Aos 32 anos, Rafaela Silva foi aos Jogos Olímpicos de Paris 2024 como uma nova garota. Não a mesma que morava na Cidade de Deus, favela da zona oeste do Rio de Janeiro, e começou no judô aos oito anos. Mas a que sonha com o topo após ter enfrentado uma suspensão e já ter iniciado um recomeço.
Foi em 2019, após conquistar a medalha de ouro no Pan-Americano de Lima, que veio a queda. O antidoping apontou presença de uma substância broncodilatadora proibida. Ela justificou que teve contato com uma criança que tratava asma. Não foi suficiente para ter de volta a conquista. Além disso, a judoca teve suspensão de dois anos.
A volta foi em 2022, com novo título no Mundial, no Usbequistão. Um ano depois, no Pan de Santiago, a judoca recuperou a medalha de ouro que havia perdido. Ouro no Rio 2016, ela entrou mais uma vez para a história do esporte, agora como primeira atleta da modalidade a ser campeã olímpica, mundial e pan-americana.
COMEÇO PARA DEIXAR DE "BRIGAR NA RUA"
Rafaela era apaixonada por futebol quando criança e jogava peladas com meninos. Na rua, porém, a menina arrumava confusões. O pai Luiz Carlos Silva acreditou que colocar a filha no judô seria a solução. Aos 8 anos, ela foi uma das primeiras alunas do que virou o Instituto Reação, fundado pelo ex-judoca Flávio Canto. Hoje cerca de 4 mil crianças são atendidas em 12 polos distribuídos em seis Estados brasileiros.
Dali, Rafaela saiu para ser campeã mundial sub-20 com 16 anos. Já na categoria adulta até 57kg conquistou a prata, no Mundial de 2011, justamente em Paris, onde agora tem a chance de abrilhantar ainda mais o seu retorno.
O primeiro ouro mundial veio em casa, em 2013, no Rio de Janeiro. A carioca tinha 21 anos e venceu a americana Marti Malloy na final com ippon. Ela foi, na época, a primeira brasileira campeã mundial.
R$ 11 MIL EM INGRESSOS PARA AMIGOS E FAMILIARES
A primeira participação da judoca em Jogos Olímpicos foi em Londres 2012. O desempenho foi ruim, com uma eliminação na segunda rodada após aplicar um golpe irregular. Nas redes sociais, mensagens racistas e outras ofensas foram endereçadas a Rafaela. A resposta de verdade veio quatro anos depois, quando, novamente no Rio, ela conquistou a primeira medalha de ouro do Brasil naquela edição de Jogos Olímpicos.
O apoio foi fundamental na conquista no Rio 2016. Por isso, ela mesma bancou ingressos para pessoas próximas. O Time Brasil lhe deu duas entradas para a sessão da manhã e mais duas para tarde. A irmã Raquel, que também é judoca, foi com o credenciamento da Confederação Brasileira de Judô (CBJ). Os ingressos cortesia foram para o cunhado e para a sobrinha.
Mas faltava mais gente. A atleta comprou 15 entradas para a sessão da manhã. Cada uma era R$ 250. Assim, puderam ir também os pais de Rafaela, amigos do Instituto Reação e cinco atletas auxiliaram nos treinos da seleção brasileira de judô. Para tarde, nas semifinais e final, era R$ 700 cada. A judoca bancou mais 11, ainda antes de ter se classificado. Convidar todo mundo custou R$ 11 mil. Na época, Rafaela falou que "recuperou" com o prêmio do Comitê Olímpico do Brasil (COB).
COMO RAFAELA SILVA CHEGOU A PARIS 2024
A judoca não pôde disputar o Mundial de Abu Dhabi, neste ano, para ter mais tempo de preparação para os Jogos. Ela garantiu a quarta posição no ranking mundial da sua categoria, o que lhe coloca como cabeça de chave.
A canadense Christa Deguchi lidera. Ela foi campeã mundial em 2019 e 2023, e medalhista de prata no Mundial deste ano. Nos Jogos de Paris, passou por Maysa Paradayeva, do Turcomenistão, Eteri Liparteliani, da Geórgia, mas parou em Mimi Hum, da Coreia do Sul, nas semifinais.
Na luta pelo bronze olímpico, ainda na segunda (29), enfrentou a japonesa Haruka Funakubo e voltou a perder. Com isso, despediu-se de Paris sem medalhas.