Ao investigar o desvio de R$ 10 milhões do Sindicato dos Atletas do Rio Grande do Sul (Siapergs), o Ministério Público identificou a existência de uma outra organização sindical da categoria no Estado. Conforme a investigação, há também, ao menos no papel, o Sindicato dos Atletas de Futebol do Município de Porto Alegre (Siafmpa). Mesmo desativada, essa entidade recebia repasses milionários e pagava altos salários.
Principal investigado pelo MP, o ex-goleiro Jorge Ivo Amaral, 63 anos, acumulava os cargos de vice-presidente do Siapergs e de presidente do Siafmpa. Só na segunda entidade, o ex-jogador recebeu R$ 2,2 milhões em salários nos últimos cinco anos. Apenas em 2019, a sua remuneração mensal foi de R$ 72,2 mil mensais.
Fundado em 2006, o Siafmpa nunca foi citado em reportagens na imprensa e é desconhecido de atletas e advogados trabalhistas e esportivos consultados pela reportagem de GZH. A investigação apontou que, pelo menos nos últimos cinco anos, período analisado pelo MP, o sindicato não teve nenhum funcionário em sua folha de pagamento e não apresentou nenhuma atividade econômica. A única movimentação financeira constatada foi o pagamento dos salários de Amaral, único presidente entre 2015 e 2020.
Mesmo sem qualquer registro de atividades, o salário do dirigente quadruplicou em cinco anos. Somando os vencimentos na entidade municipal e também no Siapergs, Amaral recebeu no período a remuneração de R$ 3,68 milhões.
Como não recebia nenhuma contribuição de atletas, o Siafmpa tinha como única fonte de renda os repasses do Siapergs, que eram ordenados pelo próprio Ivo Amaral, a única pessoa que tinha acesso às contas das duas entidades. Recentemente, a nova direção do sindicato estadual conseguiu reaver a quantia de R$ 3,2 milhões que estava retida nas contas da entidade municipal.
Conforme a investigação do MP, os valores eram desviados do direito de arena dos atletas, um percentual das verbas de venda de direitos de transmissão dos jogos, que os clubes de futebol são obrigados a repassar aos sindicatos, os quais teriam o dever de transferir aos atletas.
São investigados os crimes de lavagem de dinheiro, apropriação indébita qualificada e associação criminosa. A remuneração dos dirigentes não é objeto da investigação do MP.
Amaral se afastou recentemente das entidades, após a eclosão das suspeitas e investigações. Goleiro do Grêmio nos anos 1970 e 1980 e ex-juiz vogal do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), Amaral também pediu licença do cargo de auditor do Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
No dia 30 de setembro, ele foi alvo da Operação Sindicasta, conduzida pelo promotor Flávio Duarte, por suspeita de desvios na gestão do Siafmpa e do Siapergs. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos no seu endereço.
Advogado de Amaral, Lúcio De Constantino afirmou que "está analisando os numerosos documentos para posteriormente promover eventuais esclarecimentos às autoridades competentes”.
— Sobre valores, neste momento, digo apenas que essas entidades possuem ganhos destacados, porque representam, e exclusivamente, o milionário mundo esportivo — diz Constantino.
O advogado também comentou a investigação do MP sobre os possíveis desvios nas entidades, os quais teriam tido Amaral como um dos supostos beneficiários.
— Considerando as informações trazidas pelo Jorge Ivo, é possível depreender certo alvoroço de natureza política e de muito interesse em publicidade. Porém, os fatos deverão ser esclarecidos satisfatoriamente pelo próprio Jorge Ivo — afirmou Constantino.
O caso ganhou notoriedade em momento de dificuldade para os jogadores profissionais, sobretudo os de fora do estrelato das potências nacionais. Reportagem de GZH mostrou que, com a pandemia de coronavírus, muitos atletas de clubes do interior perderam os contratos e tiveram de buscar a sobrevivência em outras atividades, como na construção civil.
Veja as remunerações recebidas pelo ex-dirigente no Sindicato dos Atletas Profissionais de Futebol no Município de Porto Alegre (Siafmpa)
Remunerações no ano de 2015
Jorge Ivo Amaral, presidente - R$ 188 mil (equivalente a salário mensal de R$ 15,6 mil)
Remunerações no ano de 2016
Jorge Ivo Amaral, presidente - R$ 91 mil (equivalente a salário mensal de R$ 7,5 mil)
Remunerações no ano de 2017
Jorge Ivo Amaral, presidente - R$ 340 mil (equivalente a salário mensal de R$ 28,3 mil)
Remunerações no ano de 2018
Jorge Ivo Amaral, presidente - R$ 711 mil (equivalente a salário mensal de R$ 59,2 mil)
Remunerações no ano de 2019
Jorge Ivo Amaral, presidente - R$ 866.928,00 (equivalente a salário mensal de R$ 72,2 mil)