"É trilegal né! Bah, tô muito feliz !". Foram com essas palavras que Mayra Aguiar atendeu à reportagem de GZH, logo após deixar o pódio com sua terceira medalha de ouro, em um Mundial de judô. A conquista veio nesta terça-feira (11), em Tashkent, no Uzbequistão, quando ela venceu a chinesa Ma Zhenzhao na decisão.
A primeira atleta do Brasil a se sagrar tricampeã do mundo da modalidade, entre homens e mulheres, agora soma sete pódios neste evento, já que também uma prata e três bronzes. Desde sua primeira medalha em 2010, quando foi à final contra a americana Kayla Harrison, Mayra só não esteve entre as três primeiras colocadas em três edições. Neste período, ainda ganhou três bronzes olímpicos.
— Desde o começo da competição e até antes, o mês que antecedeu a competição, meu planejamento foi muito bem feito. Eu fiquei muito feliz com tudo que eu planejei. Deu certo. Eu mudei muita coisa e deu certo. Eu estou feliz por isso também. A competição foi ótima. Foi dura, como qualquer mundial, tanto física quanto psicologicamente é uma competição que exige muito. Mas deu tudo certo e estou muito feliz com o processo, com a competição e o terceiro título — disse Mayra.
Confira a entrevista exclusiva de Mayra Aguiar para GZH:
O que a experiência tem te ajudado nestas competições, como Olimpíadas e Mundial?
Experiência é tudo. Hoje eu consigo conhecer meu corpo. Eu sei o quanto eu posso exigir, o quanto precisa do descanso, a recuperação e um treino de qualidade. Hoje eu faço um treino não só de quantidade, mas voltado para qualidade mesmo. Essa experiência vale ouro. Fica um caminho mais leve, mais tranquilo mentalmente. Claro que tem uma pressão, uma exigência, a cada título, medalha, é uma pressão maior ainda. Mas hoje eu consigo lidar melhor com isso, aproveitar esse caminho, porque é o que amo fazer. Esse dia a dia, a superação, as dores. Isso é o que amo, o que eu gosto, me sinto bem feliz. Então é achar a paz, a felicidade no dia a dia e eu venho achando isso.
Vamos falar das lutas neste Mundial. A estreia diante da croata Petrunjela Pavic...
As minhas primeiras lutas de uma competição normalmente são aquelas em que o pulmão sai rasgando, vem queimando sangue. O corpo está nervoso, está exigindo mais. Eu tinha aquecido bem, mas luta é luta, jogo é jogo. Era uma menina que eu já tinha lutado, já sabia o que ela poderia fazer. Mas eu foquei em todas as lutas que eu tive, no que eu poderia fazer e não no que elas poderiam fazer. E nessa competição esse foi o diferencial. Eu estava com a cabeça voltada para o que eu precisava fazer. Claro que tem estratégia para cada atleta, mas sempre com o foco no que eu precisava fazer na hora da luta.
Depois veio o ippon em 38 segundos contra a cazaque Aruna Jangeldina ...
Também era um detalhe que eu melhorei. Um erro, eu sou muito afoita. Eu gosto muito de atacar, ir pra cima. Só que elas esperam muito isso de mim, de eu sair atacando, entrar com a pegada primeiro. Nessa competição, em todas as lutas, eu esperei um pouco elas também entrarem com golpe e a pegada chegar com a minha. Isso foi um diferencial. Esperar e reverter os golpes delas.
E aí veio a luta com a atual campeã olímpica, a japonesa Shori Hamada. Dá pra dizer que foi um clássico. Foi uma luta muito estudada, de estilos diferentes. Como você planejou?
Foi uma espera. Aguardar e segurar a manga dela. Ela não esperava e ficou bem incomodada com aquela manga que eu segurei dela. Eu já tinha treinado para essa atleta, que tem um ne waza (luta de chão) fortíssima. É a melhor qualidade dela. Eu sabia muito disso e eu treinei isso com o Moacir Mendes lá na Sogipa. Fazemos dois treinos de chão por semana. Eu melhorei muito essa parte. Não consegui pegar no chão, não ganhei ali. Mas a defesa é muito importante. Ficar sempre ativa. E me veio a voz dele na competição "sempre ativa, defesa". E isso foi muito legal, saber que o trabalho está sendo muito bem feito e que as pessoas que estão comigo são muito boas, que estão vivendo o sonho junto. Essa luta foi essa estratégia de conseguir matar a manga e ficar bem esperta no chão.
