A estreia oficial do árbitro de vídeo (o monitor e as câmeras que permitem ao árbitro parar o jogo a fim de rever o lance e tirar suas dúvidas) em uma grande competição da Fifa não foi dos mais empolgantes. O lance emblemático foi vivenciado pelo árbitro do jogo, o húngaro Viktor Kassai. Alertado pelo árbitro de vídeo, o árbitro de campo, parou a partida entre Kashima Antlers e Atlético Nacional, de Medellín, válida pelo Mundial de Clubes, a fim de analisar a falta de Mosquera em Nishi Daigo, dentro da área. O húngaro, porém, ao revisar a jogada no vídeo instalado na lateral do gramado em Yokohama, durante mais de dois minutos, acabou por ignorar que o atacante japonês estava impedido. E apenas marcou o pênalti, que abriu o caminho para a goleada de 3 a 0 do Kashima sobre os colombianos.
Zero Hora consultou especialistas em arbitragem a respeito dessa estreia do árbitro de vídeo em um grande torneio da Fifa.
Confira:
Sálvio Spinola, ex-árbitro e comentarista de arbitragem do canal ESPN
"Não gostei. Sou a favor do árbitro de vídeo, mas deve ser algo pontual. Para coisas grandes. É como um seguro de carro. Tomara que não seja preciso usar, mas é preciso ter o seguro. Custa caro, é um investimento altíssimo, mas, se o árbitro estiver bem preparado, não precisará usá-lo. Banalizaram o árbitro de vídeo no Mundial da Fifa. O árbitro de vídeo deve ser utilizado em situações-limite, em casos extremos. Na Copa do Mundo do Brasil, em 64 jogos, tivemos três ou quatro lances que mereceriam o recurso de vídeo, apenas. Um árbitro toma 150 decisões em média por jogo, menos de 10% delas são em situações medianamente difíceis. Apenas 2% delas são em situações de alta complexidade, como se a bola entrou ou não entrou, se a falta foi dentro ou fora da área, a mordida do Suárez no Chiellini, enfim, coisas que o olho humano não consegue acompanhar muitas vezes. E não como muleta ao árbitro, como ocorreu no Mundial. Acho que a Fifa deveria realizar torneios curtos para a categoria sub-20, a fim de testar ainda mais o árbitro de vídeo".
Renato Marsiglia, ex-árbitro e comentarista de arbitragem da Rede Globo
"É bem difícil querer que as coisas funcionem certinho da primeira vez. Esses testes serão feitos exaustivamente e não funcionarão em quatro ou cinco meses. É preciso ajustar o protocolo, tomar decisões mais rápidas. Isso pode funcionar bem na Europa ou na Copa do Mundo. Agora, imagine parar o jogo para analisar um lance na Libertadores? Para anular um pênalti ou um gol? O jogo acaba na hora. O futebol não é um jogo que se para a toda hora, ele tem de fluir. O árbitro de vídeo não pode tirar a decisão do árbitro de campo. É preciso sentir o ambiente, não decidir de dentro de uma sala com ar-condicionado e aguinha gelada. Sempre fui contra o recurso eletrônico, mas revisei a minha posição, devido ao aumento dos recursos tecnológicos. Mas tudo tem de ser feito com teste e com cuidado, sem tirar a fluidez do jogo. No Mundial, não funcionou bem. Normal que aconteçam problemas. Mas foram problemas sérios, que envolveram o resultado da partida. Com sorte, na Copa do Mundo de 2018, tudo se ajustará. O recurso eletrônico em uma competição de 40 dias, como a Copa do Mundo, com bastante dinheiro, funciona bem. É um dispositivo caro e com grande número de pessoas envolvidas. O 'Olho de Águia', por exemplo, utilizado na Copa do Mundo do Brasil. Após o torneio, ele foi oferecido aos clubes brasileiros e ninguém quis bancar o recurso em seus estádios, pagando R$ 500 mil por ano de manutenção".
Leandro Vuaden, árbitro
"A questão toda é que ainda estamos em fase de testes, de observar as situações inusitadas, os equívocos, situações sem unanimidade, mesmo com o vídeo. O fato novo sempre gera rejeição no início. Sou totalmente a favor do árbitro de vídeo, mas que haja maior treinamento antes. Tudo o que vier a trazer maior tranquilidade para o acerto em campo será bem-vindo. O árbitro de vídeo serve para mostrar ao árbitro algo que ele não tenha visto em campo e que a câmera consegue recuperar. A ideia é reduzir erros e os testes têm de ser feitos mesmo em competições grandes da Fifa, em situações reais, de estresse para a arbitragem, como nesse Mundial. É claro que os árbitros tiveram dificuldades e seguirá assim por um tempo. O auxílio eletrônico deve ajudar o árbitro nesses 10% de jogo que ele não conseguiu ver em campo. Não sei quanto tempo se leva para ajustar tudo, mas é preciso seguir tentando. Agora, o árbitro precisa se preparar para o jogo, não para esperar o vídeo ajudá-lo. É um recurso, não o fator principal para a arbitragem. Caso contrário, teremos árbitros mal preparados".
Leonardo Gaciba, ex-árbitro e comentarista de arbitragem da Rede Globo
"Foi uma má estreia, sem dúvida. Se for desse jeito daqui para a frente, não vai ajudar. Estão acelerando o processo para usar de qualquer jeito na Copa da Rússia, em 2018. E se paga o preço por isso. As imagens foram utilizadas de forma equivocada, na pressa. Tem de colocar profissionais que falem a mesma língua e deixar bem claro quando o recurso será utilizado. Não adianta ter um protocolo e não utilizá-lo. Assim, o recurso perde força e credibilidade. O sistema "gol, não gol", por exemplo, levou 11 anos para ser aperfeiçoado e colocado em prática. Na primeira vez que foi utilizado, em um Mundial sub-17, o sistema avisou gol em duas bolas que bateram na rede pelo lado de fora. Há pressa, mas vamos tocar em frente. Lamento que o árbitro esteja sendo transformado em robô. Um robô que não pensa mais, que corre feito diabo para estar perto da bola e que saiba obedecer as ordens que gritam no ouvido dele. É muita opinião ao mesmo tempo no ouvido do árbitro. Em qualquer lance polêmico, o árbitro vai esperar para ver o que o vídeo vai mostrar. Isso vai mudar o sistema do futebol, mas corre o risco de o árbitro de vídeo virar o árbitro adicional (aquele atrás do gol): você pode utilizá-lo quando quiser, mas ninguém utiliza".
Diori Vasconcelos, comentarista de arbitragem da Rádio Gaúcha
"O Mundial mostrou que, na prática, a teoria é bem diferente. O árbitro de vídeo deve ser uma autoridade superior. Aquele sujeito que vai olhar o lance na TV e que não terá dúvida alguma sobre a jogada. O árbitro de vídeo deve passar a informação ao árbitro de campo, e não passar a sua opinião. Não pode ser o "eu acho". Esse cargo precisa ser ocupado por um ex-árbitro com experiência. Hoje, muitas pessoas ficam ao redor do árbitro de vídeo, são cinco, seis pessoas, todos falando ao mesmo tempo, assistindo ao vídeo, quando isso deveria ser feito por um árbitro e um técnico de imagens. Não pode dar certo quando todos falam ao mesmo tempo. É fato que esse processo precisa de ajustes. Até a Copa de 2018 estará resolvido. É uma mudança radical, talvez a maior mudança da história das regras do futebol. É normal que ocorram problemas".
* ZH Esporte