– Eu não pensei. Só disse sim.
A resposta convicta é da jornalista Sirli Freitas, quando descreve à reportagem o momento em que recebeu o convite da Chapecoense para assumir a função que era do marido, Cléberson Silva, assessor de imprensa do clube e uma das vítimas do acidente. Desde então, ela dá passos por caminhos que ele percorreu e diz que, apesar de circular em um ambiente em que Cléberson é tão presente, o novo desafio ajudou a mantê-la firme para amparar os filhos Pedro, nove anos, e Mariana, três.
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Sirli recebeu a proposta logo após a tragédia. Além da dor e das dificuldades para lidar com o desespero de Pedro, que não aceitava a perda do pai, enfrentava a insegurança sobre o futuro, já que não tinha um emprego estável. Ao ouvir o convite, quis saber se a vaga no setor em que Cléberson trabalhava incluía carteira assinada e plano de saúde. Diante do “sim”, não teve dúvidas em aceitar.
A atribulada rotina da assessoria de imprensa em um clube que, de repente, tornou-se um dos mais conhecidos do mundo foi essencial para aguentar a saudade. Os projetos para finalizar a casa onde a família mora, um sonho compartilhado com Cléberson, também a ocupam. Antes do acidente, o casal economizou, comprou terreno, iniciou a construção e mudou-se para o novo lar. Sirli trata, agora, de finalizar o trabalho respeitando tudo o que planejou com o marido.
A nova função tem feito com que conheça o que era o dia a dia do Cléberson profissional. Não faltam colegas a lhe contar histórias do marido, algo que alimenta a dor mas, ao mesmo tempo, a conforta. Aprendeu, no contato com funcionários e amigos, que o companheiro não era especial só para ela.
– Nós conseguimos quitar o financiamento da casa, que era uma das minhas preocupações, só com doações de pessoas que gostavam muito dele. Algumas eu nem conhecia – conta.
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No dia 3 de maio, ela enfrentou uma situação inusitada por conta da comoção com a morte de Cléberson. Durante o jogo contra o Cruzeiro, pela Copa do Brasil, foi apresentada ao assessor de imprensa do clube mineiro, que perguntou se ela conhecia Cléberson. Quando soube que estava falando com a viúva do amigo, o funcionário do clube mineiro caiu no choro. Teve de pedir licença para Sirli e foi ao banheiro se recompor, deixando-a atônita, sem saber se deveria oferecer um ombro ou se juntar ao colega e debulhar-se em lágrimas.
O desconforto no Mineirão nem se compara com o turbilhão de emoções que viria logo depois. Sirli embarcou no voo para Medellín que levou a delegação da Chapecoense à final da Recopa Sul-Americana, diante do Atlético Nacional. Foi uma viagem que a levou da tristeza ao alívio:
– Fui com o coração na mão. A viagem toda foi pesada. Eu acompanhei os sobreviventes. Queria muito ir, ver e conhecer. Tem um pouco do lado da jornalista. Foi triste, mas eu senti, quando saí de lá, que a experiência preencheu alguma coisa.
Ao lembrar da viagem, pouco fala do jogo em si, vencido pelos colombianos. O que marcou a assessora de imprensa foi o dia em que se dirigiu ao local do acidente. Em conversas com socorristas, tranquilizou-se ao saber que Cléberson já estava morto quando eles chegaram. Um de seus temores era descobrir que o marido sofreu, agonizou.
Mas não foi exatamente na área onde o avião caiu que Sirli encontrou um pouco de paz. Ali, havia a intensa movimentação de repórteres e câmeras ávidos por registrar o retorno dos sobreviventes, que ela acompanhava, ao lugar. O grupo decidiu, então, subir mais, até o topo de um cerro em que o silêncio era convidativo. Lá em cima, viram a chuva fina se dissipar e o sol sair, acompanhado de um arco-íris que conferiu contornos cinematográficos à imagem daquele momento.
No topo das montanhas de Cerro Gordo, onde perdeu o companheiro, Sirli respirou fundo, rezou e elaborou um pouco melhor o que aconteceu no último dia 28 de novembro.
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*ZHESPORTES