Há mais em jogo do que "apenas" o troféu da 46ª edição da Copa América, às 17h deste domingo (7), no Maracanã. A decisão do campeonato, entre Brasil e Peru, pesa mais para os donos da casa, que apostaram tudo em reconquistar o continente. O eventual nono título sul-americano dará estabilidade ao trabalho, segurança para iniciar um processo de renovação visando o Mundial de 2022, no Catar, tranquilidade para fazer escolhas e auto-estima para todos os envolvidos, inclusive torcedores. No caso dos peruanos, o topo do pódio representa o auge de uma geração que devolveu o orgulho do futebol a seu país.
O foco, é claro, está no Brasil. As notícias de uma possível saída de Tite independentemente do resultado sacudiram a CBF e a população em geral interessada na Seleção. Ele teria despertado interesse do Beijing Guoan, clube chinês, e estaria insatisfeito com algumas decisões da confederação, como as escolhas de substitutos do auxiliar Sylvinho e do analista Fernando Lázaro (ambos foram para o Lyon), e a possível chegada de Juninho Paulista para o lugar de Edu Gaspar, que deve ir para o Arsenal. A possibilidade de saída deve dominar a última coletiva de imprensa antes da decisão, marcada para o final da tarde deste sábado. O treinador, possivelmente, despistará e deixará para abordar o assunto depois do jogo.
— Tite está infeliz com o desmonte e com os rumos da formação da nova comissão técnica. Perdeu a carta branca indiscutível na CBF que ele tinha até antes da Copa. Agora, não mais. O que deve pesar para ele é a questão de estar ou não estar feliz — aponta o jornalista Juca Kfouri, um dos primeiros a noticiar a chance de sair do cargo.
Mas esse é apenas um aspecto da decisão. Fique Tite ou saia, ser campeão dá a estabilidade que qualquer treinador precisa para iniciar a renovação que a Seleção precisa. A própria comissão técnica atual já havia sinalizado que, depois da Copa do Mundo de 2018, haveria um processo para rejuvenescer a equipe, a partir da Copa América.
Ganhar a competição continental era o objetivo principal. Tanto que o treinador decidiu não promover grandes revoluções no time. A maior prova foi na hora de optar pelo substituto de Neymar. Quando o craque se machucou, o escolhido para herdar a camisa 10 foi Willian, jogador de 30 anos e duas Copas do Mundo, em vez de novidades como Vinícius Júnior, por exemplo. Claramente, a ordem é vencer para tranquilizar.
— Se confirmar o título, será a hora de Tite ousar, inovar. Buscar novos talentos, olhar também para dentro do Brasil, não ser só uma Seleção europeia. Acho que o trabalho está sendo bem feito, está no caminho certo. Espero que ele continue — opina Gérson, o Canhota de Ouro, campeão mundial de 1970.
Mas para além do futuro e de uma filosofia, está a final da Copa América, oras. O título é um dos mais importantes que um país pode conquistar — na visão de Juca Kfouri, aliás, é o único que um sul-americano briga atualmente, já que estamos defasados em relação aos europeus. Se não é uma Copa do Mundo, dominada pelos europeus desde 2006, ao menos reacende a rivalidade local, enriquece currículos e marca vários atletas de uma geração que ainda não conquistou torneios profissionais pela Seleção.
Do time atual, apenas Daniel Alves foi campeão da Copa América. Outros, mais experientes, casos de Thiago Silva e Filipe Luís, deram a volta olímpica no Maracanã na Copa das Confederações de 2013. Os demais ainda buscam a redenção com a camisa amarela.
— Final não se joga, final se ganha. E estamos trabalhando para ganhar, mas com muito respeito ao rival. Tem que ter a consciência de querer vencer, não importa como seja. Não importa que seja goleada ou 1 a 0. Temos de ter muita cabeça, tranquilidade não precisa querer dar espetáculo, não fazer outras coisas. Tem que saber jogar e querer vencer. É o jogo mais importante da competição. Tem que ir concentrado, focado — declarou o volante Casemiro, acostumado a ser campeão no Real Madrid.
Entre os torcedores, a imagem mais viva de um confronto assim é o 5 a 0 aplicado sobre os peruanos na última rodada da primeira fase, na Arena Corinthians. Mais: o retrospecto no Maracanã é altamente favorável, tendo conquistado, além da citada Copa das Confederações, a Copa da Independência de 1972, a Copa Roca de 1976 e a Copa América de 1989. Sem esquecer do trauma de 1950.
— Tudo o que o Tite esteja trabalhando com os jogadores é para evitar o clima que o Maracanã viveu em priscas eras, quando decidiu o título com Uruguai e perdeu. O Peru vem ferido pela goleada que levou do Brasil, mas com duas grandes classificações. A Seleção não pode repetir o espírito dos chilenos — alertou Juca Kfouri.
O zagueiro Marquinhos falou algo semelhante:
— Conseguimos nosso primeiro objetivo, que era chegar à final. Mas temos um jogo difícil, importante e só vamos ganhar se jogarmos da melhor forma possível.
Gerson, um dos craques que ajudaram o Brasil a aplicar 4 a 2 no Peru nas quartas de final da Copa do Mundo de 1970, está mais otimista. A ponto de notar uma certa semelhança com as duas partidas, a deste domingo e aquela de 14 de junho de 49 anos atrás:
— O Peru é um bom time, não tão bom como o daquela Copa. Era bem organizado, na época pelo Didi, hoje pelo Ricardo Gareca. Tem grandes jogadores. Mas a Seleção é melhor. Se jogar naturalmente, vai vencer. Já mostrou isso fazendo 5 a 0. Não acho que vá ser tão complicado assim. É futebol, precisa estar atento, mas considero o Brasil superior.
E tem ainda um último ponto a ser destacado em caso de conquista. Será um título sem o maior craque. Desde que Neymar foi cortado, pela lesão no tornozelo sofrida no amistoso contra o Catar, abriu-se uma discussão se o time poderia ser campeão sem ele. Everton surgiu no time, foi um dos destaques da Copa América, a equipe embalou e encorpou. Mesmo quando não foi brilhante, venceu. Em alguns momentos, principalmente diante das retrancas ferrenhas de Venezuela e Paraguai, fez falta. Mas é inegável que o time sobreviveu.
O título sem Neymar, segundo analistas ouvidos por Zero Hora, abre uma possibilidade para enquadrá-lo ao time. Permite a Tite que, quando chamá-lo de volta, o faça entender que ele faz parte da Seleção, e não é apenas uma estrela. É o melhor jogador, mas mais um.
— Ganhar fará Neymar compreender que nem todas as bolas têm que passar por ele. Quando sofrer uma falta não faça um estardalhaço que obrigue todos a defendê-lo, deixando o time pilhado. Não pode abrir mão do melhor jogador, é uma sandice não querer no time. O título pode ter esse efeito positivo, de dizer: "Meu filho, ganhamos a Copa América sem você. Então precisa se adequar ao time, baixar a bola e se concentrar em jogar". A Neymardependência revelou-se uma bobagem — finaliza Juca Kfouri.
Só um estádio do tamanho do Maracanã poderia abrigar um jogo tão importante assim.