Na Inglaterra, muitos dos grandes clubes de futebol, incluindo Arsenal, Chelsea, Manchester City e Liverpool, mantêm uma equipe feminina ao lado de seus mais famosos jogadores do sexo masculino. Na Espanha, equipes do Barcelona, Athletic Bilbao, Atlético de Madrid e Espanyol fazem o mesmo. Na França, Paris St-Germain, Lyon, Montpelier e St-Étienne são clubes da primeira divisão que contam com equipes profissionais femininas, enquanto que na Alemanha, esse grupo inclui também Bayern de Munique, Wolfsburg, Bayer Leverkusen e Hoffenheim.
Na Itália, o número de clubes com equipes de ambos os sexos jogando na Serie A, a liga que inclui organizações famosas tais como AC Milan, Inter de Milão, Juventus e Roma, é muito menor.
Um.
O clube, a Fiorentina, está consciente de sua posição isolada, mas aqui, no coração da Toscana, todo mundo que faz parte da nova equipe feminina – de jogadoras a treinadores e executivos – espera que esse possa ser o início de uma mudança há muito esperada no desenvolvimento do futebol feminino nacional, que sempre esteve bem atrás dos outros países no topo do futebol europeu.
– Na Itália, as pessoas adoram futebol, mas todos pensam que é só para os homens; acham que é esporte macho. Aqui no clube, sabemos que somos diferentes. Achamos que o futebol é para todos – disse em uma entrevista recente Sandro Mencucci, diretor-executivo da Fiorentina e a força por trás da equipe das meninas.
Na verdade, nem todas as autoridades da federação de futebol italiana ignoram por completo o crescimento do futebol feminino; os índices de participação das meninas na Itália aumentaram significativamente nos últimos anos por causa de uma regra que exige que os clubes registrem mais jogadoras, mas o total de recursos alocados para o segmento em geral é comparativamente pequeno.
De acordo com o relatório anual mais recente da UEFA, órgão dirigente do futebol europeu, a federação italiana dedica um orçamento de aproximadamente US$ 3,4 milhões para o futebol feminino, US$ 7,8 milhões a menos do que o da França, e apenas um sexto do da Inglaterra. A Holanda, com aproximadamente 43 milhões de habitantes a menos que a Itália, tem uma verba superior em US$ 1,1 milhão; a da Noruega, cuja população é cerca de um décimo da italiana, é quase ao dobro.
Na Inglaterra, os jogos da primeira divisão feminina são mostrados na televisão regularmente; na Itália, nenhum deles é transmitido. Na Alemanha, existem 247 jogadoras profissionais na liga; na Itália, não há nenhuma.
– No momento, acredito que no futebol a situação talvez seja pior do que em outros esportes e na sociedade em geral. É um campo onde o sexismo ainda prevalece – disse Giorgia Giovannetti, professora de Economia da Universidade de Florença que estudou a igualdade de gêneros em locais de trabalho.
Um porta-voz da federação italiana de futebol se recusou a responder perguntas específicas sobre o futebol feminino, escrevendo em um e-mail que todas as informações sobre o jogo estavam disponíveis no site da federação.
– Na Itália, estamos ainda muito atrás em vários progressos sociais. Obviamente, esse movimento poderia se acelerar um pouco caso as principais instituições também assumissem uma postura em relação ao futebol feminino, mas até agora, a Fiorentina é a única. Os outros vão seguir esses passos? Não sabemos – disse Patrizia Panico, veterana da seleção feminina italiana desde a década de 90 que permanece, aos 41 anos, entre as melhores jogadoras da Fiorentina.
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O crescimento do futebol feminino é uma questão que cada vez mais recebe atenção global, com a FIFA, órgão dirigente do futebol mundial, aumentando seus investimentos financeiros, além de associações nacionais que buscam transformá-lo em uma prioridade.
