O lateral-esquerdo Alemão sente o braço nos dias mais frios nos Estados Unidos. O meia Xuxa acusa dores nas costas. O auxiliar técnico Paulo Roberto toma antidepressivos até hoje. Já se passaram 10 anos, mas o acidente daquele final de noite de 15 de janeiro com o ônibus do Brasil-Pel colocou passageiros e familiares em uma curva sem fim. A dor, seja física ou no coração, abastece a memória de uma madrugada que machucou a alma de uma torcida e de uma cidade inteira.
Todos em Pelotas lembram-se em detalhes do que faziam quando o ônibus Scania de dois andares tombou no anel que conecta a RS-471 com a BR-392, em Canguçu.
O veículo caiu em um barranco, parando a 35 metros da pista. Foi como se os 31 passageiros estivessem dentro de um liquidificador com rodas. Vários deles foram arremessados para fora enquanto o ônibus descia sem rumo. O zagueiro Régis, o preparador de goleiros Giovani Guimarães e o ídolo xavante Claudio Milar perderam a vida na hora. Vida, aliás, que nunca mais foi a mesma para os demais.
É o caso de Paulo Roberto Mathias, 48 anos. Formado no Grêmio e com folha corrida no Interior, o zagueiro recém havia se aposentado dos gramados. Em seu currículo, exibia o vice gaúcho pela Ulbra, em 2004, numa final perdida para o Inter. Foi ali que ganhou a confiança do técnico Armando Desessards, que o levou para integrar sua comissão no Brasil-Pel para o Gauchão 2009.
Era o começo de uma nova etapa, que não teve tempo de se iniciar. No acidente, Paulo Roberto perdeu entre oito e 10 centímetros do tendão de Aquiles da perna direita. Discutiu-se até mesmo a amputação. Não fosse a ação direta do médico do Brasil-Pel, André Guerreiro, o debate teria sido levado adiante.
Era para Guerreiro estar no ônibus. Só não viajou porque, devido às chuvas em Vale do Sol, o amistoso contra o Santa Cruz havia sido adiado para quinta-feira, justamente o dia em que atendia em sua clínica. Mas pode-se dizer que foi o anjo da guarda dos acidentados.
Paulo Roberto só caminha hoje porque Guerreiro fez uso do PRP (plasma rico em plaquetas), técnica em que é injetada no paciente uma concentração de células reparadoras do seu próprio sangue. Além de caminhar, Paulo Roberto também consegue andar de bicicleta. É o máximo de esporte que o ex-zagueiro tem condições físicas de praticar. Nem mesmo o bate-bola com Bernardo, nove anos, é aconselhável. O guri, caçula de três irmãos e fruto de um segundo casamento, é o sorriso para exorcizar os fantasmas do desastre. Paulo Roberto, por exemplo, evita viajar de ônibus:
— É complicado, prefiro andar de carro. Quando há alguma ultrapassagem, o cérebro retorna para aquele momento. Você fica em pânico.
O assistente técnico desenvolveu síndrome do pânico. Ainda hoje, toma antidepressivos. Há ainda uma questão profissional a ser resolvida. Ele passou os últimos 10 anos afastado pelo INSS. Neste mês, prevê, deve receber alta. Paulo Roberto se reapresentará ao clube, à espera de recolocação. Ele segue acompanhando o Brasil. Mas foram raras as vezes em que foi ao Bento Freitas. Há a dificuldade física e até de deslocamento do Laranjal até o estádio. Além de uma ponta de mágoa por nunca ter recebido um contato do clube.