Um olhar diferenciado sobre costumes e peculiaridades gaúchos é a proposta da série Beleza Interior, que vai percorrer um destino diferente do Rio Grande do Sul todos os sábados de 2011. A cidade retratada hoje é Lagoa dos Três Cantos, onde a população capitulou na disputa contra a balança.
Lagoa dos Três Cantos, situada no Planalto Médio, a 277 quilômetros da capital gaúcha, ficou conhecida como a cidade mais obesa do Brasil em 2001, em pesquisa da Organização Mundial da Saúde.
60% dos moradores estavam acima do peso e fugiam da balança.
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A partir de convênio da Prefeitura com o Hospital Santa Casa de Misericórdia, houve uma dieta coletiva que durou até 2004. O programa de reeducação alimentar utilizou o telefone e a internet (www.emagrecendo.com.br) para monitorar pacientes. Os alimentos foram transformados em números. As mulheres não poderiam ultrapassar 330 pontos por dia, os homens estavam restritos a 450 pontos. As refeições ganharam reforço de matemática. A calculadora tomou o lugar de honra do guardanapo. Um copo de cerveja valia 33 pontos, um bife à parmegiana correspondia a 185 pontos.
A população bem que tentou, chegou a emagrecer quatro toneladas, a média decresceu de 82 para 75 quilos, mas no fim a comunidade sucumbiu à terrível tentação: as cucas deliciosas do Borghetti.
O italiano Ivaldo Fioravante Borghetti, 70 anos, é o vilão do regime da pequena localidade alemã. Ninguém resiste às suas massas caseiras, recheadas de morango, framboesa, uva, tangerina, coco, chocolate e doce de leite.
- O regime é propaganda para a comida. Controlando as calorias, sentimos saudade da liberdade da infância - teoriza.
Ele é o Anticristo dos anoréxicos e dos bulímicos, o inimigo número 1 do colesterol. O perfume de sua padaria na Avenida Otto Radtke tonteia os passantes e vicia os vizinhos.
- A cuca de Borghetti é uma arma irresistível de açúcar. Se uma fatia da cuca equivale a 89 pontos e é impossível comer uma só, não dava para segurar mesmo a cota - explica a funcionária pública Georgia Walker, 38 anos.
- Ele arruinou nossas pretensões de magreza. Eu inicio e termino o expediente comendo cuca. Não consigo parar - expõe Cláudia Regina Schmidt, 32 anos.
A desculpa de Ivaldo para a expressiva venda é o grande número de turistas consumidores.
- Já mandei produto por sedex para Mato Grosso. Atendo muito pedido de fora - defende.
- Me engana que eu gosto, nós é que comemos demais - desmente a agricultora Rejane Freis, 42, que sofreu o efeito sanfona dos conterrâneos, emagreceu 36 quilos e voltou a engordar tudo de novo.
Ivaldo não tem o que explicar. Sua padaria vende 1,6 mil cucas por semana, exatamente o mesmo número de habitantes de Lagoa dos Três Cantos. Durante março, abril e dezembro, períodos festivos, a fabricação dobra para 3 mil unidades.
Não existe toalha de mesa que não conheça os farelos de seus confeitos.
A mulher, Lairdes, 63 anos, a responsável pela famosa receita do doce, também ganhou seis quilos. Nem ela escapou do feitiço:
- Nosso problema é que comemos ligeiro, e nunca é o suficiente.
A filha de Ivaldo, Claudete, 45 anos, acha que o sobrepeso é resultado da interminável vocação festiva.
- Todo final de semana tem festa. Ou é bolão ou é bocha ou é futebol ou é galeto de Igreja ou é churrasco de escola - afirma.
O padeiro encolhe os ombros alegando que não tem nada a ver com a gula do município.
- Não tenho culpa se o pecado é bom. O inferno é o céu da boca.