O aviso chega antes da entrevista. Jogador de futebol não diz uma só palavra antes de receber o ok dos seus assessores de imprensa. Eles são os novos donos da voz dos atletas. Sinal do profissionalismo que avança sem parar sobre o futebol brasileiro.
– O Bruno diz que prefere falar depois do culto das 22h.
Leia mais:
Luiz Zini Pires: o que Sandro Meira Ricci vai fazer com os três pontos que levou do Grêmio?
Luiz Zini Pires: dois ex-gremistas fazem parte da seleção da Copa América Centenário
Luiz Zini Pires: atacante marca o milésimo gol da história do Beira-Rio e Inter não celebra
No horário marcado, na quinta-feira, Bruno Rangel recém saiu da igreja, em Chapecó, no oeste catarinense e distante 452 quilômetros de Porto Alegre. Ele é centroavante da Chapecoense, fluminense de Campos dos Goytacazes e um dos 42 milhões de evangélicos brasileiros.
– É meu destino sagrado às quintas-feiras e aos domingos. Você só não me encontra na igreja se eu estiver trabalhando, a serviço da Chape.
Bruno pratica a mesma religião da mãe e das irmãs. Ele é de uma família de 11 irmãos, o mais jovem. A mulher, Girlene, 29 anos, o segue. Seus filhos, Bárbara, seis, e Daniel, um ano e três meses, trilharão o mesmo caminho se a vontade do pai prevalecer.
– Encontrei a religião aos 25. Foi tarde, mas nunca é tarde demais.
Aos 34 anos, 13 de carreira, Bruno Rangel é o goleador do Brasileirão, ao lado do paulista Grafite, do Santa Cruz, com sete gols depois de 10 rodadas. No seu atual time, de verde e branco, marcou 76 gols em 137 partidas. Uma estufada de rede a cada 121 minutos.
– Nada mal, Bruno – falo.
Ao fundo, na sala, os filhos fazem a maior algazarra. Na rua, a temperatura cai, a neblina prende todo mundo em casa na cidade de 170 mil habitantes. Cria do interior do Rio de Janeiro, Bruno, depois de se queixar do frio, fala.
– Sou centroavante. Se o gol sai, está tudo bem. Se não, começo a me preocupar.
O atleta é da velha escola. Se alguém pedir, insistir, ele é capaz de exibir a sua carteirinha de centroavante. Sempre vestiu a camisa 9. Quando está com ela, os gols chegam com naturalidade. Os torcedores o apelidaram de “Power Rangel”, numa brincadeira envolvendo os Power Rangers, aqueles coloridos super-heróis japoneses de uma série infanto-juvenil que faz sucesso na TV desde os anos 1990. Quem não viu, ainda não virou o século.
– Sei que muitos falam: “o centroavante está fora de moda.” O que vale agora, muitos críticos dizem, é o atacante de movimentação, o que sabe jogar fora da área, sai pelos lados, coisas assim. Eu respeito todos. Mas atacante bom é aquele que faz gol. Não adianta ter uma movimentação intensa, driblar, se o gol não chega. O gol é que manda. Quem faz, fica bem com todos.
Com 1m81cm, Bruno, que defendeu times tão distintos como o Ananindeua e o Águia de Marabá, do Pará, o Baraúnas, do Rio Grande do Norte, o Guarani, de São Paulo, e o Al Arabi, do Catar, entre outros, se define:
– Me sinto bem na grande área. Não tenho medo de zagueiro. Claro que gosto de servir aos companheiros, procuro me movimentar, mas não fujo da zona do gol. É lá que as partidas são decididas. Sei que a bola vai passar por perto. Se estiver nas proximidades, o gol sai. Posso dizer que sou um centroavante da velha escola, um finalizador, apesar da minha admiração por jogadores habilidosos como Neymar, Messi e Cristiano Ronaldo.
No passado, Romário (1985-2006) era sua paixão, seu aposto, mas só dentro de campo. Fora, nem pensar.
– Joguei contra ele uma vez. Eu defendia o Americano. Ele estava no final de carreira.
Com 34 anos, o atacante quer desfrutar mais três, talvez quatro anos no futebol competitivo.
– Deus vai me guiar.
Seu compromisso com a Chapecoense, de quem gosta muito, se encerra em dezembro, depois de três anos. O sonho é fazer um bom contrato no Exterior. Mira a China e o Japão. Catar nunca mais.
– Fiquei cinco meses e não gostei. O jogador treina pouco no Oriente Médio. Eu preciso de intensidade, trabalho forte.
Antes, o campeão e goleador do Campeonato Catarinense de 2016, maior artilheiro da história da Série B do Brasileirão, em 2013, com 31 gols, busca um novo feito.
– Quero chegar ao final do Brasileirão 2016 como goleador. Fiz sete em 10 rodadas. Acho que posso alcançar aos 20. Tenho mais 28 rodadas até dezembro. Neste domingo, enfrentaremos o Sport, em Recife.
Bruno Rangel é um atacante que vive na grande área e tenta preservar a antiga raça dos centroavantes matadores. Pode não estar na moda, mas faz gols.
*ZHESPORTES