A brasileira com maior número de medalhas em esportes individuais na história dos Jogos já pensa em aumentar sua coleção de glórias esportivas. Bronze na categoria até 78kg em Londres 2012 e agora no Rio 2016, a gaúcha Mayra Aguiar mal fechou um vitorioso ciclo e já fixa seus planos para julho de 2020, quando deverá subir novamente ao tatame olímpico, em Tóquio.
Nesta entrevista a ZH, a gaúcha de 25 anos, recém-completados, diz que já deixou para trás a frustração da derrota na semifinal para a francesa Audrey Tcheumeo, valoriza a conquista do bronze em solo brasileiro, e se diz empolgada em retomar logo os treinos para iniciar os preparativos visando a sua quarta participação olímpica.
Considerada uma das judocas mais completas do circuito, Mayra acredita que poderá chegar ao Japão, berço do judô, em melhor forma do que hoje:
– Ainda tem muitas coisas que posso melhorar no judô – diz Mayra.
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O que representa para ti ter se tornado a brasileira com maior número de medalhas em esportes individuais em Olimpíadas?
Estou muito feliz, é uma conquista muito grande. E tem um gostinho muito especial por ter sido em casa. Foi muito diferente de outras que competi. Foi tudo maravilhoso. Minha família toda (torcendo na arena), meus amigos. Comecei muito cedo no judô, com seis anos. Já com 14 anos, depois de tanta dedicação, entrei na seleção (brasileira). E conheci esse mundo do esporte, que é muito diferente, que é lidar com a pressão, com torcida contra, torcida a favor, a rotina, a disciplina que temos de ter. Tudo isso me deu a oportunidade de disputar Olimpíadas e sair delas com duas medalhas.
Dá vontade de aumentar mais essa conta de medalhas olímpicas?
Sim, estou muito motivada. Antes, eu falava: "Depois dessa Olimpíada, vou dar um descanso, preciso de uma folga". Porque (a rotina do judô) é bastante duro. Mas fiquei tão empolgada que eu quero mais. Quero sentir essa emoção de novo, quero disputar uma medalha olímpica de novo. É claro que agora vou dar uma folga para o corpo, para descansar também um pouquinho a minha cabeça, mas acho que não vai demorar muito para me verem no tatame de novo competindo.
Competir no berço do judô é um incentivo a mais para se preparar bem e fazer bonito em Tóquio 2020?
Muito, vai ser sensacional. O judô é matéria escolar no Japão. O ginásio (de judô) deverá ser o maior de todos, eles vão preparar uma festa linda. Quero muito participar. Completei 25 anos neste mês, então eu tenho chances enormes de estar na melhor fase da minha carreira. Estou me sentindo bem hoje, mas ainda tem muitas coisas que eu posso melhorar. Realmente saí (do Rio) empolgada para chegar em 2020 na minha melhor fase e poder disputar medalhas.
Você acredita que já chegou ao seu auge do ponto de vista técnico, físico e também de maturidade? Ou pode melhorar ainda mais?
Estou me sentindo muito bem. Tenho a consciência do que preciso melhorar, do que está faltando para mim. Isso já é um passo muito grande. Tem muita coisinha para arrumar.
O que, por exemplo?
Tem muito coisa técnica do judô, pegadas diferentes, golpes que comecei a treinar antes da Olimpíada que podem melhorar, porque ter uma variedade de golpes é muito importante. O trabalho de conhecer taticamente os adversários, que foi uma dificuldade que enfrentei na semifinal (contra a francesa Audrey Tcheumeo), quando eu perdi a parte tática da disputa da pegada. Consegui tirar proveito de tudo que vivi nessa Olimpíada. Fora do tatame também, ser mais regrada. Os atletas sabem que, se não tiverem disciplina e vontade, não chegam (aos seus objetivos), mas sempre é possível dar um pouco a mais.
Ficou um pouco o sentimento de frustração por não tido a oportunidade de brigar pelo ouro com a Kayla Harrison?
Era uma das lutas mais aguardadas pelos fãs de judô na Olimpíada.Era uma luta que eu queria muito lutar. Independentemente do resultado, é uma luta que dá prazer, é firme, aguerrida, uma batalha. É uma luta boa de assistir, mas também boa de lutar. Infelizmente não consegui, foi uma tristeza. Mas passando tudo isso, vendo a imensidão do que é uma Olimpíada, do quão difícil é estar lá e muitos atletas não conseguem, por tudo isso eu pensei, na hora do bronze, de quanta gente gostaria de estar ali, disputando um medalha. Então só pensava: “Não vou ficar triste agora”.
O que passou pela sua cabeça entre a derrota na semifinal dos Jogos e a disputa pela medalha de bronze, duas lutas que foram realizadas em curto espaço de tempo.
Eu queria chorar, eu estava com aquilo dentro de mim doendo. Mas eu não podia, porque iria baixar muito a minha adrenalina e não conseguiria voltar para a luta do jeito que eu queria. Entrei com muito vontade mesmo, porque eu não chorei. Mas ficou alguma coisinha ainda... No outro dia estava conversando, não lembro com quem, sobre a punição na luta, da minha derrota. Eu comecei a chorar desesperadamente. Mas eu deixei tudo ali, naquele dia seguinte. Hoje estou muito alegre pelo que estou vivendo, pelo tanto que sei que vou melhorar, sabe?
