A Operação Bet, realizada pela Polícia Civil nesta quarta (19), trouxe importantes avanços para as investigações sobre manipulação de resultados no futebol do Rio Grande do Sul. Um deles foi a confirmação da suspeita de que integrantes da facções criminosas fazem partes das quadrilhas especializadas em apostas esportivas. A outra é que alguns jogadores são mantidos em condições degradantes como forma de pressão a ceder às exigências dos apostadores durante os jogos.
A aparição de membros de grupos criminosos ligados a outros tipos de crimes foi confirmada na investigação policial que cercou um núcleo de apostadores do futebol gaúcho e catarinense. Durante as apurações, os policiais descobriram que, após um dos atletas cometer uma falha e não cumprir o que havia sido combinado, ele recebeu ameaças que incluíam envolver a facção na punição.
— O tom da conversa não deixa dúvida sobre a influência dos grupos também nesse tipo de crime — apontou o delegado Gabriel Bicca, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil.
Outro crime que se misturou ao da manipulação de resultado foi descoberto na manhã desta quarta-feira. O delegado Marco Antônio Souza, diretor do Grupamento de Operações Especiais da Core, afirmou:
— Pudemos comprovar que ao menos um dos investigados tinha ligação com jogo do bicho.
Além dos crimes de manipulação em si, houve outro aspecto que chamou a atenção da polícia. Trata-se da condição degradante na qual estavam alguns dos atletas que faziam parte dos times envolvidos no esquema.
— Foi terrível ver a condição em que estavam, uma questão de desumanidade — resumiu o diretor da Core, delegado Bolívar Llantada.
Segundo a polícia, jogadores eram ludibriados pelos empresários. Eles prometiam levá-los para um mercado atraente, como o gaúcho, um pagamento de salário compatível com a competição que disputariam, alojamento de boa qualidade, refeições e condições para treinar. Os atletas, quando chegavam, encontravam locais insalubres, sem comida, sem higiene e sem vencimentos. O dinheiro só era depositado quando os jogadores faziam o que os empresários exigiam, como gol contra, pênalti ou alguma facilitação aos adversários.
— Quando começaram a aumentar as investigações e o assunto passou a ser público, tratado pela imprensa, alguns desses investidores foram embora e abandonaram os meninos à própria sorte, sem qualquer dinheiro e com dívidas nos alojamentos — completou Bicca.
Para o delegado Marco Souza, o caso ainda poderá ser enquadrado como crime de trabalho análogo à escravidão. A situação ainda é estudada pela polícia.
As pessoas investigadas fazem parte da quadrilha que comandou ao menos cinco times entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O modo de ação é conhecido. Eles se apresentavam como investidores e terceirizavam os departamentos de futebol de clubes filiados às federações, oferecendo valores que giravam entre R$ 40 mil e R$ 60 mil, alegando tirar o lucro em futuras vendas de atletas.
Mas quando os campeonatos começavam, suas equipes perdiam sistematicamente, de acordo com as apostas realizadas em sites. O núcleo alvo da operação desta quarta-feira operou no Farroupilha-Pel, no Santo Ângelo, no Tamoio, no Sapucaiense e no Orleans-SC.
A Operação Bet foi realizada em Canoas, Sapucaia do Sul, Nova Prata e Pelotas. Ao todo, 20 mandados foram cumpridos, com apreensão de notebooks, celulares e documentos. Mais de 65 agentes, entre policiais civis e da Polícia Rodoviária Federal, participaram da ação, que contou até com um helicóptero.
Segundo o delegado Bicca, houve "irrestrito apoio" da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), cujo presidente Luciano Hocsman participou da entrevista de apresentação dos resultados da operação.