E depois veio uma alemã, a Alina Böhm, atual campeã europeia, que tinha passado pela atual campeã mundial, a Ana Maria Wagner, que te derrotou na Olimpíada de Tóquio. Você chegou mais tranquila a esta luta por ter vencido a Hamada anteriormente?
Não. Quando eu entro em um competição, sempre tenho o objetivo de ganhar todas as lutas e coloco isso muito forte na minha cabeça. Era mais uma luta que eu tinha de ganhar. Isso ajuda a não desfocar. Senão eu poderia pensar "vou ser tricampeã do mundo, que loucura" e aí ficar nervosa. Tento cortar o "se". Cada vez que vem esse pensamento eu corto. Cada luta é uma luta diferente, nova, é uma final. É uma atleta fortíssima, que eu não tinha enfrentado ainda. Ela é atual campeã europeia e essa competição é muito forte. Então eu precisa estar ligada, esperta. Mas eu consegui matar o jogo dela também. Consegui pegar a manga. Esperei ela chegar. Uma estratégia de uma luta que eu não conhecia, que não sabia como seria, mas que consegui dominar e fiquei tranquila na luta.
A final foi contra uma atleta que você já tinha enfrentado duas vezes, com uma vitória e um derrota no Mundial de 2018, a chinesa Ma Zhenzhao, que é bem alta.
É uma atleta nova, é gigante, bem grande mesmo. Tem atletas na minha categoria bem altas e é uma dificuldade pra mim porque eu não tenha na Sogipa ou no Brasil, atletas tão altas. Tem uma ou outra. Então o que fizemos foi juntar essas atletas. Antes de viajar para a França, onde fizemos a aclimatação, nós fizemos um treinamento com essas atletas, o que foi essencial para eu pegar esse estilo e ficar tranquila pra lutar com uma atleta maior. Eu sempre fui alta, até a mais alta da categoria também. Hoje não, as meninas são bem altas e esse diferencial de treinar com elas foi muito bom. E também na Sogipa eu faço umas trocas de pegada, não faço luta real, porque senão os caras me amassam com uns caras altas. Saio na porrada com eles, na mão mesmo, pra ter essa tranquilidade na pegada. Porque é bem diferente, a estatura, pra conseguir jogar, ficar com uma pegada forte. Foi uma luta dura, eu sabia que seria difícil, mas estava focada, com muita vontade mesmo.
Dos nove títulos do Brasil, seis são da Sogipa. Os teus três, dois do João Derly e um com o Tiago Camilo. Não dá brincar né?
A gurizada é braba. A gente tem um time muito bom mesmo, de pessoas, atletas com vontade, com o mesmo objetivo. Toda nossa comissão, os técnicos, todos com o mesmo objetivo e isso deixa um clima agradável.
E a mordida que a Ketleyn Quadros levou da chinesa ? Felizmente contigo não teve isso.
Sabe que eu não vejo as lutas (dos outros) porque eu fico muito nervosa. Mas as chinesas tem essa mania, de morder. Já aconteceu e foi no 63kg também. Pode ter sido até a mesma.
O que tu quer dizer pra quem ficou aqui em Porto Alegre torcendo por ti e vibrando com esse tricampeonato?
Eu "tô" muito feliz. Estou louca para voltar para casa, para Porto Alegre. É minha paz, onde me sinto bem, feliz. A galera torce muito. Me veem na rua e comentam "Eu te vi, parabéns, vai com tudo, continua assim". É o melhor povo não adianta, a gente tem isso (risos).
Daqui a dois anos vai sair o ouro olímpico em Paris ?
Com certeza. Vamos lá buscar esse ourinho aí para nós.