Histórias de super-heróis invariavelmente lidam com o mito de um ser especial que abraça para si a responsabilidade de salvar uma cidade, um país ou mesmo o mundo. No domingo, uma dessas histórias tornou-se real em local no mínimo improvável: uma quadra de basquete.
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Desembarquei em Ohio naquele 1992 pré-internet sem saber que o esporte seria parte tão importante do aprendizado cultural envolvido em mudar de país aos 16 anos – vinda da cultura futebolística brasileira, fui tocada pela devoção que por lá costuma ser destinada aos times locais das grandes cidades de cada Estado.
Não que fosse esse o caso de Cleveland em particular. Com um solitário título nacional – o troféu da NFL do time de futebol americano do Browns em 1964 – para chamar de seu, os moradores da minha nova cidade, Alliance, distante 80 quilômetros, concediam sua torcida incondicional a apenas uma equipe local. Foi assim que, em plena era de domínio do Chicago Bulls sob a liderança de Michael Jordan, descobri-me fã de carteirinha do Cleveland Cavaliers – que, à sonhadora alma de uma adolescente, ainda por cima ostenta o nome mais lindo e poético de toda a NBA.
No meio do caminho entre Alliance e Cleveland fica Akron, onde por aquela época começava a ensaiar seus dribles aquele que viria a ser o redentor do nordeste de Ohio, ainda que por um caminho tortuoso. Filho da terra, LeBron James surgiu como um milagre no início dos anos 2000: um fenômeno destinado a levar o Cavs a feitos nunca imaginados. Mas o que nenhum torcedor esperava ocorreu em 2010: camisas com o número 23 foram queimadas em praça pública quando a cidade viu LeBron trocar o Cavs pelo Miami Heat em busca do sonhado título na NBA. Por quatro temporadas, Ohio e seus filhos (incluindo os adotivos, como eu) engoliram o que foi considerado uma traição enquanto sua estrela maior brilhava na conquista de dois campeonatos pela franquia da Flórida.
Foi em 2014 que o jogo virou ao anúncio de uma promessa heroica. Como Bruce Wayne em defesa de sua sofrida Gotham City, LeBron James declarou seu retorno ao Cavs sob a capa de um Batman vigilante, que não desistiria enquanto não trouxesse um título para a cidade. Com o pacto renovado, King James e Cleveland fizeram da garra o símbolo de uma terra onde nada é de graça, mas conquistado com suor e lágrimas – como as que rolaram livremente pelo rosto de jogadores e torcedores após a vitória histórica sobre o Golden State Warriors no domingo, revanche da final da temporada passada. E as palavras que muitos de nós imaginavam nunca formar uma mesma frase agora estampam faixas e camisetas: Cavs, campeão da NBA.
Já pode descansar a capa, super LeBron: Cleveland está salva.
*ZHESPORTES