Para medir o tamanho do sofrimento de Ulrike Ohlweiler, Uli para os mais chegados, basta perguntar a ela sobre os filhos. O relato da viúva do preparador físico Anderson Paixão ajuda a entender o impacto devastador da perda.
– Os dois escolheram jeitos bem opostos de lidar com a coisa. O de 11 anos (Jordi) não fala. É muito difícil ele contar que está triste, com saudade. O pequeno (Johann, de nove) reclama de tudo. Não quer ir à aula porque a professora é chata, não quer fazer nada. A coisa anda, daqui a pouco ele vem e diz que é porque está com saudade e queria que o papai estivesse aqui – diz Uli, em uma voz baixa que, por vezes, embarga. Ela continua:
– O maior me assustou. Ele não estava falando, e um dia chegou da escola todo machucado. Foi quando começou a se abrir. Ele pegou um lápis e apontou, bem apontado. E se picou todo. Eu perguntei por que fazia aquilo, e ele falou que era porque a saudade tava doendo tanto que ele queria ter uma outra dor para ver se aquela passava. Acho que ali ele entendeu que não há alternativa. Que as coisas não vão se resolver assim.
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Jordi e Johann não querem mais saber de futebol. Associam o esporte à perda do pai. O pequeno pediu à mãe para deixar as aulas de futsal. Na semana da final da Recopa, disputada contra o mesmo Atlético Nacional de Medellín, os dois se convenceram de que a família tem de deixar Chapecó. Só se falava no jogo, um assunto que tentavam evitar. Quando a cidade se alvoroça por conta de alguma decisão, Jordi se fecha no quarto para não ouvir a algazarra – isso quando não convence a mãe a fazer algum programa longe do centro. Para escapar das conversas com colegas que só querem saber da Chape, pedem para visitar um amigo que não se interessa por futebol.
Após o acidente, a decisão de permanecer em Chapecó pareceu interessante por conta da manutenção das crianças no colégio, em um ambiente de tão boas lembranças. Uli tem se esforçado para manter a rotina dos filhos e minimizar a dor. É mais uma que reclama, porém, do tratamento da Chapecoense. Afirma ter recebido apenas uma indenização de R$ 40 mil de seguro – sendo que só pode usar R$ 20 mil agora, já que a outra metade fica para o espólio dos meninos. A Chape diz ter acertado pagamentos além dessa indenização para a família.
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A renda tem sido garantida pelas economias feitas antes da tragédia. Educadora física, Uli cursa Nutrição, mas tem dificuldade de se concentrar nas aulas. Por conta do corte abrupto no orçamento, teve de deixar a casa onde morava e se mudar para um apartamento. Amigos ligados à escola de Jordi e Johann facilitaram o aluguel e a mobília do novo lar.
– Não me sinto abandonada aqui justamente pela ajuda dessas pessoas – afirma.
Mesmo que conte com essa solidariedade, descarta qualquer possibilidade de ficar em Chapecó. Quer permanecer apenas até o fim do ano. Depois, não tem claro seu próximo destino. Porto Alegre seria uma alternativa natural, já que sua família e a de Anderson Paixão estão na Capital. A violência urbana, porém, assusta.
– Estou meio perdida – confessa, ao responder sobre o futuro.
Enquanto tenta se encontrar, Uli luta para manter-se firme e devolver uma aura de normalidade às vidas de Jordi e Johann. Preenche o dia dos pequenos com atividades, desde aulas de judô ao alemão, sem prescindir do acompanhamento psicológico. Sabe que a rotina cheia os ajuda. E sabe, também, que a ferida ainda é grande e está aberta demais para cicatrizar.
– Acho que a gente precisa, no mínimo, de um ano para conseguir criar uma rotina nova sem ele – diz a viúva.
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*ZHESPORTES