Neste sábado, às 13h30min (horário de Brasília), Josep Guardiola tem mais um encontro marcado com a história. Se o seu Manchester City bater o rival United, vencerá o Campeonato Inglês com seis rodadas de antecedência. Ainda assim, a percepção do feito não parece condizer com a dificuldade de se conquistar a liga nacional mais rica do mundo com tanta sobra.
A derrota de 3 a 0 para o Liverpool, no meio de semana, praticamente decretou a eliminação da Liga dos Campeões e colocou um tanto de água no chope azul. As dificuldades contra o time de Jurgen Klopp motivaram reflexões sobre problemas recorrentes das equipes de Guardiola nas últimas temporadas.
Zero Hora conversou, por telefone, com Jonathan Wilson, jornalista inglês e historiador da tática no futebol, autor do livro A Pirâmide Invertida, que viaja pela evolução dos sistemas ao longo dos anos. Ele analisa o momento do City, aponta qualidades e defeitos do trabalho de Pep e reflete sobre o impacto que o treinador teve, até aqui, no futebol inglês. Veja os principais trechos:
"Se não ganhar a Liga dos Campeões, é um problema"
Você acha que uma possível eliminação do Manchester City na Liga dos Campeões terá forte impacto sobre a percepção que se tem da campanha da equipe nesta temporada?
Sim, certamente. Por uma série de razões. Primeiramente, no atual momento, você não tem como ser rotulado como um grande time se não ganhar a Liga dos Campeões. Claro que é possível que o City vença a Liga dos Campeões na próxima temporada, ou na outra, e aí olharemos para trás e falaremos sobre o "grande período do Guardiola". Mas, se não ganhar a Liga dos Campeões, é um problema. E isso parece ridículo, porque o desempenho tem sido espetacular. Provavelmente vão bater o recorde de pontos ganhos, de gols pró, de saldo de gols. E do ponto de vista estético, tem sido incrível assistir. Mesmo assim, a dúvida que sempre esteve lá é a seguinte: "Ok, eles são ótimos com a bola, conseguem fazer gols fantásticos, marcam uma quantidade incrível de gols, mas o quão seguros eles são defensivamente?". O Liverpool expôs isso em janeiro, quando venceu por 4 a 3, e também agora na Liga dos Campeões. Fica a sensação de que, se você é bom o suficiente e corajoso para tirar a bola do City e correr riscos, é possível batê-lo.
Esse é o único problema?
Você olha para outros times do Guardiola e começa a ver um padrão. O Bayern jogou contra o Real Madrid na semifinal da Liga dos Campeões de 2014, e perdeu por 3 a 0 em Madrid e 4 a 0 em Munique, sempre com vários gols marcados em um período curto de tempo. Assim como o City diante do Liverpool, agora. Na temporada seguinte, o Barcelona marcou três gols em cima do Bayern entre o minuto 77 e o 94. O fato de que isso é recorrente em grandes jogos, contra grandes times, de que há períodos em que concedem gols em sequência, é o indício de um defeito grave. É uma grande falha, que só ótimos adversários conseguem expor, mas nesses estágios da Liga dos Campeões, esses são os rivais. Uma hipótese é de que o sistema de Guardiola, quando não tem Messi, é excelente para vencer a liga nacional, mas quando é preciso lutar para vencer os jogos, talvez falte alguma coisa.
Você acredita que há uma questão psicológica nesses períodos em que o time sofre gols ou é apenas um problema do sistema defensivo?
Não posso dizer com certeza, mas provavelmente são as duas coisas. Talvez, quando você opta por zagueiros pela qualidade do passe em vez da força de marcação, esse problema sempre estará lá. O fato de que o meio-campo tem só o Fernandinho como um jogador de marcação e, no sistema, os laterais têm de atacar, faz com que só tenha três jogadores mais defensivos em todo o time. Mas acho que você está certo em pontuar a questão psicológica. E o momento do City traz uma situação interessante. Vencer o Campeonato Inglês deveria ser um grande acontecimento, especialmente em cima do Manchester United. Mas como sabemos, desde novembro, que o City vai ser campeão, não há a sensação de que algo enorme vai acontecer. E é muito diferente vencer o Campeonato Alemão com o Bayern e vencer o Inglês com o City. O orçamento do Bayern é dois terços maior do que o do Borussia Dortmund. O City não tem nem o maior orçamento do Campeonato Inglês. O United tem mais receitas. Então deveria ser um feito, algo para ser muito celebrado. Mas parece que há um anticlímax por sabermos há muito tempo que vai acontecer.
Você mencionou a falta de jogadores com mentalidade mais defensiva. Ainda é possível montar times competitivos sem tantas peças mais voltadas à marcação, como Guardiola fez com o Barcelona?
Sim, é possível. O pensamento de Guardiola é de que você pode se defender pelo posicionamento do time no campo e pela organização, em vez do jeito mais tradicional, centrado na habilidade de fazer um desarme, ganhar a bola aérea, ser grande e forte. Na verdade, não acredito que o sistema seja inviável, simplesmente porque todo o sistema tem debilidades. Mas, agora que Guardiola é técnico há 10 anos, há um entendimento maior de onde está a debilidade. Jurgen Klopp (técnico do Liverpool) disse, depois de bater o City em janeiro, que você não pode apenas ficar todo atrás quando enfrenta um time de Guardiola. Você tem de atacar, porque é aí que a equipe de Guardiola é mais fraca. Há um entendimento de que, se você é um time grande, tem de arriscar quando enfrenta o City. O Liverpool jogou três vezes contra o City, venceu duas, e perdeu o outro jogo por 5 a 0. O Tottenham tentou atacar e perdeu de 4 a 1. Há o consenso de que, se você for goleado, não é tão vergonhoso quanto parece. É apenas o que você tem de fazer.
Quando Guardiola foi contratado pelo City, havia uma ideia de que ele poderia mudar o futebol inglês. Você vê algum indício de transformação até aqui?
Sim, mas talvez não do jeito que se esperava. Ainda é cedo para vermos um movimento de times tentando jogar da mesma maneira que o City. O conceito do jogo de posição é um tanto extraterrestre para a mentalidade do futebol inglês. O que mudou mesmo é o seguinte: costumava ser muito difícil, em um jogo do Campeonato Inglês, um time ter mais de 70% de posse de bola. Nas três temporadas entre 2003 e 2006, isso aconteceu apenas em três jogos. Na temporada passada, foram 36 jogos assim. E até dezembro de 2017, já havia 37 partidas com essa estatística na atual temporada. Mais e mais times estão aceitando a condição de que não vão ter a bola. Não acho que Guardiola seja totalmente responsável por isso, é uma tendência de 10 anos para cá, mas ficou mais pronunciada. É uma preocupação, não me parece algo bom. Se você é o Chelsea, jogando contra o Barcelona em uma semifinal de Liga dos Campeões, tudo bem. Mas você não quer ver isso todo o final de semana. O espectador quer ver algo competitivo, a bola que vai de um lado ao outro do campo. Se essa tendência continuar, torna-se um jogo um tanto estéril. É uma transformação que tem a ver com Guardiola, sem ser totalmente motivada por ele.