Nascida em 20 de dezembro de 1999 em Santana do Livramento, cidade a 498 quilômetros de Porto Alegre, Denise Gomes, ou somente "Dee", para os mais próximos, nunca teve vida fácil. Vinda de uma família de 12 irmãos, começou a trabalhar cedo para ajudar a família.
Hoje, aos 23 anos, a gaúcha mora nos Estados Unidos. Como em conto de fadas, conquistou espaço no Ultimate Fighting Championship, o UFC, maior evento de MMA do mundo.
Em entrevista para GZH, ela conta como foi conquistar o contrato com o Ultimate, bastidores da primeira luta dentro da organização, preparação para encarar uma compatriota em abril deste ano e os próximos objetivos na carreira.
Como é estar no UFC?
É muito louco. É quebrar barreiras. Receber um sim depois de muitos nãos. Ao mesmo tempo sinto que ainda não venci, sei que tenho um caminho longo pela frente. Preciso pensar de forma humilde.
Tu conseguiste o contrato com o UFC vencendo Rayanne dos Santos em agosto do ano passado no evento Dana White's Contender Series. Como foi saber que tinha vencido a luta e levado o contrato com o Ultimate?
Quando a luta terminou eu estava na adrenalina, tanto é que sabia que tinha vencido, mas precisava ouvir o anúncio oficial. Na hora que saiu a decisão fiquei muito feliz, era um sonho que estava se realizando, uma alegria sem tamanho.
O Dana White (presidente do UFC) conversou contigo após a luta?
Depois da luta, ainda na adrenalina, fiquei sentada e quieta esperando pelo anúncio. Dentro do meu coração eu sabia que tinha vencido, mas estava muito pensativa, de "cara amarrada". Aí do nada ele (o Dana) aparece e pergunta sobre a minha "cara braba", porque estava assim se sabia que tinha levado o contrato, mas na verdade eu estava com muita adrenalina (risos). Ele disse que eu podia respirar aliviada, que eu tinha merecido muito a vitória e o contrato.
Quais foram as principais mudanças que você sentiu desde que assinou com o UFC?
Desde que me mudei para o Rio eu tinha uma vida de atleta. E lá no Rio trabalhava com cortes de cabelo, então essa era minha renda para comer e treinar. Foi a ponte para que eu chegasse até aqui. Aqui nos EUA (no Instituto de Performance do UFC) eu tenho fisioterapia, preparação física específica, alimentação e suplementação, por exemplo. Mas até a minha luta em abril quero voltar ao Brasil.
Pego de exemplo dois dos meus irmãos, que estão no Rio agora. Quando soube que eles tinham lutado e vencido, chorei muito. Só Deus sabe tudo o que passamos. Já tive irmão meu preso, usando drogas. Também já usei drogas. Então vê-los assim, buscando algo a mais na vida, traz um alívio
DENISE GOMES
Como que vai funcionar o retorno? Vai conseguir manter toda a estrutura que o UFC te deu nos EUA?
Algumas coisas terei de arcar de forma independente. Mas nutrição e suplementação, por exemplo, a organização vai manter. Já a parte de alimentação e fisioterapia será por minha conta. Mas são coisas que, graças à Deus, consigo fazer de forma tranquila.
Tua estreia no Ultimate foi menos de um mês depois de acertar o contrato (assinou em 23 de agosto e a primeira luta foi em 17 de setembro). Como foi aceitar essa luta de última hora e o que faltou para conseguir a vitória?
Eu já tinha feito isso uma vez (pegar a luta de última hora), e na ocasião venci, até hoje não sei como. Mas foi a vontade de Deus. Contra a Loma Lookboonmee eu não me preparei direito, ainda estava me recuperando da última luta. Não tive tempo. Meu mestre chegou em mim e perguntou se eu queria essa luta, disse que sim. Talvez tenha faltado maturidade, precisasse esperar um pouco mais. Mas várias coisas passaram pela cabeça, a gente precisando de grana, e eu também com sede de luta. Os treinos começaram bem, mas no dia do evento eu estava fraca, sem força para nada. Me faltou maturidade, deveria ter conhecido melhor meu corpo, me preparado. Fiquei muito triste por ter perdido, mas sempre tento ver o lado bom. Aprendi muito com essa luta. Melhor aprender agora do que perder de novo lá na frente.
