Wallison Fortes viveu um momento único no último mês. Com 28 anos, disputou sua primeira Paralimpíada. Ele foi um dos integrantes da delegação brasileira que garantiu o recorde de medalhas e ouros do Brasil nos Jogos, confirmando o status de potência paralímpica.
Atual campeão mundial nos 200m T64 e o recordista brasileiros nas provas dos 100m, 200m e 400m T64, o gaúcho de São Luiz Gonzaga, na região das Missões, ficou na quarta posição em sua principal prova. Apesar disso, evitou se frustrar com o resultado.
— Apesar de não ter conseguido trazer uma medalha dessa vez, sei que tenho uma carreira longa pela frente, muita coisa a evoluir. Analisando as provas, vejo que tenho muito a evoluir, muito a crescer. Só de estar ali é uma alegria muito grande mesmo — afirmou Wallison em entrevista exclusiva para a Zero Hora na última quinta-feira (13).
Homem de poucas extravagâncias (tanto na vida, como na alimentação), Wallison, um dia depois de desembarcar no Brasil após longo período fora de casa, já projeta o próximo ciclo paralímpico.
— Final do ano tem o campeonato brasileiro. Vou correr. Quero cada vez amadurecer mais para que eu consiga chegar lá em 2028 brigando por medalha. A minha cabeça já está lá em 2028. O meu foco já está em voltar a treinar, por mais que eu saiba que preciso de descanso — completou.
O gaúcho sofreu um acidente de moto enquanto trabalhava em 2017, o que resultou na amputação da sua perna direita, abaixo do joelho. Dois anos depois, encontrou o atletismo.
Confira a entrevista completa
Tua primeira Paralimpíada foi agora em Paris. Está com o sentimento de missão cumprida?
Com certeza, ainda mais que me dediquei muito para chegar lá. Tenho a minha mente muito tranquila. Fiz tudo o que eu poderia fazer.
Como é que foi para ti disputar tua primeira Paralimpíada?
É tudo muito novo, o momento de Paralimpíada é algo fora do normal. É algo que nunca vivi antes. Tive a experiência do Mundial em maio, mas foi bem diferente. Nem se compara a atmosfera da Paralimpíada, a competitividade, a experiência de estar na Vila Paralímpica. É tudo diferente, foi tudo um aprendizado. É algo que sempre sonhei.
Como foi para ti administrar a diferença de dias entre tuas duas provas (disputou os 100m e os 200m T64)?
Na verdade a gente usa a prova dos 100m com essa estratégia de quebrar o gelo. Eu sabia que não teria tanta competitividade na prova dos 100m. Até mesmo passar para a final seria muito difícil, porque não é a minha principal prova. Uso disso para conseguir quebrar o gelo e entrar na competição, ver como é que é estar ali também. Uma coisa é a gente correr aqui no Brasil, onde tem 2 mil, 3 mil pessoas, e chegar no estádio onde tem 70 mil pessoas. Tudo é um aprendizado. Nesse período da primeira até a segunda prova, tentei me manter o mais concentrado possível e montar uma estratégia para que eu conseguisse correr a minha melhor marca lá nos 200m. Tenho muita confiança nos meus segundos 100m, então ajustar o primeiro 100m é importante porque no segundo eu consigo ter uma boa performance. Eu consegui bater o recorde brasileiro na prova dos 100m, então automaticamente isso já me deu mais confiança para correr os 200m também.
Tu citaste que correu para 70 mil pessoas nos Jogos. Como foi para ti lidar com essa pressão na prova?
Tudo isso é um trabalho mental que a gente já vinha fazendo há um bom tempo, eu acho que isso me ajudou muito a não usar isso como algo ruim, já tinha na minha cabeça como que ia ser, já imaginava a torcida e tudo mais, e claro, antes da competição dá aquele frio na barriga, ainda mais porque o estádio treme, é toda uma galera gritando, mas na hora da competição eu consigo neutralizar tudo e correr, prestando atenção naquilo que eu tenho que fazer, é muito tranquilo.
O atletismo brasileiro conquistou 36 medalhas na Paralimpíada, como é também fazer parte disso, apesar de não ter trazido a medalha, mas estar inserido numa realidade como essa das principais potências paralímpicas que é o Brasil?