A punição que tu sofreste na luta foi justa?
Tenho de rever direito a luta. Sabia que não podia agarrar a calça dela (para evitar o shido, a punição no judô). Na minha concepção, não agarrei a calça dela. Fiquei com um gostinho ruim de perder desse jeito, eu não gosto de ganhar de shido, eu gosto de derrubar (a adversária). Pior ainda é perder desse jeito. Toda minha vida eu nunca botei a culpa em lesão, e foram muitas, em momentos ruins, problemas que eu tinha que me afetaram na competição. Porque isso nunca me fez crescer, nunca me fez evoluir. Então, o que aconteceu, vou tirar lições positivas disso. O que eu posso melhorar? Eu poderia ter feito uma tática melhor para lutar com aquela adversária?
Como foi a experiência de competir em casa numa Olimpíada? A Arena Carioca 2 foi um caldeirão nas disputas de judô.
Foi um gás a mais para os brasileiros. Achei que eu fosse ficar bastante nervosa, porque tem uma ansiedade que te trava, e outro que te coloca para cima, que te dá garra. E o dia todo, desde que pisei naquele tatame, e ouvi aquele torcida gritar o meu nome... Tinha duas lutas antes de eu entrar, e o pessoal já estava gritando o meu nome. Aquilo me deu uma alegria, um prazer, uma sensação muito boa. A energia daquele lugar estava muito gostosa. Então, realmente me ajudou muito da primeira à última luta.
Tu conseguiste focar apenas a competição? Tu deixaste as redes sociais de lado no final da preparação, certo?
Sim, foi uma coisa que eu senti muito em Pequim e Londres, né. É muita informação que chega para gente. É lógico que tem muitas pessoas torcendo por nós, mas tem muitos comentários ruins também. Então procurei ficar afastada de tudo, até da TV. Tirei todos os aplicativos do celular quando cheguei a Mangaratiba (em 27 de julho, local de concentração da equipe brasileira de judô). Falava só com os meus pais, a minha irmã, o meu namorado e só. Porque eles me conhecem. É o momento que eu não quero falar de judô, de expectativa, de resultados.
Tu acreditas que a Kayla Harisson vai abandonar as competições?
Tomara que não. É uma adversária que me faz crescer muito.
Chegaste a pedir para ela continuar no judô?
(Risos). Não, é que eu não conversei com ele sobre isso. Tivemos um papo, demos uma entrevista juntas. Então não sei o que ela vai fazer. É difícil uma atleta tão vitoriosa como ela abandonar o esporte.
Tu tens um bom relacionamento com ela? A Kayla chegou a declarar nessa entrevista na TV que "te amava" e que havia passado os melhores anos da vida dela contigo.
O judô é um esporte individual. Mas é muito coletivo, pois precisa de atletas para fazer outros evoluírem. Desde que tinha seis anos sempre tive "rivalidades", essas brigas boas, que te fazem evoluir. Tive amigas que lutaram contra mim durante anos. E cada pessoa que marcou a minha vida me fez crescer muito. Só tenho a agradecer a essas pessoas.
Exista uma especulação de que a Kayla possa lutar no MMA? Os octógonos também estão no teu horizonte?
Na verdade eu tenho bastante amigos que lutam, o meu namorado (Vinicius Coelho Nunes, judoca de 35 anos) já "brincou" um pouquinho disso aí. Também já botei luvas, brinquei... Mas não fiz nenhum treino, nunca levei um soco na cara de verdade. Nesse momento da minha vida, estou muito olímpica, estou muito empolgada com o judô.
Pela primeira vez o judô feminino conquistou mais medalhas do que o masculino em uma Olimpíada. A que se deve essa evolução do judô feminino?
Acho que o investimento, em acreditar no judô feminino. Antes não tinha isso, entrei na seleção (brasileira) com 14 anos e eu via essa diferença, a mídia era toda voltada para o judô masculino. A gente teve essa confiança dos patrocinadores. É uma equipe que entrou muito jovem e está muito tempo junto. A gente foi crescendo, foi evoluindo, os resultados foram aparecendo. É uma geração que tem mais um ciclo.
Dá para notar que as crianças gostam muito de ti. Tu percebes que muitos meninos e, principalmente, meninas estão praticando mais o judô por causa do sucesso de judocas como tu, a Sarah Menezes, a Rafaela Silva?
Com certeza. Ontem (quarta), um diretor da Confederação Brasileira de Judô falou que os clubes estão alucinados de tanta criança que pediu para entrar no judô. O meu próprio priminho (Pedro, de sete anos), que eu tentava convencer a fazer judô, e ele queria jogar futebol, fazer natação, ele foi lá assistir à competição (no Rio), ele torceu no ginásio. E depois a minha tia veio me dizer: "Mayra, ele quer judô agora". Ah, então eu convenci ele...
Essa carinho é uma delícia. Adoro criança, poder estar perto delas, ver esses olhinhos brilhando. É bom ver as crianças praticando esportes desde cedo. Tem atletas que não foram competir na Olimpíada, mas levaram as crianças para vivenciar a Vila (Olímpica), conhecer como é. Isso vai trazer os frutos de mais medalhas para o Brasil.