Há menos de três meses do maior evento esportivo do mundo, o chefe da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio, Marco Antônio La Porta, conta os detalhes da preparação do país para a Olimpíada de 2020, que será realizada entre 23 de julho e 8 de agosto, no Japão. A pandemia adiou a programação em um ano e mudou expectativas, protocolos e o planejamento do Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Já são mais de 200 atletas brasileiros confirmados, mas o número deve aumentar, pois algumas modalidades não encerraram suas seletivas. E as entradas de surfe e skate prometem turbinar as medalhas do país: o prognóstico do COB, ainda que carregado de incerteza, aponta para entre 15 e 20 pódios — semelhante aos resultados dos dois últimos Jogos. Nesta entrevista, La Porta revela como o Brasil se organizou e o que será feito até o evento começar.
Como o COB projeta a olimpíada dentro das atuais circunstâncias?
Estamos nos preparando com muita dedicação. Há um ano, a gente esperava que o cenário estivesse melhor, porém, infelizmente, não evoluiu. Seguimos com uma preparação intensa, que atende às demandas trazidas pela pandemia, tentando oferecer a melhor estrutura aos nossos atletas.
Quais os protocolos estabelecidos em relação à chegada da delegação ao Japão e à instalação dos atletas?
A covid-19 traz um impacto muito grande. Este é o ciclo olímpico mais desafiador da história. Você ter os atletas no máximo do seu desempenho esportivo diante de tantas incertezas e restrições é, realmente, um desafio gigantesco. Hoje, a gente trabalha com dois cenários. O primeiro é ter a maior parte possível dos atletas vacinados, o que seria o ideal, porque o risco de contaminação, efeito no desempenho e até impossibilidade de ida aos Jogos diminui.
O segundo cenário, sem vacina para os atletas, nos obrigaria a aumentar as medidas de restrição e isolamento. De todo modo, conseguimos manter as nove bases de aclimatação que tínhamos montado no Japão para os atletas chegarem antes. Na verdade, essas bases, que estabelecemos tendo em vista a adaptação ao fuso horário e ao clima, se tornará a própria quarentena obrigatória. A ideia é manter o treinamento para os atletas em meio a esse isolamento.
O quanto o período de quarentena na chegada ao Japão pode afetar a preparação dos atletas?
A quarentena não significa que o atleta ficará dentro do quarto; vamos apenas manter o grupo controlado. Isso envolve testes diários, além das medidas sanitárias padrão. A gente tem uma limitação de entrada na Vila Olímpica sete dias antes da competição, mas vamos tentar entrar lá o mais próximo possível da competição, porque as restrições na Vila serão maiores, inclusive aos treinamentos. Os locais de treino serão abertos apenas cinco dias antes do início dos Jogos. Então, será mais fácil se pudermos mantê-los nas bases de aclimatação, com toda a segurança, do que entrar na Vila com muita antecedência.
O COB cogitou pedir para vacinar os atletas antes de outros grupos da população?
Não. Estabelecemos como diretriz seguir o Plano Nacional de Imunização (PNI) e não solicitamos ao Ministério da Saúde ou a qualquer pessoa uma prioridade. O que temos hoje são ofertas do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do Ministério da Defesa para disponibilizar vacinas aos atletas. Estamos conversando com as entidades para definir o caminho a ser seguido. A partir delas, vamos conversar com o Ministério da Saúde e ver a possibilidade de incluir os atletas no PNI — coisa que outros países já fizeram com antecedência.
Em paralelo, temos alguns atletas que estão treinando no Exterior e estão conseguindo se vacinar nos países em que a imunização está mais avançada, particularmente nos Estados Unidos. A gente está tentando, de uma forma ou outra, seguindo as regras, ter tantos atletas vacinados quanto for possível.
O que a Missão Europa, plano estabelecido pelo COB para manter os atletas em atividade em 2020, trouxe em relação à preparação para os Jogos?