Eu fico muito feliz porque eu sei a dificuldade que é ser convocado para a seleção brasileira, eu demorei três anos para ser convocado, parece ser pouco, mas quando você trabalha todos os dias em busca de um resultado, três anos é muito tempo. Eu sei que estar lá é muito difícil, o Brasil só convoca quem tem real chance de medalha, por isso que tem um resultado muito grande também, então só de estar ali eu sei que eu sou mais que vencedor, apesar de não ter conseguido dessa vez trazer uma medalha, eu sei que eu tenho uma carreira longa pela frente ainda, muita coisa a evoluir, analisando as provas eu vejo que eu tenho muito a evoluir, muito a crescer, então só de estar ali é uma alegria muito grande mesmo.
A gente sabe que o esporte paralímpico é um esporte de muita longevidade. Como é que tu te vês assim a partir de agora?
Claro que Los Angeles é daqui a quatro anos, mas eu sempre olho aquilo que está ao meu alcance primeiro, vivo um dia de cada vez. Quero muito evoluir agora principalmente na prova dos 100m, porque o 200m vão ser consequência, mas eu me vejo um cara muito mais maduro depois dessa Paralimpíada. Quero cada vez amadurecer mais assim, para que eu consiga chegar lá em 2028 brigando por medalha. A participação é importante, ela é justa, porque a gente também sabe o tamanho da Paralimpíada, mas eu quero chegar lá em 2028 muito mais preparado, não só fisicamente, mas mentalmente, com uma estrutura muito melhor também, porque as coisas nesse ciclo aconteceram muito rápido.
Se a gente for botar no papel o início do ciclo foi 2021, a gente estava recém saindo de uma pandemia. Eu não tinha pista para treinar. Eu treinava na Redenção, na rua lá em Osório. O início do ciclo foi complicado. Quando eu tive a minha principal chance também foi complicado, devido a toda a função da enchente quando eu fui para o Mundial. Voltei de lá, não tinha lugar para treinar, ter que fazer tudo, ter que se adaptar, ter que trocar de casa. Tudo isso são coisas que eu vejo que de alguma forma poderiam ter uma estrutura melhor, não posso dizer que isso me atrapalhou, muito pelo contrário. Nunca vou usar isso como desculpa para dizer que o resultado não foi positivo, mas vejo que se a gente tiver um pouco mais de organização, um pouco mais de estrutura o resultado pode ser melhor.
Ontem a gente se encontrou num evento do Bolsa Atleta, ali no CETE, no lugar onde você treina. Qual a importância disso para ti e para a tua carreira?
É de grande importância, todo incentivo ao esporte é de grande importância, quando as pessoas enxergam o esporte como uma profissão, tudo muda. Hoje a gente já está conseguindo ter uma bolsa estadual, coisa que não tinha antes, eu vejo que não só para mim, que já estou hoje no alto rendimento, mas para quem está iniciando isso é muito importante. Eu treinei durante dois anos e três meses sem receber nenhum incentivo, muito pelo contrário, eu vendia minhas coisas para conseguir me manter no esporte. Imagina se eu já tivesse começado com um pouco mais de estrutura, talvez o resultado seria diferente, talvez eu conseguiria administrar algumas coisas melhores. Então, qualquer incentivo financeiro, ou seja, mesmo de incentivo de divulgação que for, eu vejo que já ajuda muito para um atleta, porque às vezes tu és atleta e tu está ali treinando, se dedicando e as coisas não estão acontecendo. Isso atrapalha muito o teu mental, a mesma coisa quando tu entras em uma grande competição e que tu sabes que aquilo ali não é só um resultado pessoal, mas também é um resultado financeiro. Eu sei que se eu não fico no top 8 do mundo, eu não ganho a bolsa que eu recebo hoje. Às vezes, as pessoas olham de fora e veem só o resultado pessoal, mas é muito mais do que o pessoal, é o meu trabalho, é o meu sustento de vida também. A ajuda financeira é muito importante.
A partir de agora, até o final do ano, o que tu tens de competição, o que tu planejas fazer?
Essa semana eu tenho uma semana de descanso, consegui uma semana de descanso. Também acho que é importante ter um pouco de descanso, porque faz quatro anos que eu estou sempre nessa mesma pegada. Mas, final do ano tem o campeonato brasileiro e eu vou correr. E, se Deus quiser, eu vou melhorar minha marca esse ano também, porque eu acho que ainda tenho muito mais para entregar e eu não quero perder esse momento agora que eu já estou embalado. Eu poderia abrir mão desse campeonato, mas eu não vou abrir, eu vou lá correr, porque eu acho que é importante para mim.
