Enquanto Palmeiras e Santos buscam o título da Libertadores, o Brasil já garantiu presença no Mundial de Clubes, que será disputado no mês de fevereiro deste ano, no Catar. Quem já está com o passaporte carimbado é a árbitra Edina Batista, que entrou para a história com a convocação para trabalhar no torneio.
A paranaense comandará o primeiro trio feminino de arbitragem em uma competição de futebol masculino profissional da Fifa. Ela estará ao lado de outra brasileira, a assistente catarinense Neuza Inês Back. Quem completa o trio feminino sul-americano é a argentina Mariana de Almeida.
Edina Batista ingressou no quadro da Fifa como árbitra central em 2016 e apita jogos da Série A desde 2019, quando se tornou a primeira mulher após 15 anos a comandar partidas da elite do Brasileirão.
Prestes a se tornar a primeira mulher a apitar o Mundial de Clubes, ela falou ao programa Show dos Esportes, da Rádio Gaúcha, sobre a expectativa para a competição e lembrou os obstáculos que precisou superar ao longo da carreira para realizar o sonho de ser árbitra de futebol.
O que representa ser a primeira árbitra convocada uma competição oficial de futebol masculino profissional da Fifa?
Para mim, é muito gratificante. É uma honra poder representar o nosso país em um evento desta grandiosidade do futebol.
O que você acha que significa essa atitude da Fifa de convocar árbitras para uma competição deste patamar? Será que na Copa do Mundo do Catar em 2022 isso pode ocorrer também?
A Fifa vem colocando mulheres nos eventos desde 2017. Isso ocorreu na Copa do Mundo sub-17 e no Mundial sub-17 (em 2017 e 2019, respectivamente), e eu até estive presente como árbitra reserva. Agora, veio a escala para este evento de tanta grandiosidade. O meu nome e o da Neuza (Back) estão lá. Simplesmente as coisas vêm acontecendo. A Fifa e a CBF estão dando oportunidade para quem tem capacidade. Nada caiu do céu, nem para mim nem para a Neuza. Eu tenho praticamente 20 anos de carreira. Lutei muito para chegar onde cheguei. Agradeço a todas as pessoas que me ajudaram, a todos que torceram por mim e aos brasileiros que mandaram mensagem quando eu estava na Copa do Mundo Feminina. Isso nos ajuda a fortalecer ainda mais a nossa vontade de fazer nosso melhor. Não estarei lá representando a Edina. Estarei lá representando o Brasil e a nossa arbitragem. Como temos o melhor futebol do mundo, também queremos ter a melhor arbitragem do mundo. Pode ter certeza de que não mediremos esforços para trabalhar e chegar lá preparadas.
A escolha do teu nome para o Mundial de Clubes foi por iniciativa da Fifa ou foi por recomendação da CBF?
A Fifa vem acompanhando todas as árbitras e árbitros do mundo. Eles selecionam os árbitros que eles acham os melhores. Não é indicação. Eles vêm acompanhando. Eu já tenho torneios da Fifa e tenho eventos da Conmebol. Tudo isso é um acompanhamento, e você tem de ir bem. Ninguém cai de paraquedas em um evento da Fifa. A única coisa que temos que agradecer é à nossa confederação, que dá espaço e oportunidade através do trabalho do Rogério Caboclo (presidente da CBF), do Leonardo Gaciba (chefe de arbitragem da CBF) e toda a comissão de arbitragem. Só que não adianta ter a oportunidade e não fazer um bom trabalho. Tudo é rendimento. Trabalhamos no futebol de elite. Você tem que ter bom rendimento. Ir bem nas partidas para ter outras escalas. O mundo é de quem está preparado. A gente vem se preparando fisicamente, tecnicamente e na parte mental também. Não apenas eu, mas também a Neuza e todas as meninas que estão ali trabalham para construir uma carreira sólida.
Você já tinha alguma sinalização de que haveria mulheres na convocação da arbitragem para o Mundial de Clubes e de que forma você ficou sabendo que seria a representante do Brasil na competição?