Se teve uma coisa que deu certo e nos ajudou muito foi a Missão Europa. Hoje, vendo algumas competições que foram retomadas e o desempenho dos nossos atletas, não temos dúvida ao afirmar que, se não fosse essa missão, os bons resultados não estariam acontecendo. O handebol masculino, que se classificou agora, passou por Portugal. A esgrima também. O boxe, que está dando resultados, também. A estrutura que conseguimos montar lá para que os atletas pudessem manter os seus treinamentos foi fundamental para que eles estivessem em forma hoje.
E, ao mesmo tempo, conseguimos testar a nossa base para os Jogos de Paris em 2024. Não temos dúvida de que vamos por esse caminho de montar bases pela Europa, particularmente em Portugal, que tem uma rede de centro de treinamentos muito bem elaborada. Agora, na reta final, devemos mandar atletas para uma preparação final na Europa também, em virtude das condições não muito adequadas para treinos no Brasil.
Qual a projeção total de brasileiros classificados para competir em Tóquio?
Já estamos com mais de 200 atletas classificados e, quando se encerrarem todas as classificatórias e os ranqueamentos, o que deve ocorrer em 21 de junho, a gente espera ter entre 250 e 300. O número é muito semelhante ao que tivemos em Londres, em 2012. O Rio de Janeiro 2016 não usamos como parâmetro porque em várias modalidades a gente tinha classificação automática por ser o país-sede. Nosso parâmetro é Londres 2012.
A pandemia, o adiamento para 2021 e os protocolos sanitários fizeram com que o custo para Tóquio 2020 aumentasse?
Por um trabalho bem feito desde que o presidente do COB, Paulo Wanderley, assumiu, em 2017, já estávamos com uma política de austeridade. Isso nos permitiu ter uma boa reserva. Quando estourou a pandemia, utilizamos essa reserva não só para apoiar as confederações, que tinham dificuldades, mas também para possibilitar a Missão Europa. A diminuição do número de competições no período também diminuiu os gastos. O contingenciamento acabou permitindo que praticamente equilibrássemos as contas, mesmo tendo de gastar com os protocolos sanitários: o que a gente gastaria em 2020 vamos gastar em 2021.
A participação feminina nos Jogos aumentou nas últimas edições. Antes de 1996, nenhuma brasileira havia ganhado medalha, e, na edição passada, em 2016, quase 45% da delegação do país foi formada por mulheres. Qual a perspectiva para este ano e como o senhor vê esse aumento?
Vejo esse aumento com muita alegria e espero que a participação cresça ainda mais. Temos investido muito no segmento feminino, inclusive criamos um programa do COB chamado Mulher no Esporte Olímpico, com políticas a serem adotadas. Tínhamos a expectativa de que talvez o número de mulheres pudesse ser maior do que o de homens na delegação. Isso provavelmente não vai acontecer porque o basquete feminino, que esperávamos que fosse a Tóquio, não conseguiu a vaga, e o handebol masculino, que estava praticamente fora após os Jogos Pan-Americanos, se classificou.
Mas, se você pegar os nossos favoritos, as nossas chances de medalha hoje, temos Beatriz Ferreira no boxe, Pâmela Rosa no skate, Ana Marcela na maratona aquática, Martine e Kahena na vela, nossas duas duplas de vôlei de praia, o futebol feminino, a ginástica, o judô. O que pode ocorrer é termos um número maior de medalhistas mulheres do que homens.
Os atletas ficam, de um lado, focados no sonho deles, de outro, preocupados com o país e os familiares. Mas entendem que o esporte, com a Olimpíada, tem a capacidade de passar uma mensagem de esperança.
MARCO ANTÔNIO LA PORTA
chefe da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio
Qual o sentimento dos atletas em relação à pandemia e qual a expectativa deles com a aproximação dos Jogos?
