Braços abertos para envolver, amortecer a dor e transferir ânimo. Gesto simples que brotou de forma surpreendente três dias depois do acidente com o avião da Chapecoense. Mãe do goleiro Danilo, Ilaídes Padilha abraçou o repórter Guido Nunes, do SporTV, durante a entrevista no gramado da Arena Condá.
Naqueles segundos, foi a mãe também de jornalistas que perderam 21 colegas de profissão e de outros tantos inconformados com a tragédia. Ela continua tão forte e tão dolorida quanto naquele dia.
No entanto, a morte de Danilo deixou um buraco no peito e na rotina. A mulher de 55 anos não consegue se habituar a não ter o contato diário com o filho. Seguir de pé ante a perda faz da frágil senhora uma heroína.
Como o acidente mudou a vida da senhora?
Mudou 100% minha vida, mudou tudo. Tirou de mim a pessoa mais importante. A gente vivia para ele, nossa vida era direcionada para ele. Viver sem o Danilo é uma mudança radical. E não foi só a minha, mas da família toda, da minha filha e do meu marido. Nós nos dedicávamos a ele inteiramente. Vinha dele nossa diversão. Na quarta e no domingo, a gente estava ligado nele, queria ver e saber.
Como tem sido a rotina da senhora hoje?
Essa rotina é difícil, porque a mudança foi radical. Eu não consigo mais assistir televisão, não paro para ver qualquer programa e muito menos jogos. É difícil parar em frente da televisão ou do rádio, ainda mais para acompanhar uma partida jogo. Às vezes, vejo um lance ou outro, mas é porque acabo vendo quando passo. Mas de parar e ver um jogo, nunca mais. No domingo, em vez de assistir futebol, eu faço live no meu canal e nas redes sociais, conversando com os fãs do Danilo, com pessoas que encontraram forças em mim. Nas quartas, quando não tenho compromisso na igreja, fico em casa, mas sem acompanhar televisão ou futebol.
Então a senhora não acompanha mais a Chapecoense.
Não acompanho, não. Às vezes, sei de uma notícia. Em um dia desses, quando fazia transmissão ao vivo pelo Facebook, alguém falou que a Chapecoense tinha feito gol. É assim que fico sabendo. Se tivesse uma promoção para ganhar um carro para quem acertar em que posição está a Chapecoense no campeonato, eu perderia. Não sei da Chapecoense e nem de outro clube. Sei que o Corinthians foi campeão porque vi em redes sociais.
Em qual momento do dia sente maior saudade dele?
Eu sinto saudade a toda hora (chora ao falar). Você levanta e se dá conta que ele não vai te ligar, que não vai ter uma mensagem dele. Você olha para um lado e tem uma foto, do outro tem algo ligado a ele. Não tem um momento específico. Seja dia ou noite, a lembrança vem e a saudade aumenta cada dia.
Tem alguma ação durante o dia que a faz lembrar do Danilo com mais força?
Toda vez que pego o celular na mão. A toda hora estávamos mandando mensagem, trocávamos mensagens de voz. Quando pego no celular, a lembrança vem muito forte, mas muito forte mesmo.
Ao longo deste ano, qual foi o momento mais dolorido para a senhora?
Todos foram difíceis, porque cada coisa que faço me lembro dele. No Dia de Finados, eu achei que seria pior. Mas então o Lorenzo (neto, filho de Danilo no casamento com Letícia) veio e ficou brincando comigo a tarde toda. Aquele dia foi amenizado. Penso que Deus manda um anjo para me proteger nas horas mais difíceis. Não é porque vai fazer um ano que vai ser mais difícil ou menos. A dor não vai ser maior ou menor. É difícil quando vejo a imagem de um time campeão, por exemplo, porque eu penso “que saudade de vê-lo jogando”, no quanto seria bom se fosse ele. Outro dia, parei em um posto de gasolina e havia um vigia na porta da loja de conveniência que controlava o fluxo de pessoas. Ele me pediu para esperar um pouco porque o local estava cheio, tinha apenas uma funcionária no caixa.
Só que em uma televisão ali na frente passava um jogo da Chapecoense. Foi quando veio uma dor forte em ver o time jogando e saber que meu filho não estava ali. Esses momentos são bastante difíceis.
A senhora falou do seu neto, o Lorenzo. A senhora o tem como um anjo?
