São pouco mais de 20 segundos que decidem a vida de um nadador de 50m. Normal, portanto, que os velocistas da água sejam um tanto obcecados com detalhes. A largada, a pernada, a braçada, qualquer movimento com atraso ou sem a técnica adequada faz a diferença lá na frente.
Não à toa os atletas de provas curtas gozam de fama parecida com a dos goleiros do futebol. Têm, em geral, personalidade forte. Além do brilho na água, chamam a atenção pelo comportamento, uns vistos como excêntricos, outros arrogantes, todos extremamente competitivos. Bruno Fratus é um dos expoentes internacionais desse "clube" tão particular. Basta uma breve pesquisa em entrevistas que concedeu para constatar sua postura franca e destemida aos microfones.
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– Não tenho medo de me expressar, nunca fui de fazer personagem. Muita gente gosta do politicamente correto, mas eu acho desleal e, às vezes, até covarde fazer esse tipo diante do público que te acompanha – diz o nadador fluminense de 26 anos.
Apesar da sinceridade, afirma não gostar de se envolver em polêmicas. Confia na interpretação dos jornalistas e do público sobre o que diz.
Em entrevista recente ao jornal Lance, por exemplo, pediu que se fizesse "menos novela em cima de quem ficou fora" da Olimpíada. Era uma referência ao colega de prova César Cielo, que não obteve a vaga para o Rio. A frase poderia ser vista como uma alfinetada no campeão olímpico de Pequim, mas só por quem não leu toda a reportagem. Lá, há uma clara manifestação de respeito por Cielo quando fala no "legado" que deixou para o esporte no Brasil. A crítica à "novela" era apenas uma maneira de voltar as atenções do público para quem se classificou. Sem rodeios, Bruno confiou na correta interpretação de quem o entrevistou.
A honestidade também transparece quando o assunto é a possibilidade de medalha na Olimpíada. Tem consciência de que é candidato ao pódio. Não trata ninguém como imbatível, nem mesmo o francês Florent Manaudou, atual campeão olímpico e mundial dos 50m:
– Não existe um só atleta competindo nos Jogos Olímpicos que não projete objetivos altos. Eu não sou diferente, vou competir dando o meu 100% e buscando o melhor resultado. Considerar qualquer adversário imbatível não condiz com a mentalidade olímpica.
A autoconfiança ajuda, também, a sobreviver no mundo competitivo e ultrapassar obstáculos complicados. Um deles é a altura: com 1,87m, é mais baixo do que a maioria de seus adversários – Manaudou, por exemplo, mede 2m. Mas se a braçada não é tão longa quanto a dos rivais, Bruno compensa com técnica.
– Ele quase não mergulha o corpo. Parece uma lancha "flutuando", o que diminui o atrito com a água e faz com que ganhe mais velocidade – destaca Guilherme Roth, nadador do Grêmio Náutico União.
– Não vejo ninguém que seja mais rápido do que ele dentro da água. Pode até ter alguma desvantagem na largada, mas compensa na piscina – elogia Ítalo Manzine, o outro brasileiro com vaga garantida nos 50m da Olimpíada.
O aperfeiçoamento veio com dedicação disciplinada aos treinos. Bruno estranha quando vê sua rotina de longas horas na água classificada como "sacrifício". É apenas a vida que escolheu e ama.
– Treinei com ele por um período. É muito intenso e focado, não só nas competições. Se faz marcas ruins no treino, sai irritado – lembra Manzine.
A atitude disciplinada para se preparar não é uma novidade da vida adulta. Aos 12 anos, quando mudou-se para Natal com a família, passou a treinar no Colégio Marista. Já impressionava pelo comprometimento.
– A grande qualidade do Bruno é a perseverança. Foi sempre muito focado. Sabia o que queria desde muito cedo. A maioria dos atletas só suporta uma fase da vida com esforço, ali na adolescência. Na faculdade, não querem mais. Naquela época, ele já tinha na cabeça que queria ser um nadador olímpico – lembra o ex-técnico do Marista, Marcos Henry.
Mesmo que o sonho olímpico já estivesse presente, o objetivo daquele momento era outro. Havia um adversário, de outro colégio de Natal, que sempre o vencia. Bruno não sossegou nos treinamentos e competições enquanto não o ultrapassou. Não demorou para que tivesse destaque no cenário nacional.
O talento fez com que, aos 17 anos, se transferisse da capital potiguar para São Paulo, onde passou a treinar no Esporte Clube Pinheiros. Na piscina que forjou lendas da natação brasileira como Gustavo Borges e o próprio Cielo, cresceu.
No ciclo que antecedeu a Olimpíada de Londres, estabeleceu-se como um membro da elite dos 50m. Percorreu, pela primeira vez, a piscina em menos de 22 segundos. Em 2011, foi quinto colocado no Mundial. Um ano depois, em sua primeira participação nos Jogos, a medalha lhe escapou por dois décimos de segundo: ficou em quarto lugar, atrás de Cielo.
Tivesse ido ao pódio em Londres, talvez Bruno fosse um nome mais reconhecido pelo grande público e não precisasse alertar para a "novela" em torno da ausência de Cielo. Engana-se, porém, quem acha que o Brasil perde ao apostar as fichas nele, e não no tricampeão mundial e campeão olímpico de outros tempos.
O pódio tão próximo em 2012 o impulsionou a melhorar. Em 2014, mudou-se para Auburn, nos Estados Unidos, junto com a mulher, a gaúcha Michelle Lenhardt, que conheceu no Pinheiros. Lá, é treinado por Brett Hawke, que trabalhou com Cielo na campanha do ouro de Pequim.
A vida norte-americana é toda voltada para a natação. Treinos na piscina em dois turnos, trabalhos físicos e alimentação controlada. Com uma ex-nadadora em casa, as conversas das horas de folga não fogem dos detalhes da preparação para o Rio.
– Sobre natação, a gente fala todo dia, toda hora. Estou presente em todas as competições do Bruno, não apenas pra torcer e sofrer da arquibancada, mas sim para observar, filmar, analisar e colocar meu ponto de vista no que pode ser melhorado – diz Michelle, que disputou a Olimpíada de Pequim.
Com Hawke, o foco dos próximos meses será mais psicológico do que técnico. Não há muito tempo para provocar transformações profundas no seu nado.
– Não estamos buscando evoluir em nada agora, queremos estar prontos para estar no melhor nível quando o dia chegar. Ele tem todas as ferramentas, agora trabalhamos o lado mental para que ele esteja confortável – resume o técnico, que parece conhecer bem a força do pupilo:
– As pessoas costumam ter medo do quão boas elas podem ser. Bruno, não.
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