Para Rose, Adilson, Babu e Santa Brasil, o trauma da Copa de 2014 ficou no passado. Chegou a hora de torcer pela Seleção Brasileira de Futebol, mais uma vez. E, enquanto os atletas brasileiros estiverem na disputa na Rússia, as decepções cotidianas perderão espaço na rotina deles. Dérick, ao contrário dos quatro, estreará em copas do mundo. Na última, o menino ainda estava na barriga da mãe. Agora, antes de a bola rolar pela primeira vez para a Seleção Canarinho no Leste Europeu, a reportagem mostra como estes torcedores estão se preparando para a Copa 2018.
A primeira Copa de Dérick
Durante a Copa de 2014, Graziela Arruda Alves, hoje com 36 anos, do bairro Lomba do Pinheiro, na Capital, se preparava para estrear como mãe. Na época, grávida de quase sete meses, a recicladora atuou na linha de frente da central de triagem de lixo montada no Beira-Rio para o Mundial. Foram 45 dias de árduo trabalho que viraram R$ 3,8 mil no bolso de Graziela. O montante seria usado para a construção do quarto do primogênito. Porém, os planos mudaram logo depois do encerramento do Mundial de 2014.
Com problemas na gestação, causados pelo esforço realizado durante a gravidez, Graziela deu à luz Dérick Thimoty Alves Miranda um mês antes do previsto. Para piorar a situação, ainda no hospital, o menino caiu do colo da mãe e teve fratura no crânio, com menos de sete dias de vida.
— Ficamos internados e o dinheiro do quarto acabou sendo utilizado no tratamento do meu filho. Ele precisou de leite especial e muitos medicamentos — conta Graziela.
Passados quatro anos, Dérick não apresenta nenhuma sequela decorrente do difícil começo de vida. É um garoto que a cada dia diz ser um novo super-herói, ama futebol, diz que é gremista e na maior parte das frases se comunica falando apenas a primeira sílaba de cada palavra. Serelepe, na tentativa mais recente de ser Super-Homem, acabou quebrando os dois dentes da frente ao saltar do sofá da sala e cair no chão.
A bola de futebol, por exemplo, só é liberada para o menino nos finais de semana ensolarados, depois que Dérick quebrou a televisão da sala com um chute. Chovia no dia em que a reportagem esteve na casa da família, mas o menino ganhou algumas horas extras com o brinquedo. Faceiro, deu bicos, tentou fazer embaixadinhas e até equilibrar a bola das costas enquanto era fotografado.
— Ele ama futebol. Quando os jogos começarem, vou mostrar a ele a nossa Seleção. Quero que ele seja torcedor, igual a mim. E campeão de superação do jeito que é, verá o hexa neste ano! — acredita a mãe.
— Vo (vou) chu (chutar) a bo (bola), mã (mãe)! — gritou o menino à Graziela e à reporter, antes de derrubar parte do acrílico da janela com um chute, encerrando a entrevista.
Reza forte para o hexa
Quatro novas bandeirolas verde-amarelas juntaram-se às outras 2014 preparadas há quatro anos por Santa Eva Brasil de Assis, 70 anos, de Sapucaia do Sul. A saga das bandeirinhas começou em 2010, quando ela fez apenas 200 e a Seleção Brasileira foi eliminada nas quartas-de-final. Na Copa seguinte, decidiu fazer a quantidade referente ao ano do Mundial. Nem assim, a Seleção conquistou o título. Desta vez, ainda acreditando no poder das bandeirolas, a senhora de 38kg distribuídos em 1,55m instalou sozinha todas elas no pátio.
Famosa na cidade desde a Copa passada, quando a Rua Portão virou atração por conta da torcida dela, Santa Brasil recebeu o auxílio da prefeitura. Funcionários da administração municipal pintaram o asfalto em frente à casa da torcedora ilustre com as cores do país e os anos dos Mundiais conquistados pela Seleção.
— Estou rezando para os meninos fazerem bonito na Rússia. Meu esforço não será em vão. Tenho fé que, desta vez, vamos ser campeões. Nada nos segura! — afirma Santa Brasil.