Ele é meu anjo (chora novamente). A gente está levando por causa dele. O Lorenzo é muito igual ao Danilo. Sempre que eu olho para ele, vejo o Danilo. É um pedacinho do meu filho que está ali.
A senhora teve algum momento de felicidade neste ano?
Felicidade eu acho que nunca mais vou ter. Ela aparece em alguns momentos e tento sorrir. Tenho de continuar vivendo, porque a vida dele acabou, mas a nossa continua. Procuro ficar forte porque tenho meu marido e minha filha, tenho o Lorenzo. Mas sinto alegrias passageiras. Momentos de alegria mesmo, desde então, não tive.
A senhora comoveu muitas pessoas na véspera do velório na Arena Condá com o abraço que deu no repórter Guido Nunes, do SporTV. De onde veio aquela força?
A gente tem muita fé em Deus e eu procuro ter essa ligação, porque sem Ele a gente não consegue nada. Naquele momento que perdi o Danilo, pedia muito a Deus para que me desse forças e que me enviasse consolação. Eu não queria passar por aquele momento, não queria tomar remédio, ficar dopada e não sentir nada. Quando entrei no vestiário (na Arena Condá), vi muito sofrimento, todas as famílias reunidas e sofrendo. Eu saí dali e fui para o gramado para encontrar os repórteres. Queria encontrar um repórter de uma rádio que teve um profissional que morreu no acidente, alguém para eu dar um abraço. E as pessoas me faziam a mesma pergunta: “Como a senhora está se sentindo?” Foi o momento em que fiz a pergunta para ele, de como ele se sentia. Ele também perdeu amigos e colegas. Foi simplesmente um abraço de solidariedade. Daquele momento em diante foi quando encontrei a minha força, porque outras pessoas vinham ao meu encontro para me dar abraços.
Os jornalistas se sentiram abraçados também naquele momento.
Eu trabalhei muito tempo em uma rádio aqui em Cianorte, sei das dificuldades que os repórteres têm para encontrar uma matéria e entrevistar as pessoas. Todo mundo estava sofrendo. Na frente da minha casa estiveram repórteres e equipes de reportagem desde o dia do acidente, esperando. No dia em que chegou o caixão, atendi todos eles. Eu não neguei entrevista para ninguém, até porque soube da morte do Danilo também pela imprensa. Mas não sabia que a repercussão daquele abraço foi tão grande. Soube depois, quando cheguei a Cianorte.
Pouco mais de três meses depois daquele dia, o Guido Nunes foi a Cianorte para reencontrá-la e “devolver” o abraço que deu nele. Como foi?
Ele me trouxe um conforto muito grande, disse que veio me devolver aquele abraço. Passou todo o dia todo comigo e disse, de brincadeira, que eu não tinha o direito de fazer o que eu fiz, que emocionei ele no momento em que estava trabalhando. Mas depois me agradeceu e falou que precisava muito daquele abraço. Foi muito bom tê-lo recebido.
A senhora continua tão forte quanto naquele momento?
Continuo. Ainda recebo muitos abraços. Temos um grupo de apoio de mulheres em luto em minha cidade, em que nos reunimos e fazemos essa troca de experiências. Uma ajuda a outra e temos que continuar fortes para que uma apoie e também receba ajuda.
Tem contato com outras mães?
Muito pouco. Eu quis me manter afastada das outras famílias porque considerei que a dor da família que perde um ente querido no acidente é muito forte. Mantive contato apenas com algumas pessoas familiares de vítimas.
O clube prestou algum apoio à senhora?
Eu não recebi apoio algum. Aquela direção morreu junto com o Danilo, e a outra que está no clube, acho eu, esqueceu um pouco das famílias. Para mim, restou apenas a dor. Porém, a atenção deles é com a Letícia e o Lorenzo. Quando nos encontramos, eu nem pergunto sobre essas coisas. Ela não mora na mesma cidade que eu. Deixo para que ela resolva. Fico com o meu sofrimento mesmo. Ela tem o Lorenzo, filho do Danilo, e tem os diretos dele. Para mim, o clube não fez absolutamente nada. Ligou uma vez para pegar meu nome e do meu marido, dizendo que era para uma ação de apoio, mas só pegou o nome. Também entrou em contato para pegar a autorização para aquele documentário. Ficou nisso.
A senhora pensa em acionar o clube judicialmente?
A Letícia já entrou na Justiça.
