol de botão. São milhares de partidas disputadas desde a infância pelo programador Daniel Krug, 39 anos, e seu irmão, o industriário Flávio Krug, 36 anos. A dupla, que faz questão de escalar nos times botões que usavam nos dias de meninice, integra uma geração de brasileiros que mantém vivas as emoções de remotos Dias das Crianças por meio dos jogos e brinquedos que marcaram sua infância. A indústria detectou o fenômeno e aproveita o saudosismo para recolocar nas lojas produtos que fizeram sucesso 30 ou 40 anos atrás.
Os irmãos Daniel (D) e Flávio reúnem-se a cada duas semanas para clássicos familiares de futebol de botão
Foto: Arquivo pessoal
Essa ludonostalgia envolve trenzinhos movidos à pilha, uma infinidade de jogos de tabuleiro e videogames do tempo em que a informática ainda engatinhava. No caso dos irmãos Krug, é o futebol de mesa que garante a conexão com o passado. Depois de tantos anos, pouca coisa mudou na rotina de competições. Flávio e Daniel se reúnem a cada duas ou três semanas para campeonatos.
- Quando nos juntamos para jogar, ficamos lembrando momentos da infância. Naquela época, reuníamos os amigos todo sábado para um campeonato. Quem ganhasse, ficava com a taça por uma semana. Tínhamos um caderno onde anotávamos os resultados dos jogos, quem foi campeão e quem foi o goleador. Agora, uso um software que criei e que nos fornece os rankings. Meu irmão está na liderança. Por enquanto - conta Daniel.
Flávio confirma sua supremacia: nos clássicos familiares:
- No tempo de criança era mais parelho. Mas agora sou o melhor.
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Um santuário de jogos dentro de casa
Na Capital, o analista de relações internacionais Bruno Celidonio, 32 anos, transformou sua casa em um santuário dos jogos que fizeram a alegria de uma geração de crianças. Muitos são originais, como o Cai-Não-Cai, que envolvia varetas e bolinhas. Celidonio costuma reunir os amigos para jogos de tabuleiro, como War ou Detetive.
- Guardo tudo com jeito, para não estragar. Esses jogos são meu xodó. Uma parte do encanto é o saudosismo. A outra é que são jogos divertidos para reunir a família e os amigos - conta.
O advogado de Novo Hamburgo Henrique Abel, 31 anos, é um assumido retrogamer - termo que define os adeptos dos videogames do passado.
Abel tem uma coleção de games em casa
Foto: Miro de Souza, Agência RBS
A paixão começou com um Atari ganho na infância. Hoje, Abel revive as alegrias de menino empunhando os joysticks diante de uma variada coleção de consoles, alguns com 20 ou 25 anos de muito uso. Todos estão em perfeito funcionamento, exceto pela dificuldade de encaixe dos cartuchos em um aparelho Nintendo antediluviano. O advogado alterna o uso de suas preciosidades com aparelhos modernos:
- Comparada com a de hoje, a tecnologia de antigamente era bastante tosca, mas existe uma relação afetiva com esses jogos, uma vontade de recuperar o prazer de quando tu tinhas seis ou sete anos - afirma.
Bar explora a tendência
Uma das 120 relíquias mantidas pelo empresário Tiago Faccio, 33 anos, é um videogame Odyssey que se jogava afixando na tela da televisão um plástico com os cenários dos jogos. Faccio já recebeu proposta de R$ 15 mil pelo console, que saiu da fábrica em 1972. Não aceitou.
Em agosto, ele transformou o acervo em negócio, criando com um sócio, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, um bar voltado ao culto dos brinquedos que fizeram a cabeça de sua geração. Um dos maiores sucessos é o Terremoto, clássico dos anos 1980, que Faccio teve de buscar na Argentina, onde ainda é comercializado e se chama Jenga.
No Woodoo Lounge Bar, adultos também brincam como crianças com velhos jogos de tabuleiro ou videogames com 30 anos de rodagem.
- O envolvimento é forte porque esses jogos formaram toda uma geração. Quando me mudei para os Estados Unidos, aos 19 anos, fui para lá com o inglês que aprendi no videogame - explica Faccio.
