Pouco mais de 46 segundos foi o que demorou para Alison dos Santos se tornar um dos maiores nomes da história do esporte brasileiro. Foi com o tempo de 46s72 que conquistou o bronze nos 400m com barreiras na Olimpíada de Tóquio em 2021 e com 46s29 que, em Eugene, nos Estados Unidos, neste ano, se tornou o primeiro homem brasileiro a ser campeão mundial de atletismo - se igualando a apenas Fabiana Murer na história. O feito de Piu, como é conhecido, um paulista de 22 anos, é apenas um dos daqueles que a nova geração do atletismo brasileiro promete para os próximos anos.
Em meio a treinamentos, competições e entrevistas, Alison atendeu GZH direto de Birmingham, na Inglaterra, onde se prepara para a etapa de Bruxelas, na Bélgica, da Diamond League, uma das competições mais importantes do atletismo mundial, que começa no dia 2 de setembro. Com a sua tradicional irreverência, concedeu uma entrevista de 20 minutos, em que falou sobre ser o homem a ser batido na sua prova, sobre o momento do atletismo brasileiro e também sobre o seu maior sonho na carreira. Confira:
Como tá esse sentimento de ser campeão mundial e de ter vencido todas as provas que tu correu neste ano nos 400m com barreiras?
Tá interessante. Isso virou novidade para a gente. A gente tava acostumado a correr rápido, de fazer um resultado incrível, mas era segundo ou terceiro. Agora estamos ganhando as competições. Ser o cara a ser batido, ser o alvo de todo mundo é algo interessante, mas quando você vai para o treino, quando vai para a academia, você tem de fazer 10 repetições, mas na oitava, nona, você quer parar, mas pensa em fazer a 10ª para manter. Aí você lembra que seu adversário quer ganhar de você e está fazendo 11 então eu penso em fazer 12. É continuar trabalhando, não deixar a peteca cair, pois sou o homem a ser batido. Se eu continuar trabalhando, a gente sabe o que pode acontecer.
Especialmente, na corrida em Eugene, tu teve muita vantagem sobre teus principais adversários, o (Rai) Benjamin e o (Karsten) Warholm. Tu foi muito regular na temporada e eles tiveram lesões, mas todos seguiam sendo favoritos. Como foi bater eles em uma prova que tu tava na tua plena forma?
Foi muito bom ganhar a prova. Foi maravilhoso poder ser campeão mundial com eles participando, com eles correndo com a gente. Acaba sendo triste o que eles acabaram passando na temporada, mas fiquei feliz de ver eles. Eles não conseguiram se preparar 100%, mas se estavam lá era porque tinham capacidade de fazer um bom resultado. Depois de um certo nível, você não se apresenta sem condicionamento físico de fazer um bom resultado. A gente sabia que eles iam correr bem, que poderiam fazer um resultado bom. Só que a gente estava confiante, muito confiante. Eu sabia o que eu tinha ido fazer lá.
Ano que vem, esse é o nosso objetivo, correr na casa dos 45s
ALISON DOS SANTOS
sobre a meta para a próxima temporada
E quando tu vai correr na casa dos 45 segundos? Na entrevista depois do título mundial, tu deu uma entrevista para o Sportv e tu falou que não era "se" tu ia correr nesse tempo, mas sim "quando" tu vai correr.
Essa é uma boa pergunta. Eu me faço ela todo dia agora. Todo dia. Estou sonhando com isso todos os dias. Na temporada agora não prometo nada, não prometo que vamos correr 45s na final da Diamond League, se sair, vai ser lindo, mas não é o nosso planejamento. Muito pelo fato de agora a gente não estar treinando como antes, óbvio que estamos treinando forte, estamos focados, intensificando treinos, mas estamos fazendo alguns testes para o ano que vem, de alguns trabalhos, onde a adaptação do corpo é diferente. Não vou estar 100% adaptado com os treinos que eu estou fazendo naquele período. Ano que vem, esse é o nosso objetivo, correr na casa dos 45s, quebrar o recorde mundial, ter o nosso nome no topo do mundo e ganhar o campeonato mundial de novo.
Esse ciclo tem campeonato mundial no ano que vem, Olimpíada em 2024. Como tu está te sentindo nesse começo de caminhada até Paris? Em 2021, tu foi bronze em Tóquio, esse ano, campeão mundial.
