Após quase um ano de frustrações e medos em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o gaúcho Moisés Santana Brisolla, 20 anos, conseguiu retornar ao Rio Grande do Sul nesta semana. O atacante desembarcou em Porto Alegre na terça-feira (30), após deixar o país asiático com o apoio da embaixada brasileira sob as alegações de exploração de trabalho e restrição às suas liberdades.
Nascido e criado no bairro Cavalhada, na zona sul de Porto Alegre, ele afirma que foi levado a Dubai em julho de 2022 pelo empresário Wilson Tuia. Na época, Moisés jogava no sub-20 do Água Santa, no interior de São Paulo. A promessa, segundo ele, foi de um contrato com o clube Al Rams, da primeira divisão dos Emirados Árabes.
— Ele me chamou pra ir para Dubai, falou que essa oportunidade era única, uma vida de sheik, que eu teria casa, carro, muito dinheiro e que eu poderia dar um carro pra ele e ajudar minha família aqui no Sul — conta o jovem.
Contudo, segundo o jogador, após algumas semanas treinando no clube, ele descobriu que havia sido levado ao país apenas para realizar testes. A situação se confirmou quando o atacante foi dispensado e precisou deixar o hotel oferecido pelo Al Rams.
— Fui percebendo que era uma avaliação. Que tudo que o empresário falou, que era um contrato definitivo, vida de sheik, receber salário, tudo do bom e do melhor, não existia. Era avaliação. Eu fiquei lá no clube treinando, jogando, até que acabou e eu fui dispensado — afirma.
Sem moradia em Dubai, Moisés procurou Michel Mrad, proprietário de uma fábrica de produtos estéticos na cidade. Moisés havia sido apresentado a Mrad pelo empresário Wilson Tuia logo em sua chegada a Dubai. Conforme o atleta, lhe foi oferecido um quarto no apartamento de Mrad, e esse passou a explorar o seu trabalho, diariamente.
— A gente acordava às 7h, ia (para a fábrica) e ficava até 23h (trabalhando). E quando ele (o proprietário) não ia, ele mandava o funcionário da fábrica me buscar para trabalhar. Nunca teve salário, nunca teve dinheiro — diz Moisés.
A Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar se os eventos relatados por Moisés se configuram como tráfico internacional de pessoas. A abertura da investigação se deu após a PF tomar, na terça-feira (30), o depoimento de Moisés, já em solo brasileiro. Não há prazo para conclusão do inquérito.
Durante a investigação, a Polícia Federal também deverá analisar o caso de outro brasileiro, citado por Moisés. Segundo o gaúcho, um jovem também mantém relações de trabalho com o mesmo grupo em Dubai.
A suspeita de que Moisés tenha sido vítima de trabalho escravo não será avaliada pela PF. A instituição aponta que a apuração desse tipo de ilegalidade é competência do país onde ocorreram os supostos fatos.
Em março deste ano, segundo o jovem, após seguidas cobranças por uma passagem de volta ao Brasil e pelo pagamento de seus direitos trabalhistas, ele fugiu do local e buscou apoio na embaixada brasileira nos Emirados Árabes. A volta ao Brasil foi intermediada pelo Itamaraty e pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, instituições acionadas por um parente de Moisés.
— Foi um alívio. A sensação de estar vivo, de que você não deve confiar nas pessoas, que muitas pessoas más podem brincar com o teu sonho. Eu tinha medo de morrer, de ele me mandar para outro país, de não ver minha família — conta o atleta.
Ouvidos pela Folha de S. Paulo, os empresários têm versões diferentes. Tuia admite ter sido o porta-voz com o Al Rams, mas alega que o jogador sabia se tratar de teste. E que fez o convite por acreditar no potencial de Moisés. Já Mrad diz ter hospedado o atleta por solidariedade, algo que já fez em outros casos, mas nega ter empregado Moisés.
A versão do atleta, porém, mobilizou a família. Em março, um tio do jogador apresentou uma denúncia à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa relatando o caso do jovem e pedindo ajuda para trazê-lo de volta ao país. Com ajuda do Itamaraty e da comissão, a passagem de retorno foi comprada, e a multa por ele estar na condição de imigrante ilegal no país foi quitada.
— O que é muito evidente é o risco dessas rotas de tráfico de pessoas, que já havíamos identificado nos casos nacionais, e que para nós agora também aparece em outras cadeias produtivas — avalia a presidente da Comissão de Direitos Humanos da AL-RS, Laura Sito (PT).
GZH procurou o Itamaraty, que afirmou que "acompanhou de perto o caso, tendo mantido interlocução com as autoridades emiráticas" e que "prestou assistência consular ao cidadão brasileiro, que foi repatriado no último dia 29".
*Colaborou: Cid Martins