Eu recebi a confirmação de que estava designada através do presidente Leonardo Gaciba, que é uma pessoa que valoriza demais o feminino, e também do professor Sérgio Corrêa (ex-presidente e atual instrutor da comissão de arbitragem da CBF), e depois também tive a ligação do presidente da CBF (Rogério Caboclo). Eles receberam o ofício da Fifa e nos passaram a informação. Foi um sonho. Quando chegou essa designação, eu não imaginava. A gente vem trabalhando e buscando estar bem. Eu buscava trabalhar em uma competição internacional da Fifa. Era um objetivo e estava trabalhando para isso, mas não pensava que chegaria tão logo.
Você ressaltou que há merecimento na escolha e que existe a avaliação permanente do rendimento da arbitragem independente da escolha ser por homens ou mulheres. Só que nem sempre foi assim. No ano passado, quando você fez o primeiro jogo de Série A da carreira, você se tornou a primeira mulher a apitar uma partida da principal divisão do Brasileirão depois de 15 anos. O que foi determinante para essa mudança?
O que aconteceu foi que, graças a Deus, no nosso país, estamos recebendo oportunidades por parte da CBF. Estamos tendo jogos da Série A, e isso nos ajuda muito a crescer. Tenho que agradecer a todas as equipes e jogadores, pois esse trabalho alavancou minha carreira e a da Neuza. O nosso futebol é o melhor do mundo. Então, se a gente trabalha aqui e conduz as partidas com bom resultado, não dá dor de cabeça, tudo vai bem. A arbitragem é difícil. A gente entra para dar o melhor, mas somos seres humanos e os erros podem acontecer. Graças a Deus as coisas vêm dando certo, estamos tendo espaço, bom rendimento nos jogos e novas oportunidades.
Estamos muito longe de uma realidade em que se tenha tantas mulheres inseridas em convocações de arbitragem para competições masculinas da Fifa a ponto de fazer com que as pessoas parem de diferenciar ou de ver como algo atípico?
Eu só tenho a agradecer a Deus por esse momento da arbitragem. Se você olhar a nossa relação de escalas, a CBF está dando oportunidade para quem tem capacidade. Esse é um momento maravilhoso. A Fifa já vem desde 2017 mostrando o sinal de que não existirá escolha por gênero, mas por capacidade. Tanto que eles também colocaram na última reunião que não importará mais quantas equipes de arbitragem serão selecionadas por confederação. Quem tiver capacidade terá espaço. Não importa mais se haverá quatro ou cinco trios da Conmebol em um evento da Fifa. Então, eles estão querendo qualidade.
Você chegou a ser do quadro da Fifa como árbitra assistente e precisou abrir mão para encarar uma espécie de recomeço na arbitragem e buscar novamente espaço como árbitra central. Como foi isso?
Eu era assistente antes, mas eu sempre apitei. Apitava amadorzão (no começo dos anos 2000) e apitava o feminino (entre 2008 e 2010) enquanto a Federação (Paranaense de Futebol) não queria que eu fosse árbitra central. Depois, quando o Sérgio Corrêa (que era o chefe da arbitragem da CBF em 2014) deu a oportunidade de escolher, eu não tive dúvidas. Mesmo que tenham dito que eu teria que começar de novo e que seria difícil porque eu tinha 34 anos. Eu falei assim: é o que eu quero. Tive que trabalhar e buscar o que eu sempre quis, que era ser árbitra. Muita gente acha que as coisas caem do céu. Eu tenho 20 anos de carreira. As coisas não aconteceram de forma muito fácil. Teve muita luta e muito trabalho para chegar onde cheguei.
Quando surgiu o sonho de ser árbitra?
Foi em 1999 (em Goioerê-PR). Eu fui convidada para trabalhar em um jogo pelo Osvaldo Miro Mengue, que é pai de uma amiga, e desde então nunca mais consegui sair do meio da arbitragem.
Como é lidar com o preconceito dentro do futebol?
Graças a Deus, eu nunca sofri preconceito. É por isso que agradeço a todas as equipes, pois os atletas sempre me trataram de forma muito profissional. Infelizmente, essas coisas acontecem de pessoas que têm pensamento pequeno. Acho que as coisas estão mudando e estão mudando para melhor. Nós precisamos de pessoas que não pensam pequeno. Estamos em 2021, gente. O preconceito já ficou para trás.
Qual é o sonho que ainda falta ser realizado?
A Copa do Mundo (Masculina) e a Olimpíada. Quero representar o nosso país e vou lutar por isso. Vamos buscar trabalhando junto com a CBF. Agradeço pela torcida de todos vocês.