Um dos itens mais importantes foi rejeitado pelo homenageado deste 26 de abril. Manga, cujo aniversário foi transformado em data especial graças a Raul Carlesso, o gaúcho pioneiro na preparação específica dos camisas 1, não era um entusiasta das luvas. Mas, neste Dia do Goleiro, GZH conta parte da história do material e como sua evolução acompanhou o crescimento da posição no futebol.
A história das luvas para goleiros no futebol é curiosa. Ainda no final do século 14, houve registro de uma patente de luvas na Alemanha, mas o projeto não saiu do papel. Os primeiros pares foram produzidos apenas na década de 1920 e o alemão Heiner Stuhlfauth, goleiro do Nuremberg FC, foi o primeiro a utilizá-los. Na época, as luvas eram feitas de lã áspera e ele fazia uso somente em dias de chuva, devido à bola ficar mais escorregadia.
No Brasil, o uso começou em 1930, quando Jaguaré, ídolo do Vasco, retornou do Barcelona e trouxe consigo um par de luvas de borracha. Félix foi o primeiro goleiro brasileiro a utilizar luvas em uma Copa do Mundo, justamente na grande final contra a Itália, em 1970, no Tri da Seleção.
Inicialmente, as luvas eram utilizadas apenas para proteção durante frio ou para auxiliar os goleiros a agarrar a bola nos dias de chuva. Geralmente, eram feitas de lã ou borracha, muito parecidas com as luvas dos operários. Ao longo do tempo, o látex começou a ser utilizado na confecção dos artigos. O principal motivo é que este material tem mais aderência e ajuda a bola a "grudar" na luva.
Apesar da importância do goleiro para o time, quase 60 anos depois de Jaguaré apresentar as luvas ao Brasil, havia pouca evolução do equipamento. Taffarel, herói do Tetra e atual treinador de goleiros do Liverpool e da Seleção, recorda como eram os itens nos juniores do Inter:
— Benítez (goleiro campeão brasileiro em 1979) era o treinador e nos deu uma luva Drible, que era mais parecida com uma luva de pedreiro. Tinha umas garrinhas, era toda de couro. Quando chovia e e ela secava, não era fácil colocar a mão dentro. Tinha que molhar de novo, senão não entrava. Ressecava totalmente.
A dificuldade, porém, ajudou-o a aprimorar as técnicas da posição. Sem o conforto das luvas atuais, os goleiros da época precisavam se desdobrar para impedir os gols adversários.
— O material, realmente, não te dava nada. Hoje em dia é diferente, a luva é feita de um material que serve para a chuva e para o seco. Tem uma aderência muito boa. Quando subi para o profissional no Inter já existia esse material melhor. Mas acredito que aquele processo inicial me deu uma confiança muito grande. Quando tu usavas uma luva de muita qualidade sentia a diferença — explica.
Salto tecnológico
O salto da tecnologia foi sentido pela geração seguinte a de Taffarel. O processo ficou automatizado e estudos apontaram para as novas necessidades. Uma luva, agora, envolve muitas demandas.
No Rio Grande do Sul, a Difai é uma das empresas dedicadas a essa tarefa. Original de Lajeado, no Vale do Taquari, a marca fornece luvas para goleiros como Felipe, ex-Flamengo e hoje no Sampaio Corrêa, e Gustavo Lacerda, do Porto. Segundo o proprietário, Janilson Abdala, o processo consiste em diversas etapas.
— A primeira é o molde. Depois, a equipe técnica de marketing e pesquisa investiga as tendências do mercado. Um software faz o desenho. Entra, a seguir, a escolha dos materiais, sendo o látex o principal, que vai na palma, onde tem a aderência com a bola. Os tipos de látex influenciam no grip (a cola que segura a bola na palma da mão) — explica, antes de complementar:
— Isso faz toda a diferença entre uma luva boa e uma luva mais simples. Encerradas essas etapas, fazemos uma luva teste. Na fabricação, já colocamos tudo que levamos em consideração pelo gosto dos goleiros. Então, mandamos para eles essas amostras, fazem o teste de campo para nos dar um feedback. Corrigimos o que for sugerido e colocamos para produção em grande escala.
Cada goleiro tem suas particularidades na escolha da luva. Alguns querem mais conforto, outros priorizam o grip. Por isso, as marcas se preocupam em fazer modelos diferentes para tentar agradar ao público. Entre as diferentes luvas estão a rollfinger, com o dedo maior, que dá mais amortecimento à bola. Existe também a luva com o corte negativo, bem justa nos dedos, e a palma não é tão grossa, o que aumenta o contato com a bola. E tem ainda um modelo com cinta dupla, que faz duas voltas no punho e protege mais a área do pulso.
O goleiro Raul, que se destacou no Gauchão pelo São Luiz e agora está, coincidentemente, no Botafogo de Manga, não tem dúvidas sobre suas prioridades na hora de escolher a luva:
— Prezo por conforto e durabilidade. Como a Série A é um campeonato longo, a gente tem bastante jogos, então preciso disso.
Raul e outros goleiros da elite do futebol nacional recebem pares de seus patrocinadores. Por isso, fazem um rodízio entre as luvas. O goleiro do Botafogo tem um método para mantê-las todas prontas.
— Costumo usar as luvas mais novas nos jogos. Uso uns dois ou três treinos antes, para tirar aquela proteção que ela tem. Isso também ajuda o grip. E as mais velhinhas, que já usei mais vezes, são só para os treinos. Depois, pego uma nova para as partidas e assim vai — relata.
Com essa tecnologia, até mesmo um resistente às luvas, como foi Manga no início da carreira, possivelmente se renderia. E passaria o Dia do Goleiro (ou seu aniversário, como preferir) com os dedos mais inteiros.
Manga não usava luvas?
Tem um pouco de mito na história de Manga não usar luvas. Haílton Corrêa Arruda, o pernambucano que completa 87 anos neste 26 de abril, aparece com o material em diversas fotos a partir dos anos 1970.
No Botafogo, em seu começo de carreira, de fato, ele não usava. Na Copa do Mundo de 1966 também atuou sem a proteção. Até por isso, inclusive, ficou com os dedos tortos, uma marca registrada.
Mas, quando saiu do Rio e se transferiu para o Nacional-URU, passou a vestir o equipamento. No Inter e no Grêmio, na metade da década de 1970, aparece com as luvas em todas as fotos.
* Produção: Bruno Flores.