Parece que a senhora prefere ficar fora destes assuntos.
Ela que vai receber tudo (indenizações). Se vai ficar com tudo, eu não sei. Os direitos são dela. Eu não vou me meter em briga ou causar confusão. Eu quero apenas ter meu neto por perto, porque dinheiro não vai trazer o Danilo de volta.
Continuará como sempre viveu?
Vivo minha vida como sempre vivi, trabalhando. O que temos foi o que meu marido e eu conquistamos em 35 anos de casados. Ele se aposentou e vivemos do que conseguimos.
A senhora ainda trabalha?
Faz dois meses que saí do emprego, da rádio. Trabalhei 17 anos nela. Com o projeto do grupo de apoio, ficou difícil de trabalhar. Foi um ano muito corrido, com entrevistas, cuidar do blog, do canal que tenho, das viagens e das homenagens. Eu me propus a fazer com que a história do meu filho não ficasse esquecida. Acho que tem dado certo. Tem até o filme sobre ele que está por sair.
Sobre isso, como surgiu o filme? Pode contar um pouco como é este projeto?
O filme foi um presente. O Thiago di Melo (diretor) queria fazer um longa, mas não tinha uma história boa. Ele acompanhava as informações do acidente e disse que gostaria de fazer um filme sobre o filho da mulher que ele viu. Ele escreveu toda a história em ficção. Quando li, era simplesmente a história do Danilo, como se o próprio tivesse contado. No roteiro, há coisas que apenas eu, meu marido e milha filha sabíamos. Comecei a chorar enquanto lia, porque não era uma uma ficção, mas a vida do meu filho. Ele viu que a história do Danilo é muito bonita. É bonita do começo ao fim
Os que deixam saudades
Atletas
Aílton da Silva (Canela)
Ananias Monteiro
Arthur Maia
Bruno Rangel
Cleber Santana
Danilo Padilha
Dener Assunção
Everton Kempes
Filipe Machado
Guilherme Gimenez
José Paiva (Gil)
Josimar Tavares
Lucas Gomes
Marcelo Augusto
Mateus Lucena (Caramelo)
Matheus da Sulva (Biteco)
Sergio Manoel
Tiago da Rocha Vieira
William Thiego
Demais convocados e comissão técnica
Adriano Bitencourt (segurança)
Anderson Donizette (roupeiro)
Anderson Martins (preparador de goleiros)
Anderson Paixão (preparador físico)
Caio Júnior (técnico)
Cleberson Silva (assessor de imprensa)
Eduardo de Castro Filho (auxiliar técnico)
Eduardo Preuss (gerente de futebol)
Emerson di Domenico (supervisor)
Gilberto Pace Thomas (ass. de imprensa)
Luiz Cezar Cunha (fisiologista)
Luiz Grohs (analista de desempenho)
Marcio Koury (médico)
Rafael Gobbato (fisioterapeuta)
Sergio de Jesus (massagista)
Diretoria
Dávi Barela Dávi
Decio Burtet Filho
Edir de Marco
Jandir Bordignon
Mauro dal Bello
Mauro Stumpf
Nilson Folle Júnior
Ricardo Porto
Sandro Pallaoro
Convidado
Delfim Peixoto Filho (presidente da FCF)
Imprensa
André Podiacki (Diário Catarinense)
Ari de Araújo Júnior (Globo)
Bruno Mauri da Silva (RBS TV)
Deva Pascovicci (Fox Sports)
Douglas Dorneles (rádio Chapecó)
Djalma Araújo Neto (RBS TV)
Edson Ebeliny (rádio Super Condá)
Fernando Schardong (rádio Chapecó)
Gelson Galiotto (rádio Super Condá)
Giovane Klein (RBS TV)
Guilherme Laars (Globo)
Guilherme Marques (Globo)
Jacir Biavatti (RIC TV e Vang FM)
Laion Espíndola (Globo Esporte)
Lilacio Júnior (Fox Sports)
Mario Sergio Pontes de Paiva (Fox Sports)
Paulo Julio Clement (Fox Sports)
Renan Agnolin (rádio Oeste Capital)
Rodrigo Santana Gonçalves (Fox Sports)
Victorino Chermont (Fox Sports)
Tripulação
Alex Quispe
Ángel Lugo
Gustavo Encina
Miguel Quiroga (piloto)
Ovar Goytia
Romel Vacaflores
Sisy Arias