O estádio mais antigo do Brasil abriga uma centena de cachorros. A arena de uma cidade arrasada serve de quartel general para o exército. Jogadores foram resgatados com água pelo peito. Locais de torcida viraram pontos de coleta. Entre a suspensão dos jogos até 2 de junho e o auxílio às comunidades das mais diversas formas, os clubes da Divisão de Acesso se preparam para o retorno. E calculam um prejuízo financeiro de pelo menos R$ 2,5 milhões.
Essas perdas se devem a diversos fatores. Houve quem precisasse reparar estruturas danificadas do estádio, como fiações, vestiários ou reerguer um muro. Outro gasto citado pelos clubes consultados por GZH foi o de retirar jogadores do alojamento e colocá-los em hotéis ou outras casas. E, claro, ficar sem partidas.
Com orçamentos já apertados, elaborados para durar exatamente o período do campeonato, qualquer adiamento pode gerar problema. Por mais que a promessa seja a de não prolongar a competição, é certo que a primeira fase já terminará depois do prazo inicial. Na prática, o mês seguiu existindo mesmo que sem renda de bilheterias, copa e, em alguns casos, patrocinadores (que também foram atingidos). E no retorno, algumas viagens terão de ser mais longas porque estradas ruíram pelo Estado.
Nenhum dos clubes, até o momento, indicou desistir do torneio. Mas todos sabem que a competição não será mais a mesma. Até agora, 100% dos estádios seguem aptos a receber os jogos, o que ajuda na reconstrução.
A Federação Gaúcha de Futebol pediu um auxílio à CBF. Foi redigido um documento com o levantamento dos clubes e a sugestão de recuperação. A entidade nacional teve um superávit declarado de R$ 238 milhões em 2023.
— Solicitamos apoio financeiro para os clubes. Será muito difícil darmos sequência a essas competições internas. As perdas dos clubes são imensas. Mas a FGF também teve. Com a receita das rendas dos jogos, bancamos muitas das competições, repassando algum tipo de apoio aos clubes da Série A-2 e da Copa da Federação.
Lajeado virou quartel general
Pela terceira vez em seis meses, Lajeado sofreu com a cheia do Rio Taquari. A cidade foi uma das mais atingidas pelas enchentes, inclusive a primeira a mostrar o tamanho do problema que o Estado teria de enfrentar. Mas, localizada em uma área alta do município, a Arena Alviazul, do Lajeadense, sobreviveu.
Na verdade, mais do que isso: o estádio virou, em primeiro lugar, ponto de abrigo. Logo depois, tornou-se um dos principais centros de donativos. A área da direção, dos vestiários e outras salas recebem doações de diversos locais. Agora, está em outra missão.
O estádio recebe o batalhão do Exército de Rosário do Sul. O grupo ajuda na retomada da cidade, especialmente com a construção de pontes e outras obras. Ao todo, 120 homens e alguns caminhões estão abrigados na Arena.
Jogadores do Aimoré foram resgatados
Dos 220 mil moradores de São Leopoldo, no Vale do Sinos, estima-se que 170 mil tenham sido diretamente afetados pela enchente. Dentre eles, cinco jogadores do Aimoré viram suas casas terem água até o telhado. O presidente do clube, Paulo Costa, também viveu essa situação. E outros oito atletas foram resgatados dos alojamentos.
Ao longo do dia, a água começou a subir. Alguns profissionais, como o atacante Guilherme Panambi, deixaram a pousada onde moravam enquanto o nível estava no joelho. Horas depois, o grupo seguinte teve de sair a bordo de botes e barcos.
O Aimoré chegou a ter 14 jogadores alojados no Estádio Cristo Rei, que sobreviveu intacto à enchente e também foi ponto de coleta de doações, com a instalações de galpões. Mas sem ter as condições ideais, a direção conseguiu passagens para levá-los a outras cidades. Pelo alto número de atletas atingidos, o clube terá uns dias a mais de preparação (o time tentou voltar aos treinos na quinta-feira, mas o retorno da chuva impediu as atividades).
Boca do Lobo é um abrigo de cães
No local dominado pela alcateia, há uma matilha. A Boca do Lobo virou abrigo para mais de 100 cachorros em Pelotas, na Região Sul, a última a ser atingida e também a última a sair da crise. O estádio mais antigo do Brasil é um centro de recuperação de animais.
Desde os primeiros dias da enchente, o EC Pelotas virou referência de abrigo para os bichos. Em pouco tempo, o setor embaixo da arquibancada estava lotado. Rival histórico, o Brasil-Pel também aderiu e recebeu cachorros. Voluntários se revezam nos cuidados.
Enquanto isso, o Pelotas viveu alguns sustos. O pior deles foi a falta de contato com um jogador cuja residência é em Eldorado do Sul.
— Ele tinha ido ajudar e não conseguimos mais nos falar. Então a família nos procurou para saber notícias. Aquilo nos apavorou. Mas felizmente tinha sido só falta de luz e de internet — contra o vice-presidente Vinícius Conrad.