Um repórter entrega a Isaquias Queiroz o telefone celular. Do outro lado da linha, Edvaldo, colega de equipe nas primeiras remadas ainda em Ubaitaba, no interior da Bahia, quer saber como o velho amigo se sente agora que virou herói brasileiro.
– Tô igual, sou o mesmo Isaquias, o mesmo "Sem Rim" – grita o canoísta, citando o apelido que ganhou na infância após o acidente que o deixou sem o órgão.
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Mal sabe que, aos olhos do país, nunca mais será o mesmo. O "Sem Rim" de Ubaitaba, que virou campeão mundial e esperança de medalha da canoagem, depois transformou-se na estrela mais brilhante do Brasil nos Jogos Olímpicos em casa, não é mais só um atleta. Virou lenda. E vai permanecer assim por algum tempo.
Com as duas pratas e um bronze na semana de sonho que viveu na Lagoa Rodrigo de Freitas, Isaquias avisa que pode ser o primeiro "papa-medalhas" da história do Brasil. Dentro da realidade de país que almeja, ainda como um sonho, tornar-se uma potência olímpica, é o nosso Phelps, nosso Usain Bolt.
Aos 22 anos, tem ao menos mais duas Olimpíadas no horizonte. O alemão Sebastian Brendel, ídolo de Isaquias que o superou nas finais da canoa individual e de duplas de 1.000m, competiu no Rio de Janeiro com 28 anos. Em número total de medalhas, o brasileiro já se igualou ao rival – Brendel, porém, tem três ouros. Ainda há muita lenha a queimar para o jovem que conquistou o Brasil.
O potencial ainda inacabado, a competência e uma força psicológica acima do normal se juntam à personalidade autêntica para transformá-lo em um xodó da torcida. Talvez o último ídolo com a mesma aceitação unânime tenha sido Gustavo Kuerten, mas no tênis é quase impossível ganhar múltiplas medalhas em Olimpíadas. Isaquias junta tudo: é vencedor, carismático e brilha no mais importante cenário do mundo esportivo. Está aberto o caminho para que se torne o mais importante atleta olímpico brasileiro. Se repetir, em Tóquio, o desempenho do Rio, já terá ultrapassado Robert Scheidt e Torben Grael (5 medalhas) e se tornado o maior medalhista da história do país.
Ao longo dos seis dias de sonho no Rio, o público parece ter percebido que ali nascia um ícone. Na segunda-feira, primeiro dia em que competiu, ainda havia quem o chamasse de Isaías, denunciando a falta de familiaridade com um atleta que já chegou aos Jogos como candidato a pódio. Na quarta, um dia depois de ser prata na canoa individual de 1000m, a situação já havia mudado de figura.
– Eu te amo Isaquias! – gritou uma torcedora enquanto o canoísta passava pela área de entrevistas. Um pouco constrangido, outro tanto surpreso, o alvo da declaração de amor soltou uma gargalhada alta, logo acompanhada por jornalistas e fãs que testemunharam a cena curiosa.
Não foi só a espectadora mais exaltada que se apaixonou. A cada dia o Estádio da Lagoa parecia mais cheio para empurrar o novo ídolo. Houve até campanha nas redes sociais para rebatizar o local das conquistas com seu nome. O Brasil estava de lua de mel com Isaquias, e o sentimento era recíproco.
Dava pena ver o árduo trabalho da assessoria de imprensa ao levá-lo para conversar com os jornalistas. O público se espremia para espiar as entrevistas e pedia, esperançoso, um instante de atenção. Isaquias os distribuía sem parcimônia. Virou fotógrafo pegando celulares que lhe eram oferecidos para tirar selfies. Esticava-se na grade que o separava da torcida para abraçar desconhecidos. Curtia o momento, para desespero de quem precisava fazê-lo cumprir horários.
Quando chegava aos microfones, parecia estar na companhia dos amigos mais chegados. Falava alto, ria, por vezes engatava uma frase em ritmo acelerado e tão carregada do sotaque baiano que se tornava quase incompreensível. A torcedora apaixonada tinha alguma razão: como não amá-lo?
O jeitão simpático que o torna tão familiar ao brasileiro não apaga a ambição e a confiança.
Isaquias poderia se contentar com a primeira medalha, a prata na canoa individual de 1.000m. Com apenas essa conquista, já sairia da Olimpíada como o primeiro medalhista de sua modalidade, mas não se acomodou:
– A primeira prata já foi histórica para a canoagem, mas eu vim aqui com um objetivo. Queria mais. Não é ganância, não, é o objetivo que a gente tinha traçado.
Aí está o segredo. Há simpatia, uma dose de improviso e muito carisma quando ele deixa a água e saboreia as vitórias. Mas isso se mistura ao método, ao foco e à fome de vitórias que todo o campeão deve ter. Isaquias é o pacote completo. Enquanto procuramos com lupa o legado que deixa a Olimpíada, basta olhar para a Lagoa para encontrar. Dos Jogos em casa nasceu o mais novo protagonista do esporte brasileiro. E ele ainda tem vida longa pela frente.
O FEITO DE ISAQUIAS
2 pratas
– canoa individual de 1000m e canoa em dupla de 1000m
1 bronze
– canoa individual de 200m
* Primeiro brasileiro a conquistar três medalhas em uma edição dos Jogos Olímpicos
*ZHESPORTES