SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A paralisação do futebol brasileiro durante a pandemia da Covid-19 tornou mais difícil para clubes cumprirem com as obrigações financeiras e fiscais assumidas quando aderiram ao Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro), em 2015.
Dirigentes afirmam que as parcelas mensais do refinanciamento, que variam de R$ 47 mil a R$ 1 milhão entre os times da Série A do Campeonato Brasileiro, têm pesado no orçamento.
Por esse motivo, lobby do Conselho Nacional de Clubes (CNC) e da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) junto ao Congresso fez com que a proposta de congelar os pagamentos do programa durante a pandemia e pelos seis meses seguintes fosse contemplada num projeto de lei. Ele ainda não foi votado na Câmara, o que pode ocorrer nesta quarta (3).
Até agora, houve apenas um alívio. Em uma portaria publicada no dia 11 de maio, o Ministério da Economia prorrogou prestações dos parcelamentos tributários de maio, junho e julho, respectivamente, para os últimos dias úteis de agosto, outubro e dezembro. A medida também vale para as agremiações.
O problema não existe apenas por causa da suspensão dos torneios, mas é agravado pela ausência de arrecadação com bilheterias e redução da receita referente à venda dos direitos de TV.
O total do passivo de 18 integrantes da Série A com o Profut é de ao menos R$ 1,8 bilhão. O levantamento foi feito pela reportagem com base nos balanços contábeis publicados até o fim de abril. Palmeiras e Red Bull Bragantino não aderiram ao refinanciamento.
O programa entrou em vigor em agosto de 2015 e permitiu aos times parcelarem suas dívidas com a União em até 240 meses (20 anos), com descontos de 70% das multas e 40% dos juros, além de isentar os encargos legais.
Em contrapartida, a lei sancionada no governo de Dilma Rousseff (PT) determina aos clubes manterem em dia suas obrigações tributárias federais e trabalhistas; dar transparência e publicar seus balancetes até o último dia útil do mês de abril; comprovar a existência de um conselho fiscal atuante e autônomo (formado por membros eleitos e alheio à diretoria executiva).
A partir do exercício fiscal de 2019, o Profut incluiu em suas regras que cada agremiação não poderá apresentar um déficit acima de 5% da receita bruta do ano anterior, sob pena de exclusão do refinanciamento.
Botafogo, Corinthians e São Paulo infringiram esse parágrafo, de acordo com suas demonstrações contábeis, assim como o Cruzeiro, rebaixado à Série B.
"Em 2021, com a demonstração do resultado do exercício de 2020, mais clubes deverão descumprir esse trecho do Profut, pois a situação deve piorar com a queda das receitas", afirma Carlos Aragaki, líder da área de esporte e sócio da auditoria BDO.
O Corinthians registrou um prejuízo de R$ 177 milhões em 2019, e o São Paulo, de R$ 156 milhões. São valores bem distantes de suas receitas no exercício de 2018 (R$ 470 milhões e R$ 425 milhões, respectivamente).
A dupla paulista só ficou atrás do Cruzeiro, que teve um prejuízo de R$ 394 milhões. Os mineiros, envoltos em investigações referentes à administração de Wagner Pires de Sá, voltaram a se endividar com tributos federais.
O clube está inscrito na Dívida Ativa da União em R$ 273 milhões --referentes a Imposto de Renda, PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e débitos previdenciários.
No dia 10 de fevereiro, o Cruzeiro foi notificado de sua exclusão do programa pela Apfut (Autoridade Pública de Governança do Futebol), órgão do governo federal criado para fiscalizar as contrapartidas.
O departamento jurídico do Cruzeiro recorreu no fim daquele mês. A Apfut, após a exoneração do seu então presidente, Beny Kessel, em março, nomeou o sucessor Thiago Brejeiro Fores nesta terça (2), conforme publicação no Diário Oficial, e ainda não concluiu o processo.
O Corinthians afirmou que tem cumprido as determinações da lei desde 2015 e, por isso, não crê em exclusão. "A legislação prevê um rol de possíveis penalidades para eventual descumprimento de algum item do parcelamento", diz o texto enviado à reportagem.
O São Paulo também tem seus argumentos de defesa contra punições. "Não deve ser levado em consideração o déficit de R$ 156 milhões, porque, desse montante, R$ 81 milhões se referem a acordos judiciais, ou seja, não fazem parte do resultado operacional", afirma Elias Barquete Albarello, diretor executivo financeiro do clube.
O Botafogo, que já em 2016 recorreu ao Tribunal Regional Federal (TRF-2) para evitar uma exclusão e conseguiu efeito suspensivo, teve prejuízo de R$ 21 milhões em 2019. Em 2018, havia faturado 174 milhões.
Essa não é a única irregularidade cometida pelos alvinegros, que já não vêm pagando o parcelamento, conforme o relatório em seu balanço auditado.
Procurada pela reportagem, a asessoria de imprensa do Botafogo não quis responder às perguntas enviadas.
Guilherme Bellintani, presidente do Bahia e um dos líderes do Conselho Nacional de Clubes, relata que as prestações do Profut consomem 4% do orçamento anual do Bahia e que a agremiação já registra 85% de queda nas receitas.
"Estamos trabalhando para cumprir obrigações muito básicas, como salários de funcionários e contas de água e energia", diz o dirigente. "Exigir o pagamento do Profut durante esse período é praticamente expulsar os clubes do programa."
O Flamengo, que atingiu um faturamento recorde de R$ 950 milhões no ano passado, afirma ter dificuldades para arcar com as prestações mensais, em torno de R$ 1 milhão no seu caso.
Nos últimos anos, os rubro-negros conseguiram mudar a sua realidade financeira com a ajuda do refinanciamento do governo federal, mas ainda têm o segundo maior passivo: R$ 230 milhões, atrás do Botafogo, com R$ 309 milhões.
"Temos que considerar que o comprometimento com a folha salarial nos clubes, sem possibilidade de adiá-las, deixa pouquíssima margem de manobra. Esse é o motivo de dar uma moratória nas prestações", afirma o diretor financeiro do Flamengo, Márcio Garotti.
O Fortaleza detém o menor passivo com o Profut (R$ 6,7 milhões) na Série A. A prestação mensal é de R$ 47 mil, mas ainda assim sufoca o caixa, segundo seu presidente. "É um desembolso significativo. A redução de toda e qualquer despesa hoje nos ajudaria a direcionar os recursos para manutenção dos empregos e salários em dia", diz Marcelo Paz.