Pequeno Goleador na cabeça
Em 2014, o cabeleireiro Fabiano Soares Cardoso, conhecido em todo o Estado como Babu, 43 anos, desenhou o rosto do craque Neymar na cabeça de um adolescente. E foi sucesso. Na época, quando ele tinha dois salões de beleza em Porto Alegre, surgiram clientes pedindo desenhos de marcas esportivas e até do personagem mexicano Chaves.
Hoje, dono de quatro lojas na Capital e atuando mais como administrador, Babu decidiu reproduzir o lobo Zabivaka (Pequeno Goleador, em russo), o mascote da Copa 2018, na cabeça do estudante Vitor Henrique de Lima Peixoto, 12 anos. Detalhe: sem qualquer teste anterior.
Vitor, que gosta de futebol, mas diz não estar confiante na Seleção, permaneceu imóvel e quase mudo sobre a cadeira de barbeiro, enquanto Babu passava navalha e máquinas 1, 2 e de acabamento para garantir o resultado. Concentrado, com um olho na imagem exposta no celular e outro na cabela de Vitor, Babu reconheceu estar diante de um dos maiores desafios de 27 anos de trabalho.
— Nunca fiz curso de desenho, aprendi praticando. Mas considero um trabalho difícil porque preciso mostrar suavidade na imagem, mesmo sem ela ter qualquer marca de expressão — explicou.
Para surpresa de quem acompanhava a movimentação no salão e do próprio Vitor, depois de duas horas, Zabivaka surgiu sorrindo na cabela do menino. Um trabalho como este custa, em média, R$ 120.
— Bah! Ficou muito legal! Mas quem é ele? — questionou, o guri, antes de saber a identidade do personagem.
Se Vitor quiser continuar exibindo o corte diferenciado, precisará retocar a cada oito dias.
O estranho no ninho da Família Goulart
Fanática pela Seleção, a dona de casa Rose Moraes Goulart, 49 anos, do bairro Rio Branco, em Canoas, finalmente convenceu o marido, o funcionário público Gerson Goulart, 57 anos, a vestir a amarelinha para a Copa 2018 junto com ela e a filha Jackeline Goulart, 19 anos. No Mundial passado, para decepção de ambas, Gerson vestiu as cores da Alemanha e comemorou a vitória do time pelo qual torceu.
— Desta vez, com medo de perder o casamento de 30 anos, vou dar uma torcidinha pelo Brasil, mas acho que Inglaterra ou Espanha vencem — confessa Gerson, às risadas.
Mas nem com preces — Rose é católica fervorosa, a matriarca conseguiu convencer o filho, William, 25 anos, a se juntar à família. O estranho no ninho dos Goulart, como ele é chamado, torce para a Argentina desde a Copa América de 2004.
— O Brasil só empatou com os argentinos por culpa de um gol roubado, feito pelo Adriano Imperador. Depois, ganhou nos pênaltis. Me deu nojo. Depois, em 2006, com o tal quadrado mágico furado, minha vontade de torcer pelo Brasil acabou de vez. Desde então, sou Argentina — justifica William.
Para este ano, mais confiante, Rose acredita que o fiasco da Copa passada foi enterrado.
— Estamos mais fortes e mais experientes. E o Gerson voltou a torcer pelo Brasil. O hexa virá! — garante.
Vai ter muro pintado
Pela segunda Copa consecutiva, vai ter muro pintado com bandeira do Brasil na Rua Avaí, em Canoas. O feito é do metalúrgico Adilson Benitz Ferrão, 40 anos, que deve concluir a obra neste sábado. Com a ajuda dos vizinhos e da Ferragem Navegantes, que doou as tintas, Adilson renovará as cores do esmaecido lábaro presente no paredão em frente à casa dele.
Apaixonado por futebol, Adilson sempre quis ver a vizinhança mais unida em prol do esporte. Por isso, começou pintando um campinho no meio do asfalto da Rua Avaí. O lugar virou ponto de encontro nos finais de semana. Em 2014, cansado de ver pichado o muro dos vizinhos, ele propôs colocar as cores do Brasil. Mesmo com a Seleção não vencendo, a bandeira permaneceu até agora — quando ganhará a nova pintura.
— Temos uma vizinhança muito unida. Vamos pintar o meio-fio de verde-amarelo, em apoio ao Brasil. E se o time chegar à final, fecharemos a rua para um grande churrasco comunitário — calcula, animado, Adilson.