Esse ciclo é mais curto e tem tudo. Teve Olimpíada ano passado, Mundial esse ano, tem Mundial em 2023 e depois Olimpíada de novo. A gente tem de ter noção na preparação, temos de ter calma, trabalhar com cuidado, tem de se cuidar muito porque a gente chegou no fio da navalha. A partir de agora, se a gente se lesionar, é uma semana que perdemos, não tem como recuperar, uma semana que a gente fica sem treinar, é uma que ficamos para trás de todo mundo. A gente está muito ansioso para chegar aos Jogos Olímpicos de Paris. Estou muito ansioso para todo mundo chegar de novo em uma final olímpica, todos muito bem, saudáveis, em plena forma. Que todo mundo entre na pista e faça um resultado estrondoso. A energia dos Jogos é diferente, é outro mundo.
Tu tem 22 anos, mas já é considerado um dos maiores nomes do atletismo brasileiro na história. Como é trabalhar com essa responsabilidade?
É fácil. Essa responsabilidade veio do que a gente fez, do resultado que a gente tem até hoje. Esse resultado é só o começo, a gente quer construir muito mais. A gente pega essa responsabilidade como um sinal de que está dando certo. De que agora, o Comitê Olímpico, a Confederação Brasileira de Atletismo, o meu clube, o Pinheiros, meu patrocinador, a Adidas, a Marinha, todo mundo confia na gente. Eles depositam a confiança e a responsabilidade na gente. Se eles estão apostando na gente é porque a gente pode. Eles não apostariam em qualquer um. Isso nos faz entender que estamos no caminho certo, de que todo trabalho que estamos está dando certo e nos dando confiança para os trabalhos futuros. A gente chegou até aqui e sabemos que podemos mais. Quanto mais pessoas estiverem com a gente agregando, melhor vai ser a situação. Estamos no caminho certo. Essa responsabilidade não é como um peso, é um combustível.
Eu entrevistei a Rayssa Leal há algumas semanas e perguntei para ela como fazia para lidar com a pressão e ela me respondeu 'que pressão?'. Como é isso para ti?
Eu estou com ela, faço parte do bonde dela. Pressão 12 por 8, tranquilo. Nada abala. Você pode pegar muito pelas minhas apresentações pré-prova. Eu mostrei estar relaxado, tranquilo, que não tinha pressão nenhuma. Eu posso garantir, eu dentro da pista estava muito mais calmo do que muita gente que estava me assistindo. A gente sabe o que fizemos, digo nós, os atletas. A gente sabe tudo que passou. Chegamos ali, então não tem porque ter pressão. Ficamos tranquilos, bem calmos.
Nas redes sociais, tu acabou ganhando o apelido de Gelado (personagem do filme "Incríveis"), muito por culpa do uniforme e do João Barretto (jornalista), mas também por causa de ser mais frio dentro das pistas?
Com certeza. Encaixou perfeitamente a questão do uniforme e também com essa postura dentro da pista, de ser frio, de chegar na competição e fazer o que tem de fazer. O apelido deu match em todos os sentidos.
Tu tem uma técnica muito diferente de outros competidores, na questão do número de passadas. Como foi trabalhar essa técnica e se sentir mais solto dentro da prova?
O 400m com barreiras a distância é a mesma para todo mundo. Só que aí vem a diversidade, atletas mais altos, mais baixos, mais fortes, mais magros. Isso influencia tudo, a corrida muda muito. Antigamente, quando eu corria com 13 passadas, quando comecei a ficar mais forte, mais rápido, eu me sentia muito esmagado na prova. Eu não conseguia ser mais rápido naquele intervalo. O Felipe (treinador) pedia para eu passar mais rápido no intervalo, eu tentava, mas eu não conseguia porque não tinha espaço para correr. Então, fomos evoluindo ao longo da temporada o meu corpo para me preparar para isso, para correr com 12 passadas e sentir aquela sensação de liberdade. Trazer aquela sensação de correr os 400m rasos nos 400m com barreiras, que é aí que o resultado acaba evoluindo muito rápido.
Aproveitando que tu falou dos 400m rasos, tu correu recentemente essa prova e acabou em segundo. Como é pra ti corre-la?
Eu já chego na pista com uma energia diferente, em relação ao nervosismo e tudo isso. É outra coisa. Eu chego nos 400m rasos como se fosse um treino, estou bem mais tranquilo, sem pensar muito, ao contrário do com barreiras. Eu não consigo pegar aquela paixão por essa prova, de amar a prova. Antes da prova, eu sempre penso "o quê eu estou fazendo aqui?" e depois penso que queria correr de novo e fazer um tempo melhor. Quero pegar uma temporada para fazer uma sequência boa de resultados, encaixar um 43s ou 44s baixo, para quebrar o recorde brasileiro na prova.