O que a Paralimpíada te ensinou?
Me ensinou muito que eu devo evoluir não só como atleta, mas como pessoa também. A questão de aprender mais outros idiomas, ter mais informação de coisas que vão me fazer crescer como atleta, como pessoa. Isso é muito importante, porque a gente também tem uma troca muito grande de cultura. A gente vê que às vezes a gente precisa sair da bolha para aprender um pouco mais. A gente vê países muito desenvolvidos, países que tem atletas que correm uma prova, outros que correm outra. E às vezes a gente que é brasileiro, a gente corre todas porque a gente precisa de uma oportunidade. Então, isso é muito importante a gente ver que tem outros países também a ser exemplo e que a gente pode aprender com isso. Que a gente pode evoluir como ser humano, como atleta e que isso é muito importante.
A tua família passou por dificuldades em virtude da enchente em Eldorado do Sul. Antes de te perguntar de como está a situação, eu quero te perguntar como é que foi representar o Rio Grande do Sul em um ano tão complicado para o estado?
Eu sempre levei isso como uma missão mesmo, de levar a força do estado do Rio Grande do Sul, de levar os princípios e os valores. Porque às vezes eu acho que o Brasil é muito conhecido pelo país do carnaval. Não que o carnaval não seja algo que tenha um grande peso, mas eu acho que a gente tem muitas coisas boas no nosso país, vários exemplos positivos. E o Rio Grande do Sul da mesma forma, eu sempre tento levar isso, os valores do Rio Grande do Sul comigo, um povo aguerrido, um povo forte. E é sempre isso que eu tento fazer mesmo, representar assim da melhor forma possível.
Como é que está a situação em Eldorado na tua casa?
A situação lá, hoje a nossa casa lá, a gente não está morando lá por enquanto, está reformando a casa ainda. Mas a situação já melhorou um pouco, eu até nem consegui retornar lá porque eu cheguei ontem, tinha um monte de coisa para fazer e tal. Mas creio que a situação está evoluindo e que a gente precisa também às vezes de alguém de relevância para botar os olhos ali e fazer as coisas acontecerem também. Porque a gente sabe que quem não tem uma condição muito boa às vezes acaba ficando por último na questão de recurso. E isso é uma das coisas que às vezes também me chateia e faz com que eu levante essa bandeira. Porque eu sei que às vezes demora muito a chegar o recurso para as pessoas que vêm de onde eu venho. E eu sempre tento ser um exemplo positivo para levar também os olhos para lá. E ver que a necessidade é de todos, a necessidade não é só de alguns, não é só de quem tem uma condição melhor. Tudo isso são valores que eu trago comigo.
Como é que tu analisas a tua prova dos 200 metros? O que tu acha que faltou? O que tu achas que podia ter acontecido diferente?
Eu vejo que a minha prova em si foi muito dentro daquilo, muito próximo daquilo que eu poderia entregar. Eu confesso que eu queria um pouco mais, mas a gente chega em uma competição muitas vezes já contando com algo a mais. Eu sou um cara que sempre fui muito iluminado, sempre fui muito abençoado. E na hora certa eu sempre entreguei mais do que eu tinha para entregar. E dessa vez eu não consegui fazer isso. Mesmo assim eu saí com uma visão de que eu entreguei tudo que eu poderia fazer. A competição também exigiu muito, foi uma prova forte de manhã e uma prova forte de noite. Então quando a gente tem uma semifinal de manhã e uma final de noite tem que ter muita estratégia também. Porque tu tens que dar uma segurada de manhã e ter energia para correr de noite, mas também se tu correres fraco tu não classificas. São muitas coisas que são aprendizados mesmo. São coisas que eu como atleta com certeza eu quero muito mais. Eu não quero ser quarto, ser quinto, não. Eu quero ser primeiro, segundo ou terceiro. Eu quero estar sempre ali entre os melhores, porque eu trabalho para isso. Eu acordo todo dia cedo, eu me dedico muito. E se eu faço isso com tanta vontade eu pelo menos tenho que tentar ser primeiro ou segundo. A minha cabeça já está lá em 2028. O meu foco já está em voltar a treinar de uma vez, por mais que eu sei que eu preciso de descanso. Eu quero muito isso, eu tenho um anseio de vencer. E eu acho que nada pode apagar esse sentimento que eu tenho dentro de mim, sabe? Porque eu acho que isso é bom, né?