Imaginem se o jogador de um grande clube brasileiro ocupasse espaços na imprensa e saísse feito um falastrão a defender a simples mudança no calendário do futebol brasileiro. Ou se esse mesmo jogador ainda se atrevesse a defender minimamente perturbadoras ideias em defesa de direitos civis e sociais.
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Por certo haveria resmungos, seguidas de duras críticas até a recriminação e a censura geral porque, afinal, no Brasil, jogador tem de jogar e não sair por aí a expressar opiniões que não sejam sobre o lance tal ou sobre o próximo adversário.
O caso de Muhammad Ali repõe a questão do atleta e do posicionamento sobre o esporte, a carreira e a vida. Quando voltou aos Estados Unidos da Olimpíada de Roma com a medalha de ouro e pediram que se retirasse de uma lanchonete porque o local não atendia negros, o então Classius Clay jogou a medalha no Rio Ohio. Se valia conquistar medalha para o país, por que diabos não podia sentar-se em uma lanchonete?
Acabou duramente criticado por ter jogado o ouro aos peixes do Kentucky.
Quando Cassius se transformou em Muhammad Ali e trocou de religião, outra avalanche de reprovação caiu-lhe sobre o ombro. Mas nada foi comparável de quando se negou a lutar na Guerra do Vietnã, sob o argumento de que seus inimigos racistas estavam em seu próprio país. Houve quem o tratasse como covarde.
É claro, esses episódios dos anos 1960 tinham outro contexto, mas estamos falando aqui do direito de se expressar. E citando Muhammad Ali se recorre a um exemplo extremo de inteligência e personalidade expansiva. Nem precisa tanto.
Nossa cultura é de censura geral, do goleiro ao ponta esquerda. Se ainda por cima o resultado de campo não ajuda, aí é caso de amordaçar o incauto e lhe cortar a palavra até que as vitórias reapareçam.
E olha que defendemos cidadãos em campo. Um cidadão autorizado a falar apenas sobre futebol. A censura é do torcedor e da imprensa, que aliás faz a cabeça do ouvinte, do leitor e do telespectador.
Fico curioso por ver como será o tratamento no Grêmio ao zagueiro Wallace, leitor de Kant, Schopenhauer e Nietzche. Vamos admitir que um zagueirão se encante com filósofos clássicos ou vamos chamá-lo de marrento e mascarado?
*ZHESPORTES