Os gaúchos já conheciam Ronaldinho. No imaginário do Rio Grande do Sul, Ronaldo de Assis Moreira era o irmãozinho mais novo de Roberto de Assis Moreira, o craque gremista do final dos anos 1980, que havia saído cedo para jogar na Suíça, mas deixado uma promessa: “Vocês precisam ver o que joga meu irmão”. Quando cresceu, mostrou o talento que se imaginava. Havia um fenômeno em Porto Alegre. E em 30 de junho de 1999, o Brasil ficou sabendo disso da melhor forma possível. A Venezuela, também. Da pior forma possível.
Mas antes daquele histórico Brasil 7x0 Venezuela, é preciso voltar mais 10 dias no tempo. Pouco antes, Vanderlei Luxemburgo havia convocado uma Seleção renovada para disputar a Copa América do Paraguai. Era o ano seguinte ao vice do Mundial da França, e tinha consenso no país de que o time precisava rejuvenescer. O técnico fazia sucesso no Corinthians e levou para a competição dois jogadores de sua equipe, Dida e Edilson. Mas na final do Paulistão, uma atitude do Capetinha foi o estopim para uma pancadaria entre Palmeiras e Corinthians, ao fazer embaixadinhas e provocar os palmeirenses. Como punição, acabou cortado.
Ao mesmo tempo, no Estádio Olímpico, Ronaldinho comandava uma vitória do Grêmio sobre o Inter na decisão do Gauchão. Sua atuação foi mágica: além do golaço do 1 a 0, transformou em vinheta de programas esportivos seus dribles em sequência sobre Dunga. Ganhou uma chance na Seleção.
A estreia da equipe na Copa América era contra a Venezuela. Ronaldinho ficou no banco até os 25 minutos do segundo tempo, quando entrou no lugar de Alex. Quatro minutos mais tarde, Cafu foi à linha de fundo, cruzou. E a descrição do que veio a seguir fica a cargo de Jorge Rojas, um dos venezuelanos que foram buscar a bola dentro do gol.
– Ele dominou a bola e deu um “sombrerito”, como chamamos aqui. Na sequência, passou pelo zagueiro que tentou não fazer pênalti. Nem adiantou, porque ele achou espaço e fez um golaço. Era um gênio, um dos melhores da geração que tinha Riquelme e Aimar. E ele era melhor – diz o meia de 41 anos que até hoje ainda joga futebol profissional, no Caracas, da primeira divisão venezuelana.
Da cabine do Estádio Antonio Sarubbi, em Ciudad del Este, Galvão Bueno ficou alucinado. O drible, o domínio, a condução e a conclusão do ex-gremista deixaram o narrador da Globo sem expressão. Empolgado, eternizou a transmissão do gol aos gritos de: “Olha o que ele fez! Olha o que ele fez!”.
– Nunca pensei em nenhum bordão, as coisas saíram na hora. Era um garoto, chegando, e a jogada foi um espetáculo. Está guardado na emoção de todos nós. Ele mesmo fala que mudei o nome dele. Porque era o Ronaldinho, mas já tinha um Ronaldinho (Ronaldo Nazário). Então ficou o Ronaldinho Gaúcho. Tenho orgulho disso, tenho muito carinho. Só me assusta que já se vão 20 anos – brincou a voz do esporte na TV brasileira, ao falar sobre o lance durante sua estada em Porto Alegre para acompanhar Brasil x Paraguai.
Outra testemunha da jogada genial de Ronaldinho é Antônio Carlos Macedo. O jornalista era um dos enviados da Rádio Gaúcha a Ciudad del Este. Estava no setor de imprensa do estádio, viu o drible, a reação de Luxemburgo, com os braços para cima, em um misto de incredulidade e comemoração.
Se eu pudesse dizer alguma coisa para Ronaldinho seria: obrigado por ter existido, por ser brasileiro e por ter sido tão fantástico.
GALVÃO BUENO
Narrador da Globo
– Depois daquele gol, Ronaldinho virou referência na Seleção, figurinha carimbada. Ainda durante a Copa América, foi convocado para a Copa Ouro. Aquele lance gerou uma onda em Porto Alegre. Dirigentes do Grêmio, vendo a repercussão de Ronaldinho, abriram uma faixa na frente do Olímpico, dizendo: “Não vendemos craques. Favor não insistir”, inclusive com tradução em inglês. Depois veio a brincadeira que se seguiu porque ele acabou saindo de graça – lembra Macedo.
A saída conturbada de Ronaldinho do Grêmio ocorreu em 2001, quando se transferiu para o PSG. Depois do sucesso na França, transferiu-se para o Barcelona, onde, de fato, atingiu seu auge. Ganhou duas vezes o prêmio de melhor jogador do mundo, em 2004 e 2005. Foi campeão da Champions League. Seu rosto ficou conhecido em todo o planeta. Esteve em Milan, Flamengo, Fluminense, Atlético-MG. Ainda hoje, depois de ter encerrado a carreira, segue requisitado por onde passa. Ele recordou o gol recentemente:
– Já vi tantas vezes, sempre tem um amigo que me manda, alguém que comenta. O estanho é que parece que foi ontem e já faz tantos anos. É maravilhoso relembrar.
Galvão Bueno aproveitou para deixar um recado ao craque:
– Se eu pudesse dizer alguma coisa para Ronaldinho seria: obrigado por ter existido, por ser brasileiro e por ter sido tão fantástico.