Nós estamos falando da profissão dos atletas, mas também do grande sonho deles, que é estar na Olimpíada. Ao mesmo tempo em que trabalham durante quatro anos para buscar esse sonho, relatam uma preocupação: "Poxa, estou aqui treinando, mas a situação não está boa no país, há muitas pessoas morrendo". Então, eles ficam nessa dicotomia, de um lado focados no sonho deles, na preparação, e de outro preocupados com a situação do país e dos próprios familiares deles.
Temos tentado conversar muito com todos os atletas, colocamos toda a área de psicologia do COB à disposição deles desde o ano passado, e isso tem funcionado bem. Eles conseguem colocar isso um pouquinho de lado no treino, para focar a preparação. Eles entendem que o esporte, com os Jogos Olímpicos, tem essa capacidade de passar uma mensagem de esperança, de que tudo possa melhorar no futuro. O ambiente do esporte, a recompensa da medalha, o atleta se superando e vibrando, então eles também pensam por esse lado. Sabem desse lado social dos Jogos.
A pressão pelo resultado mexe com o emocional dos atletas. Na pandemia, a ansiedade das pessoas parece aumentar para muita gente. Como vocês estão lidando com essa questão?
O esporte evoluiu muito nesse sentido. A medalha vem no detalhe, cada vez mais, a distância entre os atletas diminuiu. Então, o psicológico pode ser um diferencial. Pensamos nisso. Pensamos, por exemplo, na alimentação, buscando dar o feijão com arroz, a comida com a qual eles estão acostumados. Pensamos em transporte exclusivo para eles, para não enfrentarem trânsito, não pegarem transporte coletivo. Cada detalhe é importante. E a parte psicológica, neste momento, fica ainda mais decisiva.
Cada atleta, particularmente os que disputarão medalhas, temos acompanhamento cerrado sobre eles. O nosso diretor Jorge Bichara passa o dia inteiro em contato com atletas, com treinadores, às vezes com as famílias para tentar entender o que os cerca. Esse trabalho é importante para que não sejamos surpreendidos como, por exemplo,uma explosão de emoção que possa atrapalhar a performance de um atleta. Tem atletas que são muito profissionais. Cito a Ágatha e a Duda, nossa dupla de vôlei de praia. A estrutura multidisciplinar por trás delas é espetacular. Os resultados não acontecem por acaso.
A parte psicológica, para nós, é muito importante, sobretudo no caso dos Jogos Olímpicos, que são uma competição à parte. O cara pode ter sido campeão mundial, mas quando chega nos Jogos, se depara com outra situação. Não tem jeito. A perna treme. Se não estiver preparado, não vai conseguir ter a performance que teve em outras ocasiões.
Muitos atletas reconhecidos multicampeões já viveram traumas em Olimpíada. Um deles foi o tenista sérvio Novak Djokovic, que foi eliminado no primeiro jogo no Rio 2016 e chorou pela frustração.
Exato. Todo atleta sonha com esse momento. Uma coisa que surpreendeu a gente foi o surfe. O surfe tem um circuito consagrado, e ficamos nos perguntando como seria esse pessoal nos Jogos. "Será que eles vão querer mesmo", a gente se perguntava. Mas impressiona quando a gente conversa com o Gabriel Medina, com o Ítalo Ferreira, com a Tati Weston-Webb, com a Silvana Lima, a vontade que eles estão de ganhar essa medalha. Seria uma realização para eles. Os Jogos têm essa capacidade de trazer o atleta, como a gente fala, para os "Deuses do Olimpo". O atleta gosta disso.
A parte psicológica, para nós, é muito importante. O cara pode ter sido campeão mundial, mas quando chega nos Jogos depara com outra situação. Não tem jeito. A perna treme.
MARCO ANTÔNIO LA PORTA
chefe da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio
O Brasil hoje enfrenta uma situação muito delicada no combate à covid-19. Como está a relação com outros países neste contexto? Eles têm receio de receber ou até mesmo de ter contato com os atletas brasileiros?
