Odair Hellmann caiu nas graças do futebol saudita. Mesmo no comando de um time mediano da liga local, o Al-Raed, o ex-técnico do Inter foi eleito em 2024 o terceiro melhor treinador do país, à frente de nomes históricos do futebol mundial, como o ídolo do Liverpool, Steven Gerrard, do Al-Ettifaq, para quem, aliás, o brasileiro não baixou a cabeça durante uma troca de farpas após uma partida em outubro. À época, a cena viralizou nas redes sociais.
— Foi uma discussão normal de jogo. Mas quando eu fui cumprimentá-lo ao final da partida, ele voltou no assunto e aí eu tive que falar algumas coisas também. A gente não pode perder nem no campo e nem no grito. Naquele dia, a gente ganhou no campo e no grito. Mas depois passou, ficou dentro do campo — relembra.
Não foi a primeira e não será a última discussão acalorada no mundo do futebol. Porém, o episódio ajuda a ilustrar o tamanho de Odair Hellmann na Arábia Saudita. "Papito", como é conhecido, já se impõe como um dos principais técnicos de uma das ligas que mais cresce no mundo.
Após livrar o pequeno Al-Riyad do rebaixamento na última temporada, o treinador conduziu no último dia 6 o Al-Raed à semifinal da Copa do Rei, ao bater nos pênaltis o Al-Jabalain, no que foi o seu jogo de número 300 como treinador.
Em dezembro, o profissional foi eleito pela sucursal árabe do portal 365 scores o terceiro melhor técnico do futebol saudita, atrás apenas do português Jorge Jesus, do Al-Hilal, e do francês Laurent Blanc, do Al-Ittihad, profissionais renomados mundialmente e que comandam alguns dos clubes mais ricos do país.
— Consegui consolidar o meu trabalho e o meu nome aqui no mundo árabe. Vivo um momento de crescimento e de consolidação e ser eleito o terceiro melhor treinador do ano, mesmo trabalhando em clubes que não têm o maior investimento foi um reconhecimento importante — afirmou ex-técnico de Inter, Fluminense e Santos, em entrevista ao programa Sábado Esporte, da Rádio Gaúcha.
Em busca da final
Em abril, na semifinal da Copa do Rei, o Al-Raed, de Odair, enfrentará o novo-rico Al-Qadisiyah, que ainda não terá a sua mais nova aquisição, o meia colorado Gabriel Carvalho, 17 anos, que desembarca apenas em agosto.
— Quem controla Al-Qadisiyah é uma empresa, a Saudi Aramco (estatal de petróleo e gás). É uma equipe que no ano passado subiu com muita facilidade da segunda divisão e esse ano já está nas primeiras colocações da liga e na semifinal da Copa do Rei. O clube está fazendo investimentos em jogadores de 15, 20 e 25 milhões de euros e está construindo um estádio que será um dos mais bonitos da Copa do Mundo. O Gabriel virá para um clube que, na minha visão, no máximo em um ou dois anos, vai disputar e ganhar títulos — aposta.
Odair não fecha as portas para um retorno ao Brasil, mas, por ora, prioriza crescer no futebol saudita e ganhar uma chance em um clube maior.
— Agora, com 300 jogos completados, vejo uma grande possibilidade de eu continuar fazendo bons trabalhos e, ali na frente, receber uma oportunidade em um clube com grande investimento para que eu possa disputar e brigar por outros objetivos — afirma.
E, se aparecer um Steven Gerrard pela frente, Odair não vai baixar a cabeça.
— Ele jogou onde? Já jogou no Bento Freitas, por acaso? (risos) — brinca.
Confira a entrevista completa com o técnico do Al-Raed, Odair Hellmann:
O que representam para ti a classificação para a semifinal da Copa do Rei e a marca de 300 jogos na carreira?
