Em final de semana de corrida, os autódromos gaúchos costumam se cobrir de uma névoa de fumaça. É de se imaginar que o ar denso é resultado do atrito dos pneus em fortes freadas na pista, mas não. Aqui, o ronco dos motores se mistura ao alarido de conversas animadas ao lado das churrasqueiras.
O meio automobilístico brasileiro reconhece o Rio Grande do Sul pela tradição de um público apaixonado por velocidade, que acampa nos autódromos e se abanca como se ali estivesse o seu rincão. Assar uma carne depois do chimarrão, neste caso, é obrigatório. A segunda etapa da Stock Car, que será realizada neste final de semana, no Velopark, é mais uma chance para a gauchada confraternizar enquanto assiste à disputa curva a curva pelo pódio.
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– É difícil precisar em que momento isso começou, mas dá para especular. Antes mesmo dos autódromos (o de Tarumã, o primeiro do Rio Grande do Sul, foi inaugurado em 1970) havia as corridas de rua, em Porto Alegre e nas estradas. O pessoal ia para perto da via para acompanhar e é natural que fizesse o seu churrasco por ali. Depois, quando Tarumã foi construído, aquilo foi transferido para dentro do autódromo – explica Márcio Pimentel, piloto há 30 anos e administrador de Tarumã.
Em provas noturnas, como a tradicional 12 Horas de Tarumã, há até relatos de pilotos que encontram dificuldade de visibilidade por conta da fumaceira dos assados. A maior parte dos competidores, porém, não reclama.
– É muito legal. Toda a prova no Sul tem isso. O pessoal gosta de curtir, vira um programa de final de todo o final de semana. É um público que gosta de corrida, que entende. Faz comentários especializados – conta Daniel Serra, piloto da Eurofarma que lidera a temporada 2017 da Stock Car.
– Eu lembro de vários desses acampamentos. Ficava lá curtindo. Via um pouco da corrida, mas estava mais interessado naquela função toda – lembra Pimentel.
Mesmo que o ambiente profissional e competitivo muitas vezes restrinja a interação entre pilotos e fãs, quem senta no cockpit sente a paixão do torcedor e, principalmente, o cheiro da carne assada.
– Dá fome (risos). Estamos focados no nosso trabalho, mas, por incrível que pareça, de alguma maneira a gente sente esse apoio do público, a arquibancada cheia. Das etapas que a gente vai, é o público mais apaixonado pelo automobilismo. Às vezes dormem do sábado para domingo, acampam, fazem churrasco – conta Max Wilson, também da equipe Eurofarma.
O costume ajuda a forjar a paixão pelo automobilismo dos pequenos que, ali adiante, tornam-se pilotos. É o caso de dois dos três gaúchos no grid da Stock Car. César Ramos e Márcio Campos, companheiros na equipe Blau Motorsport, lembram de suas experiências em meio aos acampamentos e de olhos e ouvidos atentos aos roncos dos motores.
– Já fiz esquema de ficar acampado nas 12 Horas. É uma cultura que todos conhecem, inclusive o pessoal de outros estados. Lembro que eu tinha uns oito, nove anos, e o carro que eu mais gostava era o Tubarão, que tinha uma barbatana. Eu já estava dormindo, morrendo de sono, e acordava de vez em quando para perguntar em que posição ele estava – diverte-se Ramos.
As lembranças de Campos são do motorhome da família, que estacionava nos autódromos para acompanhar as corridas do pai, João, também piloto:
– Acho que essa paixão foi fomentada pela força das nossas competições regionais, como o Gaúcho de Marcas e o de Endurance. Sempre tivemos uma tradição muito forte. Tanto que temos quatro autódromos (Velopark, Tarumã, Guaporé e Santa Cruz do Sul). Nenhum outro Estado tem isso.
A Stock Car já é atração imperdível sem esse entorno tão particular. Fica melhor ainda quando temperada com o irresistível cheiro de carne assada no ar.
* ZH Esportes