No teto do consulado honorário da República Tcheca, de frente pra praia de Copacabana, estão penduradas duas pernas que não param de correr. Trata-se da instalação artística do tcheco David Cerny, o mesmo que em Londres 2012 fez o ônibus inglês que fazia flexões. As pernas que não param nunca são uma homenagem a Emil Zátopek, um dos maiores nomes do atletismo de todos os tempos, conhecido como a "Locomotiva de Praga". Ao todo, Zatopek bateu 20 recordes mundiais em maratonas que variaram de 5 mil metros a 20 mil metros.
Tranquilamente sentado abaixo das pernas de Zatopek, em uma cadeira de onde pode ver o trânsito caótico e o mar tranquilo, está um senhor de 88 anos chamado Freddy Sobotka. Nascido em 1928, na República Tcheca, Freddy passou seu aniversário de 18 anos no pior lugar do mundo: o campo de concentração de Auschwitz, onde perdeu seu pai e irmão. Marcado para sempre pelo terror nazista, Freddy diz que nasceu de novo quando escapou junto com a mãe do campo e, juntos, mudaram-se para o Brasil.
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– Este é o melhor lugar do mundo. Vocês não imaginam o país que têm. Eu nasci outra vez aqui no Brasil. Eu estava morto. Me deram chance. Em dois dias arrumei emprego e recomecei.
– Mas vejo tantos brasileiros querendo morar na Europa por causa da crise –disse ao Sr. Freddy.
– Ah, (desdenhando) na Europa também tem crise. Você acha que na Europa não tem crise? Tenho um amigo suíço que vem três vezes por ano pro Brasil e me diz: "Aqui eu vivo". Ele é maquinista de trem e todo mês umas duas pessoas pulam na frente do trem dele. É tudo perfeito, sabe, não tem emoção.
– Aqui tem emoção, um assalto de vez em quando, uma correria – concordei.
Sr. Sobotka me mostrou fotos da família. O pai e o irmão que morreram em Auschwitz. As três filhas nascidas no Brasil. Seus seis netos, dois bisnetos. Seus passeios pelo Brasil. De repente, algumas fotografias dele com os jogadores do Brasil em 1958, na Suécia. Didi, Bellini, Nilton Santos, abraçados no jovem Freddy.
– Como você ficou amigo da seleção de 58? – perguntei.
– Os jogadores não tinham carro pra levá-los do hotel ao campo de treinamento. Eu emprestei meu carro e fui o motorista deles. Aquela época os jogadores davam tudo de si. Não recebiam altos salários, não tinham ônibus. Eu tinha 28 anos.
– Essa era uma época que o futebol brasileiro era paixão.
– Hoje o cara ganha bilhões e não faz nada pelo país. Os jogadores deveriam se matar no campo. Empatar com o Iraque?! Pelo amor de Deus.
Agradeci Sr. Freddy pela conversa. Agradeci pelas histórias. Agradeci pelo que ele me ensinou. E acho que, pela primeira vez na vida, agradeci por ter nascido no Brasil.