SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), reagiu com ironia à declaração do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de que há 99% de chances de o Grande Prêmio do Brasil de F-1 deixar o autódromo de Interlagos e ser realizado no Rio de Janeiro a partir de 2021.
Em entrevista coletiva na tarde desta terça (25), ele disse que a escolha do palco da prova após o fim do atual contrato de São Paulo, que termina em 2020, será tomada nos âmbitos financeiro e de infraestrutura.
Entre sorrisos e piscadas de olho, o governo comparou as gestões do Museu do Ipiranga, na capital paulista, e do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
"Sabemos fazer funding com o setor privado, vide o Museu do Ipiranga e o Museu Nacional. Um está nas cinzas, e o outro está com R$ 220 milhões em conta", disse o governador.
O Museu Nacional, no Rio de Janeiro, foi atingido por um incêndio de grandes proporções em setembro de 2018.
Após a fala de Bolsonaro na segunda, o diretor-geral da F-1, Chase Carey, afirmou que não há nada fechado nem com o Rio nem com São Paulo, e que as negociações com as duas cidades estão em andamento.
Nesta terça, ele reafirmou essa posição: "A decisão não está tomada. Temos provas, como Silverstone [Inglaterra], em que o contrato vence neste ano. Essas são as mais urgentes. Temos muito tempo ainda sobre o Brasil".
A frase serviu de munição para Doria. "A decisão não está tomada, vocês acabaram de ouvir isso do CEO da Fórmula 1. A decisão será tomada com base em análises econômicas. É um negócio poderoso, de altíssimo custo, não de decisão política, emocional e nem institucional", disse.
Após a reunião em Brasília, o presidente fez uma provocação a Doria, que é considerado pré-candidato à sucessão presidencial.
"A imprensa diz que ele [Doria] será candidato a presidente em 2022. Então, tem que pensar no Brasil, e não no seu estado. Então, com toda a certeza, ele não vai se opor. Agora, se ele for candidato à reeleição, daí ele pode querer criar algum óbice ou oferecer algumas vantagens para que permaneça em São Paulo", disse.
Doria rebateu nesta terça: "Como governador eleito do estado de São Paulo, ao lado do prefeito, a nossa obrigação é defender os brasileiros do estado de São Paulo. A ele [Bolsonaro] é quem cabe defender o Brasil. Fórmula 1 é uma atividade de entretimento e econômica, não é de ordem política".
"Os veículos de comunicação vão lá visitar e ver se há condições de fazer qualquer coisa. Não quero desmerecer, mas recomendo de uma maneira sutil: visitem Deodoro. Sobrevoem a área, vocês não vão conseguir chegar lá. Não tem estrada, só a cavalo. Façam uma visita, aluguem um helicóptero, um drone. Não estou desmerecendo. Não há nada, nem acesso, nem energia, nem saneamento", afirmou.
Após uma hora de reunião no Palácio dos Bandeirantes, nenhuma novidade contratual foi anunciada. Além de Doria e Carey, participaram do encontro o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), e Tamas Rohonyi, diretor da empresa Interpub, que promove o GP do Brasil em São Paulo.
Também nesta terça, líderes partidários na Assembleia Legislativa de São Paulo articularam um ofício conjunto para reivindicar a manutenção do GP Brasil na capital paulista.
O documento, assinado pelos representantes dos 24 partidos que têm assento na Casa, é endereçado a Bolsonaro, Doria e Covas.
No texto, os parlamentares pedem que os três "realizem esforços em conjunto" para que a prova permaneça na cidade.
Os deputados usam como justificativa os ganhos econômicos para São Paulo e lembram os investimentos públicos feitos ao longo dos anos na melhoria da estrutura do autódromo de Interlagos e do entorno.
A mobilização foi articulada pelo presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB), que é aliado de Doria.
ENTENDA A DISPUTA ENTRE AS CIDADES
Em maio, Bolsonaro assinou um termo de cooperação com o objetivo de levar as provas de F-1 para o Rio, em um autódromo que ainda precisa ser construído, na região de Deodoro, zona oeste da cidade.
No dia 20 de maio, o único grupo a mostrar interesse no negócio, o consórcio Rio Motorsports, foi anunciado pela Prefeitura do Rio de Janeiro como vencedor da licitação para construção e operação por 35 anos do circuito.
O projeto de construção do autódromo está orçado em R$ 697 milhões e prevê uma pista de 5.835 m projetada pelo arquiteto alemão Hermann Tilke, autor dos desenhos de circuitos como os de Xangai, na China, e Sepang, na Malásia. A capacidade de público será de 130 mil pessoas.
A construção, porém, é contestada em aspectos ambientais, já que pode resultar na derrubada de cerca de 180 mil das 200 mil árvores espalhadas pela floresta do Camboatá.
A área total da floresta é de 201 hectares. Desses, 169 hectares comportam vegetação arbórea segundo relatório realizado pela Diretoria de Pesquisas Científicas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Boa parte dessa área seria afetada pela construção do circuito.
Já Doria e o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, também têm se articulado para que a cidade não perca um dos seus eventos mais atrativos comercialmente.
O governador disse que, no ano passado, os três dias de GP em Interlagos geraram 10 mil empregos e cada turista gastou, em média, R$ 3.000 durante o fim de semana de provas.
"Os hotéis registraram 97% de ocupação, e o público é composto por 77% de turistas dos países vizinhos, da Europa, África do Sul", afirmou.
Segundo a SPTuris, a última corrida movimentou cerca de R$ 334 milhões com o turismo, um crescimento de 19,2% frente aos R$ 280 milhões registrados em 2017. O valor é superior ao Carnaval, com R$ 220 milhões, e a Parada do Orgulho LGBT, com R$ 288 milhões.
Levantamento da Folha de S.Paulo, com base em informações de contratos publicados no Diário Oficial e também por jornais da época, mostrou que o autódromo de Interlagos recebeu investimento público de ao menos R$ 830 milhões (em valores corrigidos pela inflação) ao longo dos últimos 29 anos em que sediou o GP Brasil.