Videogames antigos fazem parte de acervo do bar
Foto: Jean Schwarz, Agência RBS
A ideia de criar um bar temático para celebrar esse sentimento foi surgindo nos churrascos de fim de semana da agência de publicidade de Faccio. Nesses eventos, os participantes tinham a oportunidade de um reencontro com os brinquedos do passado.
- As pessoas piravam muito no lance. Hoje, como abrimos o bar à tarde para coworking, há adultos que aparecem com os filhos, para mostrar a eles com o que jogavam - conta Faccio.
Um momento retrô
Em 2012, visitar as lojas especializadas à procura de um presente de Dia das Crianças foi, para os pais, como abrir o baú de brinquedos da própria infância. Sintonizada com a onda saudosista, a indústria aproveitou para recolocar velhos hits nas prateleiras.
Tome-se como exemplo a Brinquedos Estrela, uma das maiores do setor, que espanou o pó das antigas fôrmas para relançar o Genius - dentro da mesma embalagem de 1980. Considerado o primeiro jogo eletrônico do país, "o computador que brinca" já está em falta. A expectativa é de 100 mil unidades vendidas neste ano.
A empresa também relançou recentemente clássicos como o Boca Rica (1984), uma versão com realidade aumentada do Pula Pirata (1976) e, para uma promoção especial, o Aquaplay (anos 1970). Segundo o diretor de marketing, Aires Leal Fernandes, os brinquedos eram reivindicados por adultos que os tiveram no passado.
- O oxigênio do negócio de brinquedos é a novidade. Mas nos últimos tempos fizemos vários relançamentos por causa da quantidade de pedidos. Quando esses produtos são relançados, percebemos que os adultos se transformam em nossos embaixadores. São brinquedos que fazem eles se lembrarem da melhor fase da vida, então querem mostrá-los aos filhos e brincar com eles - diz Fernandes.
Um marco dessa fase retrô deu-se em 2010, quando a Estrela reintroduziu o Ferrorama. Uma comunidade com 3 mil integrantes havia surgido no Orkut para exigir a volta do brinquedo. A empresa concordou, mas impôs como condição que os fãs do trenzinho fizessem-no percorrer sem parar os últimos 20 quilômetros do Caminho de Santiago, na Espanha. Para isso, poderiam usar apenas 110 metros de trilhos desmontáveis. A missão foi cumprida, mas quando a empresa repôs no mercado uma versão do Ferrorama que incorporava novidades tecnológicas, como variados controles de velocidades, o clube da saudade protestou. A saída foi relançar uma segunda versão, idêntica ao modelo de 1980.
A tendência ao revival também ocorre em uma área que costuma ser sedenta por novidades: a dos videogames. Nos últimos anos, têm sido relançadas versões de consoles Atari que foram ícones da geração que cresceu nos anos 1970 e 1980. Quem não faz questão do joystick também pode voltar aos bons tempos: os jogos de videogame que décadas atrás fizeram sucesso na forma de cartuchos podem ser baixados e jogados hoje em tablets. Para os mais puristas, existe até a chave para a opção em preto e branco.
Confira os brinquedos preferidos dos leitores de ZH:
1º lugar - Banco imobiliário
2º lugar - Genius
4º lugar - Detetive
5º lugar - Ferrorama
Saudosismo minimalista
3º lugar - Atari
André Pase | multiplayer@zerohora.com.br
Jogos bons não envelhecem, resistem ao tempo e ficam na memória. Por trás de uma simples nostalgia, reside o apreço por jogos que podem não ter gráficos e sons avançados, mas unem ideias simples com desafios, alguns mais difíceis que os atuais jogos.
No Exterior, o comércio de itens usados movimenta lojas e sites de leilão. Aqui, o bom momento econômico permite reconstruir o passado da maneira correta, mesmo através de um comércio inexpressivo. A cada relíquia recuperada, lembranças forjadas por itens piratas são substituídas por produtos originais, com seus manuais e caixas cheias de desenhos que os atuais lançamentos mostram apenas em arquivos digitais.