Obras em ritmo lento, verbas que demoram a sair e terrenos vazios que, muitas vezes, são transformados em depósitos de lixo. Assim está o maior plano de legado olímpico do Brasil um ano após a grande festa no Maracanã que deu início aos Jogos do Rio. Os Centros de Iniciação ao Esporte (CIE), estruturas prometidas pelo governo federal para incrementar a formação de novos campeões por todo o país, se arrastam. De acordo com relatório do mês passado obtido por ZH e elaborado pelo Projeto Referências, entidade ligada ao Ministério do Esporte, o percentual de execução médio das construções é de somente 6,4%, e quase dois terços das obras nem sequer começaram.
Anunciado no início de 2013 como o maior projeto de legado de infraestrutura esportiva da Olimpíada, os CIE's fazem parte da segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Ministério do Esporte elaborou três modelos diferentes de estrutura. No maior deles, há ginásio poliesportivo, um setor administrativo e pista de atletismo. De início, foram selecionados 285 terrenos para construção em parceria com as prefeituras, que forneceriam a área – sempre em uma região carente, e assumiriam a gestão após o término das obras. Hoje, há 220 contratos ativos entre o governo federal e os municípios. O número foi reduzido por conta de problemas técnicos dos terrenos em alguns projetos, além de questões financeiras de prefeituras que não poderiam assumir as contrapartidas.
Leia mais
Veja a situação dos centros esportivos prometidos para o RS
Parque Olímpico completa um ano em busca de soluções
Sem meta numérica de medalhas, esporte brasileiro busca manter o nível
Os números dos CIE's pelo Brasil assustam. Apenas um centro está pronto – em Franco da Rocha (SP). São 125 que ainda aguardam autorização do Ministério do Esporte para iniciar. Há uma diferença entre os números do documento do Projeto Referências e os fornecidos pela pasta a ZH: segundo o relatório, há 17 centros que receberam autorização para começar os trabalhos, mas ainda não iniciaram. De acordo com o Ministério, são 12 centros nessa situação. A diferença se reflete no número total de obras não iniciadas: no documento do Referências, são 142 (64,54%). Para a pasta, são 137 (62,3%).
O Ministério do Esporte explicou que "entre as principais causas do retardo no início das obras estão a desistência das empresas contratadas para realizar a construção e a dificuldade dos municípios devido a troca de gestores nas eleições de 2016".
A demora se reflete no Rio Grande do Sul. Inicialmente, estavam previstos 17 centros para o Estado, número que caiu para 12 com o fim dos termos de compromisso de Porto Alegre (2), Bento Gonçalves, Alvorada e Santa Maria. ZH visitou 13 desses 17 terrenos. Apenas em Uruguaiana e Canoas há estruturas já aparentes. Em outros dois municípios, Caxias e Santa Cruz, os trabalhos estão em andamento, mas ainda não saíram do chão. Sete projetos aguardam a autorização do Ministério do Esporte para iniciar obras. Segundo a pasta, encontram-se "cumprindo etapas administrativas relacionadas aos ajustes de projetos e à preparação de processos licitatórios". E há o caso de Passo Fundo, que recebeu o ok do governo federal para começar, mas vive um impasse que pode colocar em risco a construção do CIE.
No bairro Dória, o terreno está pronto. A prefeitura fez a terraplenagem e aguardou a liberação da verba, que, segundo a assessoria de imprensa do município, demorou demais. Quando saiu, a empresa vencedora da licitação alegou que não tinha mais como executar pelo valor licitado, já que houve reajuste nos preços dos materiais. Agora, Passo Fundo estuda se entrará com pedido para nova licitação ou se utilizará o terreno para outro fim. A prefeitura quer algum tipo de garantia do Ministério do Esporte de que será possível executar a obra pelo valor que constar em uma eventual nova licitação. Enquanto isso, há lixo acumulado em partes da área e cachorros de rua passeiam tranquilamente no local abandonado.
Questionado por ZH, o Ministério do Esporte comentou a situação do CIE.
"A licitação é de responsabilidade da prefeitura da cidade e a liberação de novos recursos somente ocorrerá após a evolução física da obra, aferida pela Caixa Econômica Federal", afirmou a assessoria de imprensa da pasta, que também informou que já foram "liberados R$ 2,1 milhões e R$ 13,8 mil já foram repassados" para a execução do projeto.
Quem vê a obra de Uruguaiana poderia imaginar que a cidade da Fronteira Oeste está no polo oposto de Passo Fundo, mas não é bem assim. Com 34,5% do trabalho executado, é o centro mais adiantado do Estado, mas a placa que indica o início e o término da construção denuncia o atraso. O CIE de Uruguaiana começou a ser construído em maio de 2015 e deveria estar pronto em março do ano passado.
