Um empresário argentino, testemunha-chave no julgamento sobre corrupção da FIFA, afirmou nesta quarta-feira (15) ter pago, junto com seus sócios, um total de US$ 10,8 milhões em propinas a três acusados, os poderosos ex-chefes do futebol de Brasil e Peru, e o ex-presidente da Conmebol.
O argentino Alejandro Burzaco, ex-presidente da Torneos y Competencias, assegurou na corte federal do Brooklyn que sua empresa e seus sócios, Televisa e TV Globo, pagaram 4,5 milhões de dólares em propinas ao paraguaio Juan Ángel Napout, ex-presidente da Conmebol e ex-vice-presidente da FIFA, 3,6 milhões de dólares ao peruano Manuel Burga, e 2,7 milhões de dólares a José Maria Marín, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Ainda segundo o empresário, milhões mais foram prometidos. Os três acusados alegam inocência.
Burzaco, também acusado de corrupção no âmbito do escândalo da FIFA, se declarou culpado em 2015 e tem um pacto de colaboração com o governo americano para reduzir sua pena, que pode chegar a um máximo de 60 anos de prisão.
— Espero não ir para a prisão — disse o argentino nesta quarta-feira.
Tanto a testemunha, quanto os acusados integram o grupo de 42 ex-dirigentes de futebol das Américas e empresários esportivos, acusados de corrupção pelo governo americano.
O depoimento de Burzaco ocorreu após o suicídio, em Buenos Aires, de Jorge Delhon, ex-funcionário do futebol argentino, implicado pela testemunha na rede de corrupção.
Burzaco começou seu segundo dia de depoimentos na corte visivelmente perturbado, chorando. A juíza fez uma pausa de uma hora e meia. Muitos pensaram que se devia ao suicídio de Delhon, mas a promotoria denunciou ao fim do dia que Burzaco estava perturbado porque Burga fez para ele duas vezes um gesto com a mão como se quisesse decapitá-lo.
A juíza Pamela Chen decidiu, então, restringir ainda mais a liberdade condicional de Burga. "Foi cometido um novo crime: intimidação de uma testemunha", afirmou a promotora Kristin Mace, que pediu para prender Burga.
— Este é um homem tímido e tranquilo —disse seu advogado, Bruce Udolf. — Ele coçou o pescoço.
Propinas para Mundiais
Burzaco denunciou que sua empresa e seus sócios, a brasileira TV Globo e a mexicana Televisa, pagaram ao ex-dirigente do futebol argentino e ex-vice-presidente da FIFA, Julio Grondona - falecido em 2014 -, propina de 15 milhões de dólares em troca dos direitos de transmissão por TV, internet e rádio das Copas do Mundo de 2026 e 2030.
— O dinheiro para Grondona acabou em uma subconta no banco suíço Julius Baer — acrescentou.
Graças a este acordo, a FIFA outorgaria à TV Globo os direitos exclusivos dos jogos dos dois mundiais no Brasil, enquanto a Televisa e a Torneos, associados, os teriam para o restante da América Latina, afirmou.
Burzaco garante que, além de sua empresa, as companhias TV Globo, Televisa, MediaPro da Espanha, Full Play, Traffic e Fox Sports pagavam subornos em troca de contratos de torneios de futebol da região.
O argentino afirmou, ainda, que a Datisa - joint venture entre Torneos y Competencias, Traffic e Full Play para reter os direitos da Copa América entre 2015 e 2023 - acordou em março de 2013 pagar US$ 10 milhões em propinas a Jeffrey Webb, presidente da Concacaf, e a Enrique Sanz, seu secretário-geral, pela realização da Copa América Centenário em 2016 nos Estados Unidos.
Burzaco disse ter se reunido com Sanz em Zurique em março de 2013 para coordenar "o calendário de pagamentos desses 10 milhões de dólares".
A Fox Sports e o Grupo Globo negaram as acusações após as declarações de Burzaco na terça-feira, em seu primeiro dia de depoimento.
— Qualquer insinuação em relação a que a Fox teve conhecimento ou aprovou subornos é absolutamente falsa — reagiu a Fox Sports em sua conta no Twitter do Chile.
Em termos similares, segundo veículos brasileiros, o Grupo Globo afirmou "veementemente que não pratica nem tolera qualquer pagamento de propina. Esclarece que, após mais de dois anos de investigação, não é parte nos processos que correm na justiça americana".
Suicídio
Jorge Delhon se suicidou na terça-feira, atirando-se debaixo de um trem em um subúrbio de Buenos Aires, após ser mencionado por Burzaco uma única vez em seu primeiro testemunho de sete horas, quando relatou o pagamento de propinas milionárias a dezenas de pessoas, incluindo a antiga cúpula da Conmebol, em troca de contratos para reter direitos de transmissão e marketing de torneios de futebol nacionais e regionais.
Consultado na própria terça-feira pelo promotor Sam Nitze se pagou propinas a funcionários do governo argentino, Burzaco disse que do fim de 2011 ao fim de 2014, "pagamos subornos na Torneos a dois funcionários que gerenciavam o programa Futebol para Todos", um programa de TV patrocinado pelo governo de Cristina Kirchner (2007-2015), que tinha os direitos de difusão do futebol na Argentina.
Jorge Delhon, advogado do programa, e seu coordenador-geral, Pablo Paladino, receberam milhões de dólares, informou. Mas disse nunca ter pago propinas à ex-presidente Cristina Kirchner.
Paladino disse nesta quarta-feira à Radio con Vos, de Buenos Aires, que Delhon era "um homem honrado" e qualificou Burzaco de "delinquente e sem-vergonha".
Burzaco será interrogado a partir de quinta-feira pelos advogados dos três acusados.
* AFP