A relação com os outros países é muito boa. Temos um grupo, há muito tempo, com Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Holanda, Bélgica, com reuniões semanais para debatermos o que está sendo feito. A dificuldade é que alguns países estão com as fronteiras fechadas para os brasileiros. Então, quando temos alguma competição, acaba impactando. O atletismo, por exemplo, tem uma competição no Japão e outra na Europa no próximo mês. O que a gente fez? Levamos os atletas para os Estados Unidos, estão treinando lá. A partir dos EUA, eles conseguem entrar nesses países normalmente, porque já cumpriram uma quarentena. Normalmente quando há uma competição, abre-se uma exceção.
Mas isso tem sido um desafio para nós, porque a logística é bem complicada a cada caso. Felizmente, até agora, temos conseguido resolver quase todos os problemas. Tivemos apenas um problema com o Henrique Avancini, do mountain bike: ele não conseguiu competir na América Central. Mas a maior parte estamos conseguindo resolver.
Qual a expectativa de desempenho do Brasil nos Jogos, levando em conta que, na Olimpíada de 2016, o país conquistou 19 medalhas, sendo sete de ouro, seis de prata e seis de bronze, e terminou em 13º na classificação geral? É possível superar essa marca, até pela inclusão de esportes como surfe e skate, em que o país tem grandes atletas, ou o novo contexto dificulta nesse sentido?
Ficou difícil de projetar. No ano passado, em fevereiro, a gente tinha uma noção de que os resultados do Brasil em Tóquio, se a Olimpíada tivesse sido realizada em 2020, seriam melhores do que os de 2016. A gente não estava falando isso por sermos otimistas ou ufanistas. Estatisticamente, os resultados do ano anterior, em 2019, o segundo lugar histórico nos Jogos Pan-Americanos de Lima, sete campeões mundiais, 22 pódios em campeonatos mundiais, tudo isso nos passava uma perspectiva de que o resultado seria muito bom.
Agora, neste ano, nós perdemos um pouco esse referencial. Então, dizer hoje que o resultado vai ser melhor do que em 2016 não dá. Seria chute. Porque a gente não tem base para dizer isso. No entanto, a gente percebe, pela performance dos atletas nos campeonatos que já voltaram, pelos treinos que estão fazendo, que o resultado vai ser bom. A gente tem uma esperança de ficar ali, pelo menos, entre 15 e 20 medalhas, o que seria muito próximo do resultado do Rio.
E, sem dúvida alguma, tanto o surfe quanto o skate vão ser fundamentais para que a gente consiga alcançar esse número. Além, é claro, daquelas modalidades que sempre contribuem com medalhas, como a vela, o vôlei de quadra e de praia, o judô, o futebol. A gente espera que nosso país mantenha a tradição nessas modalidades.
Qual a mensagem do Comitê Olímpico do Brasil sobre os Jogos que vocês esperam que possa ser transmitida à população que vai acompanhar o evento?
O papel do COB é sempre o de proporcionar o melhor para o seu atleta, a melhor estrutura possível. Temos trabalhado desde o início da pandemia para minimizar os efeitos que essa situação possa causar nos nossos atletas. E a gente tem conseguido atender bem. Nossa visão, hoje, é de que os Jogos Olímpicos possam ser essa celebração de esperança. Somos otimistas aqui. Acho que em julho a situação deve estar melhor, a vacinação avançando para deixar a população mais segura.
Então, talvez os Jogos constituam um momento de consagração da humanidade, da esperança de um futuro melhor. Por isso, sempre fomos a favor de que os Jogos fossem sim realizados. A gente entende que, se já estão ocorrendo competições em várias modalidades pelo mundo, a Olimpíada pode ocorrer também. Temos uma excelente oportunidade de passar uma mensagem de esperança e otimismo para a humanidade, os Jogos têm essa capacidade de, por duas semanas, passarem isso à população. É para isso que o COB trabalha, para ver os seus atletas felizes, trabalhando e passando essa mensagem para a população.