Os trabalhos estão parados. Segundo a prefeitura de Uruguaiana, a empresa executora não cumpriu o contrato, o que causou a rescisão. Agora, o município prepara nova licitação, mas reclama que o orçamento está defasado. Afirma que encontra dificuldades pois o governo federal não aceita mudar itens do projeto que o encarecem, como o material do piso. Sugere uma flexibilização desses itens, ou que o orçamento seja atualizado para cobrir todos os custos.
O Ministério do Esporte lembra que a liberação das verbas para Uruguaiana foi rápida para contestar o argumento da defasagem do orçamento. Afirma que as obras, de responsabilidade da prefeitura, estão "em ritmo abaixo do esperado" e que a pasta já liberou R$ 3,6 milhões dos R$ 3,8 milhões previstos para a construção.
Ao menos na fronteira já é possível ver um "esqueleto" do centro. Não é o caso de Sapucaia. A prefeitura também relata dificuldades na licitação. Nenhuma empresa se interessou por executar a obra. Agora, o município faz adequações ao orçamento para iniciar novo processo de licitação, com esperança de que desta vez haverá quem assuma a construção. A boa notícia é de que a associação dos moradores do bairro Pasqualine auxilia na conservação da área. A grama está cortada, há dois pequenos campos de futebol e um parquinho onde as crianças se divertem.
Em Viamão, no bairro Cecília, o abandono é total. Montes de areia e terra, grama alta e até um carro estacionado no meio da área faziam parte do cenário quando ZH visitou o local. Os moradores relatam que têm de queimar lixo quase todas as noites para evitar acúmulo de detritos e lamentam a falta de um local de recreação no bairro. Lembram que não há como utilizar os campos de futebol mais próximos, pois ficam em localidades onde há rivalidade de facções com criminosos baseados na região.
Em e-mail enviado à reportagem, a prefeitura de Viamão citou que adaptações necessárias na ligação de energia, água e esgoto contribuíram para o atraso. Reconheceu também que "houve as dificuldades nacionais de transferência de repasse, onde existiu o adiamento dos calendários por parte do Ministério do Esporte". O município diz confiar que a obra vai sair e não tem planos alternativos para utilização da área.
"Acreditamos que a União não estava preparada com recursos para tudo que ela prometeu, com a habilitação de vários municípios, e o projeto não estava homologado para todos os Estados brasileiros. Esse é um programa que foi previsto para a Olimpíada, visando à preparação e integração de jovens e futuros atletas", afirma a nota da prefeitura.
O Ministério do Esporte rebateu, afirmando que "a licitação, de responsabilidade da prefeitura da cidade, apresenta pendências e não recebeu aceite da Caixa Econômica Federal".
Enquanto Viamão espera o dinheiro, há os centros que ficaram pelo caminho e não vão sair. Entre eles, dois em Porto Alegre.
Celso Piaseski, diretor de esporte, recreação e lazer da Secretaria de Desenvolvimento Social da Capital, fez consulta à administração anterior para verificar os motivos de os CIE's da cidade não irem adiante. Ouviu como justificativa o momento econômico do país, que refletiu na situação financeira da prefeitura. Houve, também, a avaliação de que o orçamento da Secretaria Municipal de Esportes (SME) seria comprometido com gastos para gestão e manutenção. E, como terceiro motivo para a desistência, a conclusão de que não faria sentido instalar uma estrutura próxima a um local onde a SME já atuava: na Restinga, o CIE seria junto a um centro comunitário.
ZH visitou o local, onde há um campo de futebol circundado por uma improvisada pista de atletismo, feita de brita e chão batido. É uma praça movimentada. O campo fica cheio nos finais de semana e a pista é usada pelos moradores para a prática de atividades físicas. Ali, o líder comunitário Jorge Luís Vieira Ventura, que ajudou na construção da pista e dá aulas de atletismo, lamenta a decisão:
– Quando fiquei sabendo deste plano do CIE, já era tarde demais. Não tinha mais volta. Ainda tentei mobilizar o pessoal para pedir que a prefeitura reconsiderasse, mas já estava decidido. Imagine uma estrutura toda nova aqui, aberta para a comunidade. Foi uma oportunidade perdida.
O tom crítico encontra eco nas palavras do deputado federal João Derly (REDE-RS), um apoiador do programa desde seu início:
– A situação me deixa indignado. Mostra total falta de planejamento. Os CIE's comportam várias modalidades esportivas, seriam importantes para democratizar o acesso ao esporte, melhorando a estrutura. É realmente decepcionante.
* ZH Esportes