Máscara e álcool em gel passam longe das únicas tendências de um 2020 de pandemia. Este ano ficará para a posteridade, também, graças à consolidação do Terraplanismo do Futebol. Trata-se de um conceito simples e claro: antes redonda, a bola de futebol agora é plana. Segue uma tortuosa linha já consagrada pelo terraplanismo sanitário, uma vertente do conceito original, aquele dedicado a contestar o que filósofo Aristóteles notou há mais de 2 mil anos e o navegador Fernão Magalhães comprovou há 500. Que a Terra, afinal, é redonda.
Como estamos em uma página de esportes, vamos focar na concepção da bola plana. Ela parte do princípio da negação do que há diante dos nossos próprios olhos: a bola rola, parece redonda, mas não o é. Não mesmo. Virou um objeto reto, um planalto futebolístico, por força da convicção de quem assim crê, um fenômeno espraiado para outros campos do futebol. O que representam os fatos diante da convicção?
E, aqui, há o toque gaúcho. O terraplanismo do futebol tem nosso DNA. Nasceu no Beira-Rio, pelas mãos de parte dos que dirigem, torcem e criticam (no sentido de avaliar) o Inter. Embora os resultados do time dirigido pelo argentino Eduardo Coudet apresentassem altos e baixos, parecia inegável que o Inter adentrava o último trimestre do ano em primeiro no Brasileirão e nas fases mais adiantadas da Libertadores e da Copa do Brasil. A bola rolava, e bem, com marcação na saída do adversário e futebol ofensivo, de posse de bola. Como a máscara e o álcool em gel, algo coerente.
Mas o terraplanismo entrou em campo. Mesmo em primeiro, o time ia mal. Os gols apenas ofuscavam os problemas defensivos. As substituições para segurar vitórias representavam um escárnio. O treinador nascera fora do Brasil. Tanta convicção, enfim, avolumou-se nas redes sociais, habitat natural do terraplanismo, e provocou o efeito desejado: o da ruptura para a volta ao passado, quase aos tempos de Aristóteles e Fernão Magalhães. Só não recuamos tanto porque, naquela época, não haviam inventado a internet e o WhatsApp.
Pouco importa se o primeiro lugar virou quarto ou quinto, acompanhado de um par de eliminações. Na pós-verdade vale o que cremos, e nossas vozes asseguram que um técnico estrangeiro nunca dará certo aqui, ao contrário de um gaúcho. Mesmo que os últimos 20 anos registrem raros gaúchos e brasileiros na Europa, a elite do futebol mundial, enquanto os profissionais argentinos aparecem aos borbotões nas ligas dos quatro cantos do globo.
O 2020 terraplanista alerta: a evolução não passa de uma falácia. E ai de quem duvidar.