E as equipes femininas recentemente se mostram mais dispostas a lutar por sua fatia do bolo; a federação da Austrália foi forçada a não participar de dois jogos contra os Estados Unidos em meio a uma disputa trabalhista com suas jogadoras, em meados do ano passado, e a equipe americana, campeã mundial, está envolvida em uma ação judicial com a organização americana do esporte.
Tatjana Haenni, ex-jogadora da seleção suíça e líder do esporte na FIFA, disse que não há um caminho único que deva ser seguido por uma federação quando se trata do crescimento do futebol feminino, notando que alguns países, como a Suécia, têm uma base que existe independentemente do futebol masculino e foi desenvolvida a partir das divisões menores chegando até as maiores.
Outros, no entanto – principalmente a Inglaterra, onde a maioria dos clubes da Premier League (embora não todos) adotou agora o futebol feminino – experimentam um crescimento rápido nas divisões mais altas através de exposição em noticiários, interação do torcedor e da marca compartilhada com a equipe masculina.
– Não é que as mulheres não conseguiriam por si mesmas, mas agora existem mais oportunidades, mais estádios, centros de treinamento nos clubes masculinos. O que eu gosto na Fiorentina é que o time está usando seu poder – disse Tatjana.
E acrescentou: "Para a maioria das associações, o futebol feminino é um esporte inferior ao masculino e por isso recebe esse tratamento. Se quisermos ampliá-lo, será preciso tirá-lo dessa classificação".
Essa é a meta da Fiorentina. Mencucci, o diretor-executivo, disse que o clube levantou a questão da criação de uma equipe feminina há dois anos, optando por estudar as operações do maior time feminino da cidade, que não possuía afiliação, em vez de começar do zero. E comprou essa equipe em meados do ano passado.
As regras do campeonato atual proíbem que os clubes paguem mais de US$27.854 por jogadora a cada temporada, mas Patrizia Panico, que ganhou o campeonato da liga na temporada passada com o AGSM Verona, foi uma das muitas a deixar seu antigo clube e se juntar à Fiorentina logo após a transição. No caso dela, ao fazer isso, sacrificou a chance de jogar na Liga de Campeões feminina nesta temporada.
– Não tive dúvidas. Uma equipe masculina de futebol profissional queria se dedicar ao futebol feminino. Senti que queria muito participar desse projeto – disse ela.
Muito do que a Fiorentina tem a oferecer é ainda modesto: o time feminino não joga no Stadio Artemio Franchi (que tem capacidade para 47 mil espectadores) e compete em estádios menores na periferia da cidade. Os treinos também são nos campos locais e, recentemente, praticando em um campo de grama artificial com vista para um antigo prédio de apartamentos, as jogadoras precisaram sair correndo na hora marcada, cedendo o campo para o time de juniores.
Mesmo assim, a diferença para a última temporada – quando a equipe era independente – é gritante. As jogadoras recebem cuidados médicos e tratamento de profissionais do clube; há um técnico exclusivo e um assessor de imprensa. Sauro Fattori, o treinador, aumentou sua equipe e já não é responsável por trazer as bolas e outros equipamentos para o treino.
– No ano passado tínhamos que lavar nossos próprios uniformes. Nesta temporada, estamos na mesma divisão, jogando contra as mesmas equipes, mas há muito mais ajuda para que façamos bem nosso trabalho – disse Giulia Orlandi, capitã da equipe.
Até agora, as jogadoras da Fiorentina estão se saindo bem. Recentemente, o time venceu o AGSM Verona por 3x1 e está empatado em primeiro lugar na liga. Mesmo assim, não há muito incentivo público para que outros clubes grandes sigam o exemplo.
Giorgia Giovannetti disse que ainda há obstáculos culturais significativos – e citou um estudo recente do Instituto Europeu para a igualdade de gênero que mostrou que a Itália está no fim da lista, bem abaixo da média continental, em uma ampla variedade de áreas em relação à igualdade entre homens e mulheres.
– A Itália ainda está longe de alcançar resultados satisfatórios nesse aspecto. É fundamental mudar a mentalidade tanto dos homens quanto das mulheres – acrescentou.
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