Ary Barroso deve ter dado voltas de satisfação em seu túmulo no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, no último sábado, quando 40 mil franceses aboletados no Parc des Princes cantaram um arremedo da Aquarela do Brasil para saudar a chegada de Neymar a Paris.
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O compositor do samba-exaltação que virou hino informal do nosso país gostava de futebol. Chegou mesmo a ser narrador esportivo, sem esconder que era torcedor do Flamengo. Ficou célebre o seu bordão quando o rubro-negro era atacado:
– Ih, lá vêm os inimigos. Não quero nem olhar.
E se recusava a narrar gols contra o Flamengo.
Os catalães mais apaixonados certamente farão o mesmo quando Neymar enfrentar o Barcelona, se isso vier a acontecer. E é bem provável que aconteça. O PSG, com a ousada contratação do brasileiro, ficou na obrigação de ganhar títulos e de chegar às finais das próximas Ligas dos Campeões da Europa. Diante da expectativa formada, qualquer coisa menos do que o título continental será encarada como um fracasso para Neymar. É muita responsabilidade.
Porém, apesar da compreensível mágoa dos espanhóis, não há como questionar a decisão do jogador em encarar o novo desafio. Se ficasse no Barça, continuaria sendo uma espécie de príncipe Charles, na eterna espera de vez para reinar. Tudo indica que, cedo ou tarde, seria o sucessor de Messi, mas quem pode fazer planos desse tipo num esporte imprevisível como o futebol? Com 25 anos e ainda sem ter passado por uma dessas lesões graves que abreviam carreiras, o atacante tinha mesmo de ir em frente.
Claro que o dinheiro pesou. O negócio envolve uma quantia tão assombrosa que chega a despertar suspeitas e invejas. Mas, ao que parece, o jogador cumpriu as regras do jogo: seu compromisso com o Barcelona podia ser interrompido com o pagamento da multa contratual. O PSG pagou e levou. Neymar exerceu o seu direito de escolha, o mesmo que os clubes têm em relação aos jogadores. Mercenário? Apenas um profissional do futebol.
Ainda bem que os mercenários modernos jogam bola, não arrancam cabeças. Arenas como o Parc des Princes, onde Neymar vai agora praticar a sua arte, lotam com pessoas predispostas a aplaudir e cantar – e não a virar o polegar para baixo, pedindo a morte dos inimigos. Mesmo na Catalunha, já não se pede mais a orelha do touro. Então, só resta aos secadores de Neymar o recurso de Ary Barroso: desviar o olhar quando ele estiver com a bola.
Aquela aquarela francesa me emocionou. Adoro o Barça, mas agora também vou torcer muito pela brasileirada do PSG.