Eu posso estar nervoso, mas eu passo a sensação que estou muito tranquilo
ALISON DOS SANTOS
sobre momentos em que vai competir
Tu é um cara bem irreverente, né? No Mundial, dançou com o mascote, nas redes sociais também tá sempre brincando com todo mundo. Isso é uma coisa que tu leva da tua vida?
Com certeza. Fica mais fácil quando você leva para pista o que você é fora dela. Você leva para a pista a sua personalidade. Se você é mais sério, seja sério na pista, não tente mudar. Esse jeito de ser resenha, tranquilo, de brincar, ajuda bastante na prova. Baixa a pressão, o nervosismo, que você nem sente. Eu posso estar nervoso, mas eu passo a sensação que estou muito tranquilo. Isso traz muita confiança no trabalho que você vem fazendo. É muito o jeito de ser.
Em 2018, tu correu 49s78. Em 2022, 46s29. Diminuiu quase quatro segundos. Como foi essa trajetória para baixar tanto o tempo?
Foi muito de confiança e de não se limitar. A gente correu bem em 2018, 2019 melhor ainda, 2020 acabamos não competindo, treinamos muito, quando eu ia competir, peguei covid-19. De 2019 para 2021, a gente evoluiu bastante. Isso porque tivemos dois anos para trabalhar em cima de um resultado, a conta acaba sendo diferente. A gente viu que a prova estava muito forte, todo mundo estava correndo muito rápido e que se a gente quisesse sonhar com uma medalha não dava para só para fazer o trabalho meia boca. Tinha que trabalhar muito, se dedicar bastante e confiar muito no que a gente vinha fazendo. Como estamos fazendo coisas novas, chegamos em um resultado. Antes de Tóquio, a gente tinha uma tabela de resultados, que trabalhávamos em cima, que era para correr 46s78 até setembro. Só que depois de Tóquio, não existe mais essa tabela, porque nós somos a tabela, a gente já passou dela. Tudo que a gente faz é algo novo, estamos inovando. Estamos guiando os 400m com barreiras, eu, Benjamin, Warholm.
Qual teu maior sonho na carreira?
É encerrar a minha carreira como ídolo. Você chegar em uma pessoa que não acompanha esporte e perguntar "sabe quem é Alison dos Santos" e a pessoa responder "aquele atleta que ganhou medalha nos Jogos Olímpicos, que fez tal resultado, que quebrou tal recorde mundial", que você chega em qualquer canto do mundo e a pessoa sabe de quem você está falando, vai saber a história. Quero deixar um legado, mostrar para o pessoal do Brasil, da América do Sul, que nós somos capazes, que nós conseguimos realizar o que a gente quiser, que a gente chegar nos Jogos Olímpicos e brigar não só por medalha, mas por um resultado bem feito, com recordes.
A gente vê uma geração nova no atletismo, não só tu, mas a Letícia Oro que conquistou medalha no Mundial também, pessoal do revezamento, todos jovens. Como você vê o atletismo brasileiro no momento?
Eu vejo que temos atletas jovens, estamos trazendo essa confiança no atletismo. A gente vai chegar em um momento que vamos aprender com quem estava aqui, mas vamos ensinar para eles o que a gente aprendeu. Todo mundo tem o que aprender. A gente está chegando com coisas novas, para dar e receber também. Acho que isso dá uma sensação boa para o esporte, que a gente tem atleta para mais de 2030. A geração de hoje vai estar até 2032 ali de boa correndo, mostrando que podemos seguir performando e dando resultado. Com certeza, a juventude vai vir sem respeitar os mais velhos, para engolir todo mundo que está aqui. Tem de cutucar mesmo, se eles não fizerem, vamos fazer. Com 26 anos, 28 anos, e você vê atleta com 18 anos querendo te passar, você diz calma, mas isso te dá um cutucão e te motiva a correr mais rápido. Isso ajuda bastante.
É o momento de aproveitar as competições e conquistar o que falta que é o troféu da Diamond League
ALISON DOS SANTOS
sobre os próximos passos para 2022
Quais são os próximos passos do Piu em 2022?
Eu tenho Bruxelas, pela Diamond League, no começo do mês. Depois, Zurique, que é a final da Diamond League, a última competição mais forte do ano que vai ter. Depois tem Bellinzona, na Suíça, que é uma competição que vai ser tradicional para mim, que vou fechar a temporada por lá. Agora, é o momento de aproveitar as competições e conquistar o que falta que é o troféu da Diamond League.