O teu retorno ao palco do Ultimate vai ser no dia 15 de abril, contra a estreante Bruna Brasil. Como que tu estás te preparando para essa luta e como a Karol Rosa (lutadora do UFC e casada com Denise) ajuda na preparação?
Estou na preparação, entrando no ritmo aos poucos. A Karol me ajuda em tudo, me ensina muito. É essencial pra mim. Aqui tenho ela como pilar de treino. Ela esteve sempre ao meu lado nos campos, me manteve calma. Conhecemos a Bruna porque ela já foi atleta da Paraná Vale Tudo (equipe da Denise), mas nunca cheguei a treinar com ela. Karol conhece ela, então me passa algumas coisas. As outras meninas estão me ajudando nos treinos. E a ansiedade da estreia já passou, tenho isso na cabeça. O negócio é lutar e ser feliz, não importa onde.
A disputa na divisão peso-palha feminino é acirrada. Temos, por exemplo, as chinesas Weili Zhang (atual campeã) e Xiaonan Yan, as tuas compatriotas Marina Rodriguez, Mackenzie Dern, Jéssica Bate-Estaca e a Amanda Lemos. Tu já paraste para pensar que, ganhando no dia 15 de abril, emplacando depois uma segunda vitória na sequência, você pode enfrentar uma destas atletas?
Já lutei Muay Thai contra a Marina uma vez, em Esteio. Foi em 2019, uma grande luta. Não peço nada fácil para Deus, mas minha fé está acima de tudo. Chegando lá, vou ter muito orgulho de mim. Vou conseguir um dia, não vai ser fácil, mas vou chegar lá.
Mas se olharmos pra tua trajetória já é de dar orgulho. Sai de Santana do Livramento, vive em Sapucaia do Sul, depois São Leopoldo. Aí migra pro Rio de Janeiro, e agora Las Vegas. A grande maioria dos atletas é de origem humilde.
Tenho 11 irmãos, sendo que seis são mais novos do que eu. Então havia muita pobreza e falta de educação. Só fui estudar aos 11 anos, já trabalhava para ajudar a minha mãe. Tivemos muita dificuldade. Cheguei a abandonar o jiu-jitsu na adolescência, mas depois percebi que aquele era meu caminho. Sempre fui forte e humilde. Quero ter um projeto social no Sul para as crianças que não tem apoio. Fui ajudada por algumas pessoas, então nada mais justo do que passar isso adiante. Pego de exemplo dois dos meus irmãos, que estão no Rio agora. Quando soube que eles tinham lutado e vencido, chorei muito. Só Deus sabe o que passei. Já tive irmão meu preso, usando drogas. Também já usei drogas. Então vê-los assim, buscando algo a mais na vida, traz um alívio.
Acredito que todo atleta brasileiro sonha lutar em casa. Você alimenta esse objetivo? Temos dois estádios espetaculares em Porto Alegre.
Nossa, é o meu sonho. Ia poder levar a minha mãe, meus sobrinhos e todos os meus irmãos. Eu não me sentiria nervosa de lutar em casa, pelo contrário, ficaria muito feliz. Sou colorada, mas lutaria em qualquer lugar (risos).
Para encaminhar o fim do nosso papo, quer deixar uma mensagem pra quem está lendo esta matéria?
Até pouco tempo atrás estava no Rio Grande do Sul entregando panfleto, pedindo moeda na rua. Hoje tô aqui em Las Vegas participando dessa Rádio. Seja qual for o teu sonho, olha pra frente com objetivo, passa por isso. É melhor ter uma história de superação do que uma de "nem tentei", de arrependimentos. Tenta de tudo que vai dar tudo certo. Espero que quem esteja lendo isso, que leve essa mensagem para o coração.