Desde o fim de março, Ricardo Leyser chefia, interinamente, a pasta para a qual trabalha desde 2003. Filiado ao PC do B e considerado como um quadro técnico, com grande aceitação no meio esportivo, assumiu o lugar de George Hilton.
Com larga experiência em gestão esportiva – trabalha na área desde 2001, quando ocupou cargo na secretaria de esporte, lazer e recreação da prefeitura de São Paulo –, Leyser convive com a incerteza: além de ser interino, prepara o país para a Olimpíada sem saber se o governo atual estará de pé em agosto.
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Nesta entrevista a ZH, ele projeta como o Brasil chegará aos Jogos e defende o investimento pesado do governo federal no esporte nos últimos anos.
Como tem sido a experiência à frente de uma pasta em que o senhor trabalhou por tanto tempo?
É uma experiência muito interessante por ser a reta final de preparação para os Jogos Olímpicos. Então nós não estamos agora fazendo planos, contratações. Estamos finalizando um processo que está sendo construído há mais de seis anos.
A crise econômica ou a política influi mais no ministério do Esporte?
Felizmente, nenhuma das duas tem grande influência, justamente por causa do projeto olímpico. Estamos conseguindo entregar a infraestrutura, mobilizar o governo. Eu tenho dito o seguinte: a única coisa que a crise tem atrapalhado é que as pessoas só falam em crise. Poderiam já estar se preparando para os Jogos, comprando mais ingressos. Temos o maior evento esportivo do Planeta daqui a pouco mais de 100 dias, e a mídia não dá a atenção devida aos Jogos.
Há um momento de instabilidade, com uma ameaça de impeachment da presidente. Como o senhor trabalha com essa incerteza sobre o seu futuro?
Todo ministro tem uma incerteza sobre sua continuidade. Quem sabe quanto tempo vai ficar é quem tem mandato. Nós, que somos assessores, podemos sair a qualquer dia. Quanto aos Jogos, todas as instituições do Estado brasileiro estão envolvidas, e elas vão fazer a entrega, independentemente de quem estiver chefiando o governo. Tudo já está treinado e mobilizado.
No fim do ano passado, o senhor foi exonerado da Secretaria Executiva do ministério. No dia seguinte, o então ministro George Hilton o nomeou para a Secretaria de Alto Rendimento. O que aconteceu nesse episódio?
Isso foi gerado por questões internas do PRB, então partido do ministro. Por um motivo ou outro, eu acabei envolvido. Mas nada de mais, são questões da vida política brasileira. O meu acordo original era o de tocar a Olimpíada na Secretaria de Alto Rendimento. Ele me convidou para ir para a Secretaria Executiva, depois o partido dele estava incomodado com isso. Não vi nenhum problema. Depois, o Marcos Jorge (de Lima, quadro do PRB) assumiu a Secretaria Executiva e eu pude ficar até mais focado nos Jogos. Foi até melhor.
As obras da Olimpíada estão razoavelmente avançadas e, aparentemente, ficarão prontas com maior antecedência do que vimos na Copa. A que o senhor credita essa maior agilidade na preparação?
Tem uma coisa que é fundamental: experiência. Ninguém nasce sabendo nada. O Rio de Janeiro apresentou um projeto muito ruim para a candidatura em 2012, aprendeu com seus erros, fez um projeto muito bom para 2016 e venceu. Nós tivemos muitas dificuldades na organização dos Jogos Pan-Americanos em 2007. A última vez que o Brasil tinha organizado um grande evento esportivo tinha sido em 1963, na Universíade em Porto Alegre. O Rio, quando foi para o projeto olímpico, já tinha quase 50% das instalações prontas vindas do Pan-Americano. No meio do processo, tivemos Jogos Mundiais Militares, Copa do Mundo. Neste período, uma série de outros eventos treinaram o esquema de segurança, a operação dos Jogos. Chegamos a 2016 com obras prontas e um custo que é muito inferior ao de Londres-2012 e ao planejado para Tóquio-2020. O Brasil deu uma prova de profissionalismo, de competência.
Após o Pan, o destino de algumas instalações, como o Velódromo e o Engenhão, foram questionados, o que colocou em xeque o legado do evento. Como se preparar para que o mesmo não aconteça após a Olimpíada?
Eu discordo da análise tão crítica do legado do Pan-Americano. Primeiro, você tem um grande investimento na região de Deodoro, mas como Deodoro é mais afastada, é a região mais pobre do Rio, a mais negra e a mais jovem, e por isso foi escolhida pelo governo federal, a nossa imprensa não ia para lá. Estava muito longe da praia para a imprensa ir. Segundo, você teve boa utilização das instalações, como a HSBC Arena. O Velódromo, que você falou, foi muitíssimo utilizado. O problema é que ele era muito simples e não foi pensado para os Jogos Olímpicos. Mas, por vários anos, ele foi o centro de referência da ginástica do Brasil. Tivemos alguns problemas: o Maria Lenk poderia ter tido melhor uso, o Engenhão foi utilizado somente para o futebol.
O Comitê Olímpico do Brasil tornou pública a meta de figurar entre os 10 maiores medalhistas e conquistar entre 27 e 30 pódios na Olimpíada. Como o governo vê esses objetivos e sua divulgação?
Isso foi positivo. Quem propôs que houvesse meta foi o ministério do Esporte. A meta tem o nosso apoio. Achamos adequada, justamente por ser factível, sem deixar de ser um grande desafio. Representaria um salto, mas possível. Não ia adiantar dizer que iríamos ficar no top 5, porque isso é impossível agora. Também não seria interessante dizer que o objetivo era estar entre os 16 melhores, porque seria simples demais.
Nos últimos ciclos olímpicos, houve uma forte injeção de recursos no esporte, mas há quem diga que eles ficam restritos ao alto rendimento e ignoram a base. O senhor concorda?
Eu discordo desta contraposição radical entre base e alto rendimento. Todos os nossos centros nacionais, você vai ver lá que é da seleção principal à iniciação. O que você tem é um protagonismo muito grande do governo federal no esporte. O grosso da parte de inclusão social acontecia nos municípios e estados. Mas são poucas as secretarias municipais e estaduais que têm a mesma força em seus governos que o nosso ministério tem no governo federal. Infelizmente, quando vamos às prefeituras, as secretarias municipais de esporte são muito fracas, não tem orçamento. E é a prefeitura que tem o contato mais próximo com a população e que deveria promover o acesso a uma prática esportiva de iniciação e inclusão social. Como eu disse, não concordo com essa contraposição, mas acho que ela é fruto da extrema importância que o governo federal dá para o esporte, em contraste com a pequena importância que ele tem nos municípios e estados.
Considerando outros problemas do país e o investimento pesado que se fez no esporte nos últimos anos, o senhor acha que o Brasil deveria se preocupar em se tornar uma potência olímpica?
Acredito que sim, o esporte está muito ligado ao desenvolvimento econômico. Há uma certa cegueira das pessoas. Tem gente que acha que o único investimento público legítimo é em educação ou saúde. Esquecem a prática esportiva como política de saúde. Esquecem que o esporte na escola ajuda o aprendizado. Esquecem da dimensão da indústria do esporte para gerar emprego e renda. O mundo é mais complexo do que só saúde e educação. Só no setor de alimentação dos Jogos, estão sendo recrutadas agora 8 mil pessoas. São 8 mil famílias com uma pessoa empregada.
Que avaliação o senhor faz sobre a adesão dos clubes ao Profut até agora?
Sou otimista. Assim como eu disse sobre a organização dos Jogos Olímpicos, a gente precisa de processo, de história e de tempo. Já temos alguns exemplos muito interessantes de gestão nos clubes. O Profut deu fôlego para vários deles que têm boa gestão, para que continuem nesse caminho. Mas é preciso também que a torcida entenda, que a própria torcida cobre o clube. É um processo, estamos dando os primeiros passos.
* ZHESPORTES