Se o mundo tivesse corrido em seu leito normal na última década, este sábado, 21 de março de 2020, seria de reportagens especiais nos canais de TV. Jornais do Brasil, da Espanha e da Itália dedicariam suas páginas, e Ronaldinho estaria em todos as telas nas reproduções de entrevistas e melhores momentos para celebrar seus 40 anos. Mas em época de domínio mundial do coronavírus, as únicas pessoas que poderão parabenizar Ronaldo de Assis Moreira pelo aniversário serão seus companheiros de prisão e os agentes carcerários.
Preso há mais de duas semanas na Agrupación Especializada de Assunção, no Paraguai, por entrar no país vizinho com passaporte falso, o único jogador nascido no Rio Grande do Sul a ser premiado duas vezes com a Bola de Ouro da Fifa vive dias de incerteza. Seu aniversário não terá qualquer evento especial.
— Será um dia como qualquer outro, ainda mais que as visitas aos detentos estão suspensas para evitar a expansão do coronavírus — conta o administrador do presídio, o comissário Blas Vera.
Seu advogado, Sergio Queiroz, afirma que não houve pedido especial. Ele, todos os dias, providencia a alimentação para o craque e o irmão, Roberto de Assis Moreira, também preso. Queiroz, que está trabalhando em conjunto a um escritório de advocacia paraguaio, ficará em Assunção até o desfecho.
— Na verdade, o que estamos focados é em obter a libertação o quanto antes. A prisão é ilegal e arbitrária. Sinceramente, não se está pensando em aniversário — aponta o advogado, que complementa:
— Tenho convicção de que, brevemente, serão reconhecidas as nulidades. O delito cometido foi portar e utilizar o passaporte com conteúdo falso. E foi cometido sem má-fé. Algemar, como foi feito, foi uma ofensa clara aos direitos deles.
Ao longo dos anos, Ronaldinho foi visto como uma pessoa ingênua, que só teve a preocupação de jogar bola. O que, aliás, fez desde sempre. Nos primeiros anos de vida, quando acompanhava seu irmão, o então talentoso atacante Assis, nos treinos do Grêmio ainda no Estádio Olímpico, era visto como uma promessa.
— Vocês só acham que eu sou bom porque ainda não viram o menorzinho jogar — brincava Assis com os repórteres da época.
O irmão mais velho, aliás, assumiu um papel de pai. Isso porque, quando completou 18 anos, Roberto perdeu o pai verdadeiro, João de Assis Moreira, em um acidente na piscina da casa que recém havia adquirido, fruto da renovação de contrato com o Grêmio.
O ex-volante Carlos Gavião estava com Ronaldinho quando o craque “apareceu” pela primeira vez. No Mundial sub-17 de 1997, eram colegas de Grêmio e de meio-campo da Seleção. Foram parceiros até 2001, quando Ronaldo saiu:
— Nunca tivemos dúvida sobre a capacidade dele. Ronaldo foi um meteoro.
Após deixar o Grêmio em episódio polêmico, Ronaldinho e Assis estiveram ainda mais ligados. No PSG, no Barcelona, no Milan, no Flamengo, no Atlético-MG, no Fluminense, no Querétaro e no pós-carreira, onde havia Ronaldinho, sabia-se que também estava Assis. Agora, no momento mais difícil da vida depois da morte do pai, ambos estão no mesmo lugar.
Carcerários
O único consolo para Ronaldo é que, pelo menos, faz aquilo que mais gosta, desde a infância: joga bola. O menino criado para o futebol, que fez disso sua vida, já foi filmado driblando e fazendo gol nas partidas com os demais detentos.
— Ele segue jogando. E jogando muito bem! — completa Blas Vera.
Por ironia do destino, Ronaldinho escreveu ao portal Player’s Tribune, em 2017, algo que seria sua maior realidade ao completar 40 anos:
— Quando você tem uma bola de futebol, você está livre. Está feliz. É quase como se estivesse ouvindo música. É aquela sensação que faz querer espalhar alegria aos outros.
Os “outros”, agora, são apenas os seus companheiros de cela e os agentes carcerários paraguaios.