O ex-piloto Nelson Piquet foi condenado em primeira instância a pagar uma indenização de R$ 5 milhões por falas racistas e homofóbicas dirigidas ao piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton, da Mercedes, em entrevista a um canal do Youtube.
A decisão, desta sexta-feira (24), é do juiz Pedro Matos de Arruda da 20ª Vara Cível de Brasília. Ele atendeu a uma ação impetrada pelas entidades Aliança Nacional LGBTI, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas, Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de SP e FAecidh.
As associações alegaram que Piquet violou direito fundamental difuso à honra da população negra e da comunidade LGBTQIA+ ao se referir em comentário a Hamilton como "neguinho" e ao proferir falas homofóbicas contra os também pilotos Keke e Nico Rosberg.
— O "neguinho" meteu o carro. O Senna não fez isso. O Senna saiu reto — comentou ao comparar um acidente envolvendo Hamilton em 2016 e o acidente envolvendo Ayrton Senna e Alain Prost, no GP do Japão em 1990.
Em seguida, o ex-piloto foi questionado sobre o que pensava sobre a temporada de 1982 da Fórmula 1, que consagrou Keke Rosberg como campeão.
—O Keke (Rosberg)? Era um bosta, não tinha valor nenhum. É que nem o filho dele (Nico, campeão mundial em 2016). Ganhou um campeonato… O neguinho devia estar dando mais c* naquela época, aí estava meio ruim — declarou.
As associações argumentaram que houve a prática velada de ato racista e homofóbico, afetando "o direito de toda a sociedade de não se ver afrontada por ações dessa natureza", o que extrapolaria os limites da liberdade de expressão.
Em sua decisão, o juiz Pedro Matos de Arruda ressaltou o potencial de alcance e influência da fala do piloto brasileiro. "Esta ofensa é intolerável. Mais ainda quando se considera a projeção que é dada quando é uma pessoa tão reconhecida e tão admirada como o réu", escreveu.
Quanto ao valor da indenização e aos critérios de apuração, o juiz levou em consideração o fato de Piquet ter feito doações para a campanha de reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, no valor de R$ 501 mil. Como a Lei nº 9.504/97, da Justiça Eleitoral, limita as doações e contribuições a campanhas eleitorais a 10% dos rendimentos brutos, o juiz considerou que Piquet teria arrecadado em 2021 mais de R$ 5 milhões.
"Considerando que o réu se propôs a pagar mais de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para ajudar na campanha eleitoral de um candidato à presidência da república, objetivando certamente a melhoria do país segundo as suas ideologias, nada mais justo que fixar a quantia de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) - que é o valor mínimo de sua renda bruta anual - para auxiliar o país a se desenvolver como nação e para estimular a mais rápida expurgação de atos discriminatórios".
Entenda o caso
Trechos de uma entrevista concedida por Nelson Piquet ao canal do YouTube Motorsports Talks em novembro de 2021 ressurgiram nas redes sociais em julho do ano passado. Na conversa, o tricampeão mundial tece comentários racistas e homofóbicos em relação a Lewis Hamilton, a quem classificou como "neguinho".
Os comentários de Piquet viralizaram na internet e foram respondidos com repúdio pela maior parte do público da Fórmula 1. Pilotos, equipes, jornalistas e fãs condenaram a atitude do piloto brasileiro, defendendo Hamilton e afirmando que não havia mais espaço para esse tipo de comportamento no esporte.
Depois da repercussão, o tricampeão mundial se retratou em nota. O brasileiro se desculpou com "todos que foram afetados, incluindo Lewis, que é um grande piloto, mas a tradução em algumas mídias e que agora circula nas redes sociais não é correta".
Porém, entre a mudança de posicionamento do ex-piloto, novas frases disparadas por ele na entrevista foram descobertas. O Site Grande Prêmio teve acesso à integra do diálogo, e em outro trecho, Piquet volta a citar a expressão racista, além de adicionar afirmações de cunho homofóbico. O vídeo foi retirado da internet.
Assim que o tema ganhou corpo, Hamilton utilizou sua conta no no Twitter para se manifestar contra o brasileiro. "É mais do que linguagem. Essas mentalidades arcaicas precisam mudar e não têm lugar no nosso esporte. Fui cercado por essas atitudes e virei alvo disso ao longo de toda minha vida. Houve muito tempo para aprender. Chegou a hora da ação", escreveu.
A FIA se posicionou, afirmando que "condena veementemente qualquer linguagem e comportamento racista ou discriminatório, que não tem lugar no esporte ou na sociedade em geral." A Fórmula 1 também saiu em defesa de Hamilton. "A linguagem discriminatória ou racista é inaceitável sob qualquer forma e não tem parte na sociedade. Lewis é um embaixador incrível do nosso esporte e merece respeito".