Representa muito. Nós todos sabemos como é difícil a carreira de treinador, ainda mais se consolidar em um mercado tão difícil e aberto quanto hoje. Há uma globalização e um intercâmbio muito grande de nacionalidades, o que dificultou ainda mais o mercado. Então, fico muito feliz e honrado. É um momento de oportunidade, de crescimento e de consolidação. consegui individualmente essa premiação de ser eleito o terceiro melhor treinador do ano de 24, mesmo estando em clubes que não tem o mesmo investimento e que não disputam os mesmos objetivos. Mas foi o reconhecimento de um trabalho numa equipe que tinha talvez pouca possibilidade de se manter na Liga, e a gente conseguiu esse êxito. E agora, já numa outra equipe da Arábia Saudita, conseguindo já dar esse passo histórico para o clube para uma semifinal de Copa do Rei. Foi uma classificação histórica para o clube. Agora, estou mais experiente e vivido, mas sempre em busca de aprender mais para que os próximos 300 jogos sejam ainda melhores.
O futebol na Arabia Saudita está ganhando espaço na mídia brasileira pelos grandes investimentos feitos pelos maiores clubes em craques como Neymar e Cristiano Ronaldo. Como ser competitivo em um time de menor investimento?
Nunca foi fácil, mas agora está muito mais difícil pelo investimento que os clubes têm e pela abertura que hove para jogadores estrangeiros. Hoje podem jogar oito em cada time. Aumentou a qualidade e, consequentemente, a dificuldade dos clubes que não tem a mesma capacidade financeira de investimento. Mas eu sempre digo que o investimento sempre vai fazer a diferença. E aí, quando você não tem investimento, tem que trabalhar de outras formas, com criatividade, organização e competitividade. E fazer com que os jogadores acreditem em uma estratégia. As estratégias tem que ser diferente porque você não vai ganhar pela individualidade. Você vai ganhar pela coletividade e pela organização.
Essa situação não é novidade na tua carreira.
Isso aconteceu no Inter, naquele momento de dificuldade financeira, no Fluminense e no Santos. Os clubes que eu tenho trabalhado têm tido essa característica. A diferença é que no Brasil eu trabalhei em clubes grandes, em momentos de dificuldades na sua história, tanto em termos técnicos quanto financeiros. Aqui no mundo árabe, eu tenho trabalhado em clubes médios e ainda não tive a oportunidade de trabalhar em um clube com grande investimento. Agora, com 300 jogos completados, vejo uma grande possibilidade de eu continuar fazendo bons trabalhos nessas equipes e, ali na frente, receber uma oportunidade em um clube com grandes investimentos para que eu possa disputar e brigar por outros objetivos. Mas o mais importante para mim é que em todos os clubes que eu passei eu tenho cumprido o meu objetivo e isso me honra muito.
Um jogador que está jogando há um ano em altíssimo nível é o Malcom (atacante do Al-Hilal). Poderia ser convocado porque está jogando em altíssimo nível.
ODAIR HELLMANN
Técnico do Al-Raed
Na semifinal da Copa do Rei, você vai enfrentar o Al-Qadisiyah, clube que adquiriu o meia do Inter, Gabriel Carvalho. O que você pode falar sobre o clube?
Ainda bem que o Gabriel só vai poder jogar em agosto, porque senão era mais um reforço e mais um jogador de qualidade eles iriam ter. Quem controla o Al-Qadisiyah é uma empresa, a Saudi Aramco (estatal de petróleo e gás), que coordena e tem a posse do clube. Então, tu imaginas a estrutura que esse clube tem hoje. Eles fizeram investimentos em jogadores de 15, 20 e 25 milhões de euros. É uma equipe que no ano passado subiu com muita facilidade da segunda divisão e esse ano já está nas primeiras colocações da liga e na semifinal da Copa do Rei. O clube está construindo um estádio que será um dos mais bonitos da Copa do Mundo. O Gabriel vai vir para um clube que, na minha visão, no máximo em um ou dois anos, vai disputar e ganhar títulos.
O futebol saudita já tem nível de competitividade suficiente para ser uma vitrine para a Seleção Brasileira? Se for bem, o Gabriel Carvalho pode sonhar com uma convocação?
Na minha humilde minha opinião, o treinador da Seleção Brasileira tem que estar atento a todos os mercados. O futebol, na essência, é igual em todos os lugares. E aqui eu não tenho dúvida de que o jogador vai manter o nível de competição e de intensidade. Um jogador que hoje está jogando há um ano em altíssimo nível é o Malcom (atacante do Al-Hilal), que já foi para a Seleção, mas agora não tem ido. É um jogador que poderia ser convocado porque está jogando em altíssimo nível, com a capacidade física e técnica em alto nível. Então, por que não o Gabriel? Vai depender da performance dele.
Na outra semifinal da Copa do Rei está o Al-Shabab, onde atua o volante colombiano Gustavo Cuellar, que está na mira do Grêmio. Como está o atleta?
O Cuellar é muito bom jogador, que alia a capacidade técnica à capacidade física. Foi assim no Flamengo e está sendo assim no Al-Shabab. Claro que a partir do momento em que o jogador vai para outro mercado, precisa de um tempo de adaptação, porque o futebol brasileiro é diferente do futebol disputado aqui em termos de características. Mas, avaliando o jogador individualmente, tem boa qualidade técnica, boa agressividade e ótimo posicionamento tático, mas necessita de um tempo para que ele possa se readaptar. Às vezes, dependendo da situação, tem jogadores que têm essa capacidade de adaptação mais rápida. Pode ser o caso do Cuellar, como já foi o caso de outros jogadores.
Na vitória por 1 a 0 do Al-Raed sobre o Al-Ettifaq, em outubro, repercutiu bastante um bate-boca que você teve com o técnico adversário, o ídolo do Liverpool, Steven Gerrard. O que ocorreu ali?
Eu vou brincar primeiro, tá?! Preciso falar que eu é uma brincadeira, porque senão depois isso viraliza e vão dizer que eu falei como se fosse sério. Mas ele jogou onde? Jogou no Bento Freitas por acaso? Claro que eu estou brincando. É um craque reconhecido mundialmente. Ali foi uma situação de jogo, ele defendendo a equipe dele e eu defendendo a minha. Ele no inglês perfeito dele e eu no meu inglês sem verbo, ponto e vírgula, mas com a adrenalina do jogo. Ele falou alguma coisa e eu falei outra coisa. No momento ali do jogo, eu até eu não dei muita importância. Aí no final da partida eu fui cumprimentá-lo, mas ele voltou no assunto. E aí eu tive que também falar algumas coisas. A gente precisa ganhar dentro e fora do campo e, no grito, a gente também não pode perder. Futebol a gente tem que ganhar em todas as instâncias. Aquele dia a gente ganhou no campo, no grito e de todas as formas. Mas depois passou. A gente vai se encontrar de novo e aquela discussão ficou dentro do campo.
Qual o teu planejamento para a carreira? Pretende seguir na Arábia Saudita ou avalia retornar em breve ao Brasil?
Tu sabe que plano de carreira de treinador é o próximo jogo, né? Depende do contrato que tu tem. Esse é o plano de carreira do treinador. Você pode ter uma ideia, uma organização e planificar alguma coisa, mas no futebol tu tem que ganhar. Eu preciso ganhar o próximo jogo para que esse plano de carreira continue assim. Os meus trabalhos têm se caracterizado por ser a longo prazo. O menor tempo foi oito meses. Então eu tenho conseguido estar nos clubes um ano, completar os contratos e além de eu ter essa característica como treinador, agora também tem um contrato e uma parte financeira que não é fácil. Há uma rescisão e uma situação contratual. Então, hoje, para voltar para o Brasil, tem uma dificuldade que precisa ser ultrapassada. Graças a Deus eu consegui consolidar meu trabalho e meu nome aqui no mundo árabe. Mas a gente sabe que o futebol é dinâmico e muda muito rápido. E eu estou sempre aberto ao Brasil, sempre aberto a ouvir situações importantes do Brasil. Então eu preciso avaliar sempre que acontecer, eu preciso avaliar e ver quais são as situações de momento para que eu possa tomar uma decisão. Mas o momento hoje é